Pe. João Batista de A. Prado
Ferraz Costa
O benemérito
periódico italiano SI SI NO NO, em seu número de 15 de janeiro
último (2012), publicou uma importante matéria com o título Idéias
claras sobre o magistério, que vale a pena resenhar para o leitor
brasileiro, dada a atualidade do assunto.
Diz o referido artigo de Si
SI NO NO que ultimamente apareceram vários artigos que, com o
propósito de defender o magistério tradicional da Igreja, ou exageraram-lhe o
alcance, fazendo-o um absoluto (erro por excesso) ou quase que o aniquilaram,
negando-lhe a função de interpretar a Tradição e a Sagrada Escritura (erro por
defeito).
Recorda o artigo que o magistério é um múnus da Igreja e um
instrumento de que ela se utiliza com autoridade para propor aos fiéis a
Revelação Divina. O magistério não está acima da Igreja como se diante dele não
houvesse o enorme monumento da Tradição a ser recebido, interpretado e
transmitido integralmente e fielmente. Recorda também que o fiel atinge as verdades
da fé não diretamente, mas mediante o magistério.
Quanto à questão do valor teológico do
Vaticano II, o artigo de SI SI NO NO diz que para bem esclarecê-la é
preciso ter presente a doutrina católica sobre o magistério, a qual o divide em solene
e ordinário, sendo que o solene se subdivide em conciliar e
pontifício e o ordinário em universal e pontifício. O artigo cita o teólogo
alemão Alberto Lang, que diz que não reveste nenhuma importância
essencial o fato que os bispos exerçam o seu magistério de modo ordinário e
universal ou exerçam o seu magistério de modo solene reunidos em concilio
ecumênico convocados pelo papa. Em ambos os casos são infalíveis somente se, em
acordo entre si e com o papa, anunciam uma doutrina de modo definitivo e
obrigatório. Ou seja, para a infalibilidade o modo de ensinamento ordinário ou
extraordinário é acidental e secundário; o que é principal é a vontade de
definir e obrigar a crer uma verdade de fé e moral.
Quanto à definição dogmática, o artigo
explica que é a definição pela Igreja de que uma verdade é revelada e como tal
deve obrigatoriamente crer-se. Tal definição pode ser feita seja pelo
magistério ordinário seja pelo magistério extraordinário ou solene quanto ao
modo. Entretanto, o artigo faz observar que, se o magistério ordinário pode
definir infalivelmente um dogma formal, não significa que ele seja sempre
infalível e que todos seus pronunciamentos sejam uma definição dogmática;
sê-lo-á só se o papa quiser definir uma verdade como de fé revelada e obrigar a
crê-la para a salvação eterna. O artigo faz observar ainda que a infalibilidade
pressupõe, com efeito, da parte do magistério, a vontade de definir e
obrigar a crer como revelada uma verdade contida no depósito da fé: a Sagrada
Escritura e a Tradição.
No que concerne ao magistério conciliar,
o artigo de SI SI NO NO explica que o seu ensinamento é
infalível somente se quiser definir e obrigar a crer uma verdade de fé. De modo
que nem tudo que é magistério conciliar extraordinário é infalível. Recorda o
artigo que a constituição Pastor Aeternus do Vaticano I ensina que o
papa é infalível quando fala ex cátedra, isto é, quando, cumprindo o oficio
de pastor e doutor de todos os cristãos, em virtude da sua suprema autoridade
apostólica, define uma doutrina sobre a fé a moral, que deve ser acolhida por
toda a Igreja.
Portanto, as condições para que haja um
pronunciamento infalível do magistério pontifício são quatro: 1) que o papa
fale como doutor e pastor universal; 2) que use da plenitude da sua autoridade
apostólica; 3) que manifeste claramente a vontade de definir e de obrigar a
crer; 4) que trate assunto de fé ou de moral. Diz o artigo que o ponto
fundamental é a terceira condição, isto é, a manifestação da intenção de
definir e obrigar a crer; deve estar claro que o papa quer definir ( de modo
ordinário ou extraordinário) uma verdade a ser crida obrigatoriamente como
divinamente revelada.
Explica igualmente o esclarecedor artigo
que o concílio Vaticano I não declarou em que condições um concílio ecumênico é
infalível. Mas diz que, por analogia com o magistério pontifício se pode
afirmar que as condições são as mesmas. Assim como o papa, o concílio tem
também a faculdade de ser infalível, mas pode usá-la ou não, à sua vontade. O
artigo cita São Roberto Belarmino, o qual diz que só com base nas palavras do
concílio se pode saber se os seus decretos são propostos como infalíveis, de
maneira que, quando as expressões a respeito não são claras, não é certo que a
doutrina enunciada seja de fé, e, se não é certo, não há obrigação de crer.
Em seguida SI SI NO NO aplica
ao problema do Concílio Vaticano II os princípios e critérios explanados acima.
Diz que o Vaticano II não usou a prerrogativa da infalibilidade. Em nenhuma
ocasião os padres conciliares tiveram a vontade de definir e obrigar. Recorda
que já na fase preparatória do concílio João XXIII tinha declarado que o
concilio não definiria uma verdade a crer, mas teria apenas um caráter
pastoral. Afirma o artigo que só nos lugares em que repetiu o que a Igreja já
tinha definido ou constantemente ensinado o Vaticano II foi infalível de
facto. Pois o magistério ordinário, efetivamente, comporta a
infalibilidade também por sua constância no ensinamento de um ponto doutrinal.
