Capítulo I - Introdução
Teófilo a
Autólico: Saudações. Os escritores querem escrever multidões de livros por
vanglória; alguns sobre os deuses, as guerras e os tempos; outros sobre fábulas
inúteis e trabalho vão, em que também tu te exercitaste até agora. Certamente
não vacilas em suportar esse trabalho. Por outro lado, conversando conosco,
ainda continuais crendo que a nossa doutrina da verdade é tolice, alegando que
nossas Escrituras são recentes e novas. Diante disso tudo, eu também não
vacilarei em tratar novamente, com a ajuda de Deus, desde o princípio, a
questão da antiguidade de nossas Escrituras, a apresentantar-te um breve
resumo, a fim de que não te enfades ao lê-lo e também conheças a inanidade dos
outros autores.
Capítulo II - Os outros autores estão
mal documentados
Os escritores
deviam ter sido eles próprios testemunhas oculares do que afirmam ou ter sabido
exatamente daqueles que viram, pois escrever sobre o incerto é, de algum modo,
açoitar o ar. De que adiantou Homero ter descrito a guerra de Tróia e enganar a
muitos, ou Esíodo na sua Teogonia ter feito o catálogo e descrito as origens
daqueles que ele chama deuses? Ou Orfeu com os seus trezentos e sessenta e
cinco deuses, que ele rejeita no fim da vida, pois afirma em seus Testamentos
que existe um só Deus? De que adiantou a Arato a sua esferografia do céu
cósmico ou para aqueles que tiveram as mesmas opiniões, a não ser ter alcançado
entre os homens uma glória que nem sequer mereceram? O que eles disseram de
verdadeiro? Que proveito tiveram Euripedes, Sófocles e os outros trágicos com
suas tragédias, ou Menandro, Aristófanes e outros cômicos, ou Heródoto e
Tucídides com sua histórias, ou Pitágoras com seus templos e as colunas de
Hércules, ou Diógenes com sua filosofia cínica, ou Epicuro com seu dogmatismo
contra a providência, ou Empédocles com suas doutrinas atéias, ou Sócrates com
seus juramentos pelo cão, o ganso, o plátano e o fulminado Asclépio e pelos
demônios a quem invocava? Além disso, por que morreu voluntariamente e que
recompensa esperava receber depois da morte? De que serviu a Platão a educação
que ele instituiu, ou de que serviram para os outros filósofos as suas
doutrinas? Não farei a lista completa, pois são muitos. Dizemos isso para
demonstrar o teor inútil e ateu de suas especulações.
Capítulo III - Os outros autores são mal
inspirados
O fato é que, sendo
todos ambiciosos de vanglória, nem eles conheceram a verdade, nem conduziram ou
estimularam outros a ela. Eis que eles são acusados pelos seus próprios
discursos, pois disseram coisas contraditórias e, além disso, a maioria deles
destruiu suas próprias doutrinas. Isto é: não só lançaram por terra uns aos
outros, mas alguns invadiram seus próprios dogmas, de modo que sua glória
acabou na desonra e loucura, pois são condenados pelos homens inteligentes.
Primeiro falaram dos deuses, e depois ensinaram o ateísmo; falaram sobre a
origem do mundo e acabaram dizendo que o acaso é a lei universal; por fim,
começam falando da providência, e depois dogmatizam que o mundo não tem
providência. E o que mais? Não é certo que, tentando escrever sobre a pureza,
ensinaram a praticar os mais odiosos atos de impudor? São justamente os seus
deuses os primeiros que eles anunciam ter praticado as uniões desonestas e
festins sacrílegos. Quem não canta Cronos como devorador de seus filhos? E
Zeus, seu filho, que devora Métis e prepara abomináveis convites para os
deuses? Depois, nos contam de um tal Efesto, coxo e ferreiro, que o serve à
mesa; e de Hera, irmã de Zeus, que não só se casa com ele, mas também comete
desonestidades com sua boca impura. Suponho que saibas das demais ações dele
que os poetas cantam. Que necessidade tenho de enumerar o que se refere a
Posêidon, a Apolo, Dionísio e Héracles, ou de Atena, a guerreira, e Afrodite, a
desavergonhada? Disso tratamos mais detalhadamente em outro livro.
Capítulo IV - Caluniadores dos cristãos
Eu nem deveria
estar refutando essas coisas, se não fosse porque te vejo agora duvidando sobre
a doutrina da verdade. Mesmo sendo sensato, suportas de boa vontade os
ignorantes. De outra forma, não terias deixado desviar-te pelos vãos discursos
de homens insensatos, nem acreditado nesse boato preconceituoso de bocas
ímpias, que mentirosamente caluniam a nós, que adoramos a Deus e nos chamamos
cristãos, espalhando que temos mulheres em comum e que não nos importamos com
quem nos unimos; além disso, dizem que mantemos relação carnal com nossas
próprias irmãs e, o que é mais ímpio e cruel, que nos alimentamos de carnes
humanas. Dizem ainda que nossa doutrina é recente e que nada temos para alegar
como demonstração de nossa verdade e ensinamento. Por fim, dizem que toda a
nossa doutrina é pura loucura. Ora, mais do que tudo, fico admirado contigo,
pois sendo no resto diligente e pesquisador de todas as coisas, somente a nós
ouves com descuido, tu que, tendo possibilidade, não hesitarias em passar até
as noites nas bibliotecas!
Capítulo V - Como levar isso a sério?
Muito bem. Já que
leste muito, que achas dos conteúdos do livro de Zenão, de Diógenes e de
Cleantes, que ensinam a antropofagia, dizendo que os pais devem ser cozidos por
seus próprios filhos e comidos por estes, e que se alguém se nega a comer ou
joga um membro qualquer dessa abominável comida, deve-se comer aquele que não
come? Ainda se encontra uma voz mais ímpia, a de Diógenes, que ensina os filhos
a levar seus próprios pais para serem sacrificados e depois comê-los. O que
mais? O historiador Heródoto não conta que Cambises degolou os filhos de
Harpago e os serviu cozidos para o pai? Também conta que entre os indianos os
pais são comidos por seus filhos. Que ímpio ensinamento dessas pessoas que
registram tais coisas e até as professam! Que impiedade o ateísmo, que
especulações, daqueles que filosofam tão acuradamente e propagam filosofia. Com
efeito, os que espalham tais doutrinas encheram o mundo de impiedade.
Capítulo VI - Como levar isso a sério?
(cont.)
De fato, no que se
refere à união ilegítima, todos os que se extraviaram no coro dos filósofos
estão de acordo. Em primeiro lugar Platão, que dentre eles parece ser o que
filosofou com mais profundidade. No livro primeiro da República legisla
expressamente, digamos assim, que as mulheres de todos devem ser comuns,
alegando o exemplo de Minos, filho de Zeus e legislador dos cretenses, a fim de
que, sob esse pretexto, os nascimentos sejam numerosos e que, com tais costumes,
sejam consolados os que se acham tristes. Além disso, Epicuro, não contente de
ensinar o ateísmo, aconselha a relação carnal com mães e irmãs, mesmo
transgredindo as leis que o proíbem. Sólon também legislou com toda clareza
sobre isso, dizendo que os filhos devem nascer de matrimônio legítimo e não de
adultério, para que não se honre como pai aquele que não é pai e se desonre,
por ignorância, aquele que o é. Digamos o mesmo do resto que as leis dos
romanos e gregos proíbem. Então, com que finalidade Epicuro e os estóicos
afirmam como dogma as uniões de irmãos e a pederastia e encheram as bibliotecas
com esses ensinamentos, para que se aprenda a união ilegítima desde criança?
Não compensa, porém, gastar o tempo com isso, pois propagam coisas semelhantes
a respeito do que eles chamam deuses.
Capítulo VII - Como levar isso a sério?
(cont.)
Com efeito, depois
de afirmar a existência dos deuses, em seguida os reduzem a nada. Porque uns
afirmaram que se compõem de átomos; outros, que vão dar nos átomos e que eles
não têm mais poder do que os homens. Platão, depois de dizer que os deuses
existem, quer que eles sejam compostos de matéria. Pitágoras, que se fatigou
tanto sobre o problema dos deuses, que viajou de um lado para outro, por fim
separa a natureza e diz que é o acaso que rege tudo e que os deuses não se
importam em nada com os homens. E o que excogitou o acadêmico Clitômaco para
demonstrar o ateísmo! O que falar de Crítias e Protágoras de Abdera, que diz:
"Sobre os deuses, não posso dizer se existem, nem manifestar qual seja sua
natureza, pois existem muitas coisas que me impedem". Seria supérfluo
citar as teorias do ímpio Evêmero que, atrevendo-se a falar longamente sobre os
deuses, termina dizendo que absolutamente não existem, e quer que tudo seja
governado pelo puro acaso. Platão, que falou tantas coisas sobre a monarquia de
Deus e sobre a alma do homem, afirmando que ela é imortal, depois também não se
contradiz, dizendo que as almas emigram para outros homens e que as almas de
alguns vão parar até em animais irracionais? Como é que tal doutrina não se
mostrará funesta e sacrílega para os que possuem inteligência sã, isto é, que
quem foi homem se transforme em lobo, cão, asno ou qualquer outro animal
irracional? Encontramos tolices semelhantes naquilo que Pitágoras disse, além
de eliminar a providência. Então, em que vamos acreditar? No cômico Filêmon,
que diz: "Porque os que honram a Deus têm belas esperanças de
salvar-se", ou nos citados Evêmero, Epicuro, Pitágoras e outros que negam
haver religião e destroem a providência? Em todo caso, eis o que Ariston diz
sobre Deus e a providência:
"- Coragem! É
costume de Deus ajudar aqueles que o merecem e de modo poderoso. De fato, se
não existisse uma preeminência estabelecida para os que vivem como se deve,
para que serviria a religião?
- Deveria ser
assim, mas com muita freqüência vejo aqueles que se decidem viver
religiosamente fazê-lo de modo estranho, enquanto os que buscam apenas o
próprio interesse levam existência mais honrosa que nós.