Caso contrário, a Igreja induziria a erro. Para ilustrar tal doutrina, o artigo
cita a letra apostólica Tuas libenter do beato Pio IX, bem como o
teólogo padre Aldama que diz: “ Se em uma longa e ininterrupta série de
documentos ordinários concernentes a um mesmo ponto os papas e a Igreja
universal pudessem enganar-se, as portas do inferno teriam prevalecido contra a
Esposa de Cristo.
Depois, o artigo desenvolve o problema
da possibilidade excepcional do erro em atos do magistério e a suspensão do assentimento.
Diz o artigo que o simples fato de os documentos do magistério se dividirem em
infalíveis e em não infalíveis deixa aberta, em tese, a possibilidade de erro
em qualquer dos documentos não infalíveis, os quais podem excepcionalmente
“falhar”justamente porque não infalíveis. Tal conclusão – afirma o artigo –
impõe-se em virtude de um principio metafísico enunciado por Santo Tomás: quod
possibile est non esse, quandoque non est, ou seja, aquilo que pode
não ser (infalível), às vezes não é (infalível). Daí infere Si
Si No No que se, em via de princípio, num documento pontifício pode
haver erro pelo fato de que não foram observadas as quatro condições da
infalibilidade, deve dizer-se o mesmo a propósito dos documentos conciliares
quando não observam as mesmas condições.
De modo que, se houver uma oposição
precisa entre o texto de uma encíclica ou de um documento conciliar e outros
testemunhos da tradição apostólica, será lícito – diz o artigo – ao fiel douto
que tenha estudado acuradamente a questão suspender ou negar o seu assentimento
ao documento papal. Tal é a doutrina dos teólogos mais respeitados.
Em seguida, o artigo desenvolve um tema
de capital importância: a relação entre Tradição e magistério. Afirma que a
função do magistério é mediar o ensinamento divino, respondendo às necessidades
do tempo, mas sempre se vinculando à Tradição recebida e portanto já
transmitida. Não se trata de fazer viver uma fé nova, mas de transmitir e
reiterar de maneira adequada e aprofundada até o fim do mundo a única fé
pregada por Cristo e pelos apóstolos contida na Escritura e na Tradição. Diz o
artigo: “Desta transmissão do depósito da fé está ausente qualquer sombra de
contradição entre verdades antigas e novas e o desenvolvimento ou
aprofundamento deve ocorrer no mesmo sentido e no mesmo significado.(…) Não há
tradição, não subsiste verdade católica onde se acha contradição, contrariedade
ou concorrência entrenova et vetera.”
O artigo afirma também, como aliás o tem
sublinhado mons. Gherardini, a continuidade entre duas doutrinas para ser real
e não só verbal deve comportar uma continuidade homogênea, que exclui qualquer
alteração substancial, qualquer diversidade ou novidade heterogênea, ainda que
só parcial.
O artigo de SI SI NO NO menciona
como exemplo de ruptura com a doutrina tradicional da Igreja da constituição
conciliar Dei
Verbum sobre as fontes da Revelação. Com razão recorda o artigo que o
esquema da comissão preparatória do Vaticano II a começar do título do
documento De
fontibus revelationis reiterava a doutrina tradicional da Igreja
sobre as duas fontes da revelação (Tradição e Sagrada Escritura), mas foi
rejeitado para aguar o peso da tradição em vantagem da só Escritura em vista do
diálogo ecumênico. Explica o artigo que com o Vaticano II não se fala mais de
“dupla fonte” e mede-se a tradição com base na Escritura: tudo que não é
escrito não pode ser tido como revelado. Em poucas palavras, foi rejeitada a
doutrina comum e definida da insuficiência da só Escritura em comparação
com a Tradição. E diz ainda o artigo: “Enquanto, com o concílio de Trento e o
Vaticano I, a tradição era acolhida porque proveniente de Jesus e dos
Apóstolos, com o Vaticano II (DV) é acolhida se os teólogos lhe reconhecem esta
proveniência fundando-se sobre a Sagrada Escritura.”
Explanando ainda o tema da relação entre
Tradição e Escritura, o artigo com muita felicidade faz observar que a tradição
é muito mais rica que a só Escritura na medida em que é mais antiga e aclara
melhor verdades contidas na Escritura ou ainda complementa a Escritura
transmitindo verdades não contidas na Bíblia, como, por exemplo, a prática de
batizar os recém-nascidos.
Para remate desta resenha desejaria
acrescentar que me parece uma grande contradição dos defensores da
impecabilidade doutrinal do Vaticano II querer afirmar a absoluta justeza desse
concílio pastoral quando o próprio concílio, na Dei Verbum, reduz a
inerrância da Sagrada Escritura à verdade salvífica, contradizendo também aí a
tradição da Igreja. Ora, se se admite a possibilidade de erro na Bíblia, por
que não admiti-la também no mais controvertido concílio da história da Igreja?
Anápolis, 15
de fevereiro de 2012.
Festa
de Santos Faustino e Jovita, mártires
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