- Talvez no
presente. Contudo, é preciso olhar mais longe e esperar a transformação de
todas as coisas. Esta não será como na opinião funesta e perniciosa à vida, que
se fortaleceu entre alguns, segundo a qual tudo é puro ímpeto do acaso e tudo
se decide conforme aparece. Sem dúvida, os ímpios julgam que isso traz vantagem
para seus próprios interesses. Entretanto, há também uma preeminência para os
que vivem santamente e para os ímpios, como convém, um desejo. Porque sem
providência não acontece nada".
Quanto ao que os
outros disseram sobre Deus e a providência, e pode-se dizer que são a maioria,
pode se ver como suas doutrinas são contraditórias. Uns eliminaram
completamente Deus e a providência; outros, ao contrário, admitem Deus e
confessam que tudo é governado por uma providência. Portanto, o ouvinte ou
leitor inteligente deve prestar acurada atenção ao que se diz, de acordo com
Similo: "Comumente se costuma chamar de poetas tanto aqueles que são
naturalmente mal dotados e os de excelentes dotes. Dever-se-ia fazer distinção".
A mesma coisa Filêmon: "É insuportável um ouvinte néscio ali sentado. Por
sua tolice nunca repreende a si mesmo". Deve-se, portanto, prestar atenção
e compreender o que se diz, examinando anteriormente as afirmações dos filósofos
e demais poetas.
Capítulo VIII - Como levar isso a sério?
(cont.)
De fato, começam
negando a existência dos deuses, depois a confessam e nos contam que eles
praticam ações abomináveis. Zeus é o primeiro. Aí estão os poetas que proclamam
suas ações em versos melodiosos. Não foi o grande charlatão de Crisipo que
mostrou que Hera uniu-se a Zeus por sua impura boca? Para que enumerar as
impudicícias da chamada mãe dos deuses, ou de Zeus Lacial, sedento de sangue
humano, ou de Atis, o mutilado? Ou aquele Zeus, com o sobrenome de Trágico, que
queimou sua própria mão, como dizem, e agora é honrado como deus entre os
romanos? Passo em silêncio os templos de Antino e dos outros pretensos deuses.
Essas histórias todas são motivo de riso para os homens inteligentes. Na
verdade, os que professam tal filosofia são levados ao ateísmo por suas
próprias doutrinas, assim como à poligamia e à inversão. Além disso, em seus
escritos encontrase a antropofagia, e os primeiros que fizeram tudo isso são os
deuses que eles honram.
Capítulo IX - Excelência da moral cristã
Nós, porém,
confessamos a Deus, mas um só, o criador, o autor e artífice de todo este
mundo, e sabemos que tudo é governado por sua providência, mas somente pela
sua. E aprendemos uma lei santa, mas temos como legislador o verdadeiro Deus,
que nos ensina a agir justa, religiosa e santamente. Sobre a religião e a
piedade ele diz: "Não terás deuses estranhos além de mim. Não fabricarás
para ti imagem alguma de tudo o que há acima no céu, nem abaixo na terra, nem
nas águas debaixo da terra. Não os adorarás, nem os servirás, porque eu sou o
Senhor teu Deus". Sobre o agir santamente ele diz: "Honra teu pai e
tua mãe, para que tudo te corra bem e tenhas longa vida sobre a terra que eu te
dou, eu o Senhor Deus". E sobre a justiça: "Não cometerás adultério.
Não matarás. Não roubarás. Não levantarás falso testemunho contra o teu
próximo. Não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem a sua casa, nem o seu
campo, nem o seu escravo, nem a sua escrava, nem o seu boi, nem o seu jumento,
nem qualquer animal seu, nem qualquer coisa que pertença ao teu próximo. Não
distorcerás o julgamento ao julgar o pobre. Tu te afastarás de toda palavra
injusta. Não matarás o inocente e justo. Não absolverás o ímpio, nem aceitarás
suborno, pois o suborno cega os olhos dos que vêem e destroem as palavras
justas". O ministro dessa lei santa foi Moisés, também servo de Deus. Foi
dada para o mundo inteiro, embora primeiro para os hebreus, também chamados
judeus. O rei do Egito os havia reduzido à escravidão, apesar de serem uma
descendência justa de homens religiosos e santos, de Abraão, de Isaac e Jacó.
Deus, porém, lembrou-se deles e, realizando maravilhas e prodígios por meio de
Moisés, libertou-os milagrosamente e os tirou do Egito, conduzindo-os através
do assim chamado deserto, e finalmente os estabeleceu na terra de Canaã, que
depois foi chamada Judéia, deu-lhes a lei e lhes ensinou tudo isso. Os dez
pontos principais dessa grande e admirável lei, que vale para toda a justiça,
são os que acabamos de citar.
Capítulo X - Excelência da moral cristã
(cont.)
Os judeus
residiram no Egito como estrangeiros, pois de raça eram hebreus procedentes da
Caldéia. Tendo havido naquele tempo uma fome, tiveram que emigrar para o Egito,
a fim de comprar mantimentos e com o tempo aí se estabeleceram. Então aconteceu
a eles conforme a predição de Deus. Depois de viverem como forasteiros no Egito
durante quatrocentos e trinta anos, quando Moisés os levou para o deserto, Deus
lhes ensinou por meio da lei, dizendo: "Não oprimirás o estrangeiro,
porque vós conheceis a alma do estrangeiro, pois fostes estrangeiros na terra
do Egito".
Capítulo XI - Excelência da moral cristã
(cont.)
Ora, o povo
transgrediu a lei que lhe fora dada. Deus, porém, que é bom e misericordioso,
não querendo que perecessem, além de ter-lhes dado a lei, mandou-lhes depois
profetas dentre seus irmãos, para que lhes ensinassem e recordassem as coisas
da lei e levá-los à penitência para que não pecassem mais. Contudo, como eles
se obstinassem em suas más ações, os profetas lhes predisseram que seriam
submetidos a todos os remos da terra. E é evidente que isso lhes aconteceu.
Portanto, sobre a penitência, o profeta Isaias diz a todos em geral, mas
particularmente ao povo: "Buscai o Senhor e, ao encontrá-lo, invocai-o.
Quando ele se aproximar de vós, que o ímpio abandone os próprios caminhos e o
homem iníquio seus conselhos, e convertam-se ao Senhor seu Deus. Ele se
compadecerá e largamente perdoará os vossos pecados". Ezequiel, outro
profeta, diz: "Se o iníquo se converte de todas as iniqüidades que praticou,
guarda os meus mandamentos e pratica a minha justiça, viverá com vida e não
morrerá; não se lembrará de todas as iniqüidades que praticou, mas viverá pela
justiça que praticou, porque eu não quero a morte do iníquo, diz o Senhor, e
sim que ele se converta de seu mau caminho e viva". E Isaías acrescenta:
"Convertei-vos, vós que alimentais um desígnio que conduz ao abismo e ao
crime, para que vos salveis". E Jeremias diz: "Convertei-vos ao
Senhor vosso Deus, como o vindimador ao seu cesto, e encontrareis misericórdia".
Muitas outras coisas, ou melhor, coisas inumeráveis dizem as santas Escrituras
sobre a penitência, pois Deus sempre quer que o gênero humano se converta de
todos os seus pecados.
Capítulo XII - Excelência da moral
cristã (cont.)
Além disso, sobre
a justiça de que a lei fala, vemos que os profetas e os evangelhos estão de
acordo, pois todos, portadores de espírito, falaram pelo único Espírito de
Deus. Isaias diz o seguinte: "Tirai as maldades de vossas almas, aprendei
a fazer o bem, buscai o direito, libertai o oprimido, julgai o órfão e fazei
justiça à viúva". E ainda: "Desata as amarras da iniqüidade, rompe os
laços dos contratos violentos, deixa ir os oprimidos em liberdade, rasga todo
contrato injusto, reparte o teu pão com o faminto e recolhe em tua casa os
mendigos sem teto. Se vês alguém nu, veste-o, e não te afastes com desprezo
daqueles que pertencem à tua própria descendência. Então a tua luz brilhará
como a aurora, tuas feridas logo serão curadas e tua justiça caminhará diante
de ti". De modo semelhante Jeremias diz: "Parai nos caminhos, olhai e
perguntai qual é o caminho do Senhor vosso Deus, o caminho bom; caminhai por
ele e encontrareis descanso para vossas almas. Daí sentenças justas, porque
essa é a vontade do Senhor vosso Deus". De modo semelhante também Oséias
diz: "Observai o direito e aproximai-vos do Senhor vosso Deus, que firmou
o céu e alicerçou a terra". Joel, outro profeta, de acordo com eles, diz:
"Reuni o povo, santificai a assembléia, recebei os anciãos, juntai as
crianças que mamam nos peitos; que o esposo saia de seu quarto nupcial e a
esposa de seu leito; rogai com insistência ao Senhor vosso Deus, a fim de que
ele se compadeça de vós, e ele apagará vossos pecados". Do mesmo modo
Zacarias, outro profeta, diz: "Eis as palavras do Senhor Onipotente:
julgai com verdadeira justiça e cada um pratique a misericórdia e a compaixão
com o seu próximo; não oprimais a viúva, o órfão e o estrangeiro; não guardeis
rancor em vossos corações contra o vosso irmão, diz o Senhor Onipotente".
Capítulo XIII - Excelência da moral
cristã (cont.)
Quanto à pureza, a
palavra santa não só nos ensina a não pecar por atos, mas também por
pensamento, sequer pensar em nosso coração sobre alguma coisa má ou desejar a
mulher alheia, olhando-a com os olhos. Com efeito, Salomão, que foi rei e
profeta, diz: "Que teus olhos vejam o que é reto e tuas pálpebras se
inclinem para o que é justo; que teus pés só percorram o caminho reto". E
a voz do Evangelho diz ainda mais expressamente sobre a castidade: "Todo
aquele que olha a mulher alheia para desejá-la, já cometeu adultério com ela em
seu coração. Aquele que se casa com a que foi repudiada por seu marido, comete
adultério; e aquele que repudia sua mulher, exceto pelo motivo de fornicação,
faz com que ela cometa adultério". Salomão diz ainda: "Pode alguém
carregar fogo em sua veste e não queimar a sua roupa? Ou caminhar sobre brasas
e não queimar os pés? Do mesmo modo, quem entra na casa da mulher casada não
será inocente".
Capítulo XIV - Excelência da moral
cristã (cont.)
Quanto a não
termos benevolência apenas com os de nosso próprio grupo, como pensam alguns, o
profeta Isaias diz: "Dizei aos que vos odeiam e abominam: 'Sois nossos
irmãos', a fim de que seja glorificado o nome do Senhor e seja visto na alegria
deles". E o Evangelho diz: "Amai os vossos inimigos e orai pelos que
vos caluniam. Com efeito, se amais os que vos amam, que recompensa tendes?
Também os salteadores e publicanos fazem isso". Aos que praticam o bem,
ele os ensina a não se glorificar, a fim de não agradarem aos homens: "Que
a tua mão esquerda não saiba o que faz a tua mão direita". A palavra
divina também manda que nos submetamos aos magistrados e autoridades e a orar
por eles, a fim de levar uma vida calma e tranqüila. Também nos ensina a dar a
todos o que lhes convém. A honra, a quem se deve a honra; o temor, a quem se
deve o temor; o tributo, a quem se deve o tributo; e não dever nada a ninguém,
mas apenas amar a todos.
Capítulo XV - Acusações precipitadas
Considera,
portanto, se aqueles que recebem tais ensinamentos podem viver indiferentemente
ou manchar-se com uniões ilegítimas, ou então, o que supera toda impiedade,
alimentar-se de carnes humanas. Na verdade, somos proibidos até de assistir aos
espetáculos de gladiadores, a fim de não participarmos e não nos tornarmos
cúmplices daquelas mortes. Também não devemos ver os outros espetáculos, para
que nossos olhos e ouvidos não fiquem impuros ao participar do que ali se
canta. De fato, se se fala de antropofagia, ali são devorados os filhos de Tiestis
e Tereu; se se fala de adultério, ali se representam tragédias em que não só os
homens as cometem, mas também os próprios deuses. Coisas que são contadas em
versos melodiosos e não sem honras e prêmios. Longe dos cristãos sequer
passar-lhes pelo pensamento fazer essas coisas. Entre eles há temperança,
exercita-se a continência, observa-se a monogamia, guarda-se a castidade,
aniquila-se a injustiça, arranca-se o pecado pela raiz, medita-se a justiça,
cumpre-se a lei, pratica-se a religião, confessa-se a Deus, a verdade decide
como árbitro, a graça guarda, a paz protege, a palavra santa dirige, a
sabedoria ensina, a vida decide e Deus reina. Poderíamos dizer muito mais
coisas sobre o comportamento que se vive entre nós e sobre as justificaçôes de
Deus, artífice de toda criatura. Por enquanto, porém, basta o que recordamos, a
fim de que tu o saibas, sobretudo pelo que lês até agora e, já que foste
estudioso até o presente, o sejas também daqui para frente.
Capítulo XVI - Antiguidade da tradição
cristã
Quero agora
mostrar-te com mais precisão, com a ajuda de Deus, nossa posição no tempo, para
que reconheças que a nossa doutrina não é recente, e nem fabulosa, e sim mais
antiga e verdadeira do que todos os poetas e historiadores que escreveram sobre
o incerto. Uns, dizendo que o mundo era incriado, terminaram no infinito;
outros, que o disseram criado, falaram que já se haviam passado quinze miríades
e três e setecentos e cinco anos. Isso é contado por Polônio, o egípcio.
Platão, que parece ter sido o mais sábio dos gregos, por quantas tolices não
enveredou? Na chamada República encontra-se literalmente: "Se as coisas
permaneceram o tempo todo dispostas como estão agora, como se poderia encontrar
alguma coisa de novo? É que durante uma miríade de miríades de anos as pessoas
não perceberam o tempo e só há mil ou dois mil anos tornaram-se manifestas as
primeiras descobertas, umas por Dédalo, outras por Orfeu, e outras por
Palamedes". Dizendo que assim aconteceu, ele mostra que do dilúvio até
Dédalo passou-se uma miríade de miríades de anos. Depois de falar longamente de
cidades espalhadas pelo mundo, de habitantes e povos, ele confessa que falou de
tudo isso por conjectura. De fato, ele diz: "Em todo caso, estrangeiro, se
um deus nos prometesse começar de novo as discussões sobre as leis, das
palavras agora ditas..." É claro que falou por conjectura e, se falou por
conjectura, o conseqüentemente que ele disse não é verdade.
Capítulo XVII - Necessidade da
inspiração
Portanto, vale
mais tornar-se discípulo da lei divina. O próprio Platão reconheceu o que não é
possível aprender de outra maneira que é exato, a não ser que Deus nos ensine
pela lei. Além disso, os próprios poetas Homero, Hesíodo e Orfeu não disseram
que foram ensinados pela presciência divina? E dizem ainda que no tempo dos
historiadores houve adivinhos e conhecedores do futuro e que aqueles que
aprenderam com eles escreveram com exatidão. Tanto mais não saberemos nós a
verdade, que aprendemos com os santos, profetas, os quais receberam o santo
Espírito de Deus? É por isso que todos os profetas disseram coisas que
concordavam entre si e anunciaram de antemão o que deveria acontecer para todo
o mundo. Com efeito, o cumprimento das coisas anteriormente anunciadas e que
agora se realizam pode muito bem ensinar aos estudiosos, ou melhor, aos amantes
da verdade, que também são verdade as coisas por eles ditas a respeito dos
tempos e situações anteriores ao dilúvio, desde a criação do mundo até hoje,
junto com a computação dos anos, demonstrando assim a charlatanice enganadora
dos historiadores e que não é verdade o que estes disseram.
Capítulo XVIII - A história do dilúvio
Platão, como
dissemos antes, depois de afirmar que houve dilúvio, disse que não atingiu toda
a terra, mas só as planícies, e que os que fugiram para as montanhas mais altas
se salvaram. Outros dizem que existiram Deucalião e Pirra, que somente estes se
salvaram numa arca, e que Deucalião, depois de sair da arca, foi jogando pedras
para trás e que dessas pedras nasceram homens. Dizem que é daí que vem o nome
"povos" dado à multidão de homens. Outros disseram que Climeno
existiu por ocasião do segundo dilúvio. É evidente que aqueles que escreveram
essas coisas e assim inutilmente filosofaram sejam miseráveis, totalmente
ímpios e néscios. Ao contrário, nosso profeta explicou como aconteceu o
dilúvio, sem ter que inventar um Deucalião, ou uma Pirra, ou Climeno, nem que
se deu apenas nas planícies e salvando-se somente os que se refugiaram nas
montanhas.
Capítulo XIX - A história do dilúvio
(cont.)
Também não disse
que houve um segundo dilúvio; ao contrário, disse que não acontecerá no mundo
outro dilúvio de água, como de fato não houve, nem haverá. Conta que foram oito
pessoas que se salvaram na arca, construída por ordem de Deus não através de
Deucalião, mas por aquele que em hebraico se chama Noé e é interpretado em
grego como "descanso". Em outro livro, mostramos como Noé, anunciando
aos homens que o dilúvio viria, profetizou-lhes, dizendo: "Vinde, Deus vos
chama à penitência". Por isso, com toda a propriedade, foi chamado
Deucalião. Esse Noé tinha três filhos, como mostramos no segundo livro, cujos
nomes eram Sem, Cam e Jafé. Cada um deles tinha sua mulher, assim como Noé
tinha a sua. Alguns dão o nome de Eunuco a esse homem. Portanto, no total, se
salvaram oito vidas humanas, aquelas que se encontravam na arca. Moisés mostrou
que o dilúvio durou quarenta dias e quarenta noites, durante os quais as
cataratas do céu se romperam e todas as fontes do abismo jorraram, de modo que
a água se ergueu quinze côvados acima dos montes mais altos. Desse modo todo o
gênero humano então existente pereceu, salvando-se apenas os oito que foram
preservados na arca, dos quais falamos antes. Os restos dessa arca até hoje são
mostrados nos montes da Arábia. Essa é, em resumo, a história do dilúvio.
Capítulo XX - Data de Moisés
Como já dissemos
antes, Moisés conduziu os judeus, quando estes foram expulsos do Egito pelo rei
faraó, cujo nome é Tetmósis. Segundo dizem, depois da expulsão do povo, este
reinou vinte e cinco anos e quatro meses, conforme a contagem de Maneton.
Depois dele, Cebron reinou treze anos; depois deste, reinou Amenófis por vinte
anos e sete meses; depois deste, sua irmã Amesa reinou vinte e um anos e um
mês; depois dela, Mefres reinou doze anos e nove meses; depois, Meframutósis
reinou vinte anos e dez meses; depois deste, Titmósis reinou nove anos e oito
meses; depois deste, Damfenófis reinou trinta anos e dez meses; depois deste,
Oros reinou trinta e cinco anos e cinco meses; a filha deste reinou dez anos e
três meses; depois dela, reinou Merqueres durante doze anos e três meses;
depois, Armais reinou quatro anos e um mês; depois deste, Ramsés reinou um ano
e quatro meses; depois Messes, filho de Miamo, reinou seis anos e dois meses;
depois deste, Amenófis reinou dezenove anos e seis meses; depois Seto e Ramsés,
que reinaram dez anos, os quais tinham fama de possuir grandes forças de
cavalaria e grande frota em seu tempo. Quanto aos hebreus, que naquele tempo
viviam como forasteiros no Egito, submetidos à escravidão pelo rei Tetmósis, do
qual falamos, construíram para ele as cidades fortificadas de Peito, Ramesen e
On, que é Heliópolis. Assim se demonstra que os hebreus são mais antigos do que
as mais famosas cidades daquela época entre os egípcios. Eles são os nossos
antepassados e deles recebemos também os livros sagrados que são, como já
dissemos, mais antigos do que todos os historiadores. O Egito deriva seu nome
do rei Seto, pois dizem que Seto equivale a Egito. Seto tinha um irmão chamado
Armais. É este que é chamado de Dânaos, e foi ele que veio do Egito para Argos;
dele fazem menção todos os historiadores como sendo muito antigo.
Capítulo XXI - Data de Moisés (cont.)
O egípcio Maneton,
depois de muitas tolices e até injúrias contra Moisés e os hebreus que o
acompanhavam, insinuando que foram expulsos do Egito como leprosos, não soube
dizer exatamente a época. Chamando os hebreus de pastores e inimigos dos
egípcios, disse que eram pastores forçados, convencido pela verdade. De fato,
nossos antepassados foram pastores, habitando como peregrinos no Egito, mas não
leprosos. Com efeito, ao chegarem à terra chamada Jerusalém, onde em seguida
habitaram, é claro como seus sacerdotes, que permaneciam no templo por ordem de
Deus, curavam toda enfermidade, entre elas a lepra e qualquer outro defeito. O
templo foi construído por Salomão, rei da Judéia. É evidente que Maneton se
equivoca na cronologia por suas próprias palavras, e também a respeito de quem
os expulsou, cujo nome era Faraó. Ele não reinou mais sobre os egípcios, pois,
saindo em perseguição aos hebreus, afogou-se com o seu exército no mar
Vermelho. Ele também se equivoca dizendo que aqueles que ele chama de pastores,
guerrearam contra os egípcios, porque eles saíram do Egito e povoaram a terra
que agora se chama Judéia, trezentos e treze anos antes da chegada de Dânaos a
Argos. E claro que este é tido como o mais antigo pela maior parte dos
escritores gregos. Através de seus escritos, mesmo sem querer, Maneton disse a
verdade em dois pontos: em tê-los chamado de pastores e afirmado que saíram do
Egito. Por esses dados fica demonstrado que Moisés e os seus são novecentos ou
mil anos anteriores à guerra de Tróia.
Capítulo XXII - Data do templo
Sobre a construção
do templo da Judéia, edificado pelo rei Salomão quinhentos e sessenta e seis
anos depois da saída do Egito, entre os tírios se guardam documentos de como
ele foi construído; nos arquivos deles conservam-se escritos onde consta que o
templo foi construído cento e trinta e quatro anos e oito meses antes da
fundação de Cartago pelos tírios. Esses documentos foram consignados pelo rei
dos tírios chamado Hiéramo ou Hiram, filho de Abibal, rei dos tírios, pois
este, por tradição paterna, tornou-se amigo de Salomão, também por causa da
extraordinária sabedoria de Salomão. Um e outro se exercitavam continuamente
com os problemas e disso dão testemunho as cartas que dizem ainda estar
conservadas entre os tírios; e também enviavam escritos um ao outro. O mesmo é
lembrado por Menandro de Éfeso em suas histórias dos reis de Tiro, onde ele
diz: "Quando morreu Abibal, rei dos tírios, seu filho Hieromo herdou o
reino e viveu cinqüenta e três anos. A este sucedeu Bazoro, que viveu quarenta
e três anos e reinou dezessete. Depois dele, veio Metnastarto, que viveu cinqüenta
e quatro anos e reinou nove. Os quatro filhos de sua nutriz conspiraram contra
ele e o mataram; o maior dos conjurados reteve a coroa durante doze anos.
Depois deles, Astarto, filho de Deliostarto, viveu cinqüenta e quatro anos e
reinou doze. Depois dele, seu irmão Atárimo viveu cinqüenta e oito anos e
reinou nove. Este foi morto pelo seu irmão chamado Heles, que viveu cinqüenta
anos e reinou oito. Foi morto por Iutobal, sacerdote de Astarte, que viveu
cinqüenta anos e reinou doze. Depois dele, veio seu filho Bazoro, que viveu
quarenta e cinco anos e reinou sete. Meten, filho deste, viveu trinta e dois
anos e reinou vinte e nove. A ele sucedeu Pigmalião, que viveu cinqüenta e seis
anos e reinou sete. No sétimo ano do seu reinado, sua irmã fugiu para a Líbia e
edificou a cidade que até hoje se chama Cartago". Portanto, todo o tempo
que vai desde o reinado de Hieromo até a fundação de Cartago se reduz a cento e
cinqüenta e cinco anos e oito meses. O templo foi edificado em Jerusalém no ano
doze do reinado de Hieromo, de modo que o tempo que vai da edificação do templo
até a fundação de Cartago é de cento e trinta e três anos e oito meses.
Capítulo XXIII - Data do ultimo profeta
/ Cronologia do mundo
Basta o que
dissemos sobre o testemunho dos fenícios e egípcios, tal como aparece nas
histórias escritas sobre nossas antiguidades pelo egípcio Maneton, pelo efésio
Menandro e pelo próprio Josefo, o cronista da guerra dos judeus, feita contra
eles pelos romanos. Através desses antigos demonstram-se que os escritos dos
outros são posteriores aos que nos foram dados por Moisés e mesmo aos dos
profetas posteriores. De fato, o último dos profetas, chamado Zacarias, exerceu
sua atividade no reinado de Dano. Também vemos que os legisladores editaram
suas leis posteriormente. Com efeito, se se cita Sólon, o ateniense, este viveu
nos tempos dos reis Ciro e Dano, contemporâneo do profeta Zacarias e até muitos
anos posterior. Se se trata dos legisladores Licurgo, Draco ou Minos, nossos
livros sagrados ganham deles em antiguidade, pois demonstra-se que os escritos
da lei divina, que nos foi dada por Moisés, são anteriores ao próprio Zeus, rei
dos cretenses, e até à guerra de Tróia. Todavia, para fazer uma demonstração
mais exata de toda essa cronologia, vamos, com a ajuda de Deus, traçar a
história não só dos tempos anteriores ao dilúvio, mas também dos posteriores.
Daremos, no que for possível, o número de todos eles, remontando à própria
origem da criação do mundo, tal como foi consignada por Moisés, servo de Deus,
sob a inspiração do Espírito Santo. Com efeito, depois de falar da criação e
origem do mundo, do primeiro homem e do que aconteceu depois, ele também
indicou os anos que se passaram antes do dilúvio. De minha parte, peço a graça
do único Deus para dizer com exatidão toda a verdade, conforme a sua vontade, a
fim de que também tu e todo aquele que ler isto seja guiado pela verdade e pela
sua graça. Vou, portanto, começar pelas genealogias que foram consignadas, isto
é, desde o primeiro homem, que serve de ponto de partida.
Capítulo XXIV - Cronologia do Mundo
(cont.)
Adão, até ter o
seu primeiro filho, viveu duzentos e trinta anos; seu filho Set viveu duzentos
e cinco anos. Enós, filho deste, viveu cento e noventa anos; Cainã, filho
deste, cento e setenta; Malaleel, filho deste, cento e sessenta e cinco;
Jareta, filho deste, cento e sessenta e dois; Henoc, filho deste, cento e
sessenta e cinco; Matusala, filho deste, cento e sessenta e sete; Lamec, filho
deste, cento e oitenta e oito; este gerou o já mencionado Noé, que, com
quinhentos anos, gerou Sem. No seu tempo, quando tinha seiscentos anos,
aconteceu o dilúvio. Portanto, o total de anos até o dilúvio é de dois mil,
duzentos e quarenta e dois anos. Logo depois do dilúvio, Sem, com cem anos,
gerou Arfaxad. Com cento e trinta e cinco anos, Arfaxad gerou Sala. Aos cento e
trinta anos, Sala teve o filho Héber, e este por sua vez gerou aos cento e
trinta e quatro anos. Da descendência dele veio a denominação de hebreus. Seu
filho Faleg foi pai aos cento e trinta anos. Ragã, filho deste, foi pai aos
cento e trinta e dois anos; Nacor, filho deste, foi pai aos setenta e cinco;
Tarra, filho deste, foi pai aos setenta; Abraão, filho deste, foi o nosso
patriarca e gerou Isaac aos cem anos. Antes de ter filhos, Isaac viveu sessenta
anos e gerou Jacó. Jacó viveu cento e trinta anos, até a emigração para o
Egito, antes mencionada, e a permanência dos hebreus no Egito durou
quatrocentos e trinta anos. E depois de sair da terra do Egito, passaram
quarenta anos no deserto. Portanto, o total de anos é de três mil novecentos e
trinta e oito. Depois que Moisés morreu, sucedeu-lhe no comando Josué, filho de
Nave, que os chefiou durante vinte e sete anos. Depois de Josué, o povo
transgrediu os mandamentos de Deus e ficou submetido por oito anos ao rei da
Mesopotâmia, chamado Cusaraton. Depois o povo se arrependeu e teve juízes:
Gotonoel, durante quarenta anos; Eglon durante dezoito; Aot durante oito.
Depois, por causa de seus pecados, foram durante vinte anos dominados pelos
estrangeiros. Em seguida, Débora os julgou durante quarenta anos. Depois os
madianitas os dominaram por sete anos. Gedeão os julgou quarenta; Abimelec
três; Tola vinte e três; Jair vinte e dois. Depois os filisteus e os amonitas
os dominaram durante dezoito anos. Depois Jefté os julgou por seis anos, Esbon
sete, Ailon dez, Abdon oito anos. Depois os estrangeiros os dominaram por
quarenta anos. Depois Sansão os julgou vinte anos e, em seguida, tiveram paz
durante quarenta anos. Depois Samera os julgou um ano, Heli vinte e Samuel doze
anos.
Capítulo XXV - Cronologia do Mundo
(cont.)
Depois dos juízes,
houve reis entre eles. O primeiro deles foi Saul, que reinou vinte anos; depois
Davi, nosso antepassado, que reinou quarenta anos. Portanto, o total de anos
até Davi é de quatrocentos e noventa e oito. Depois desses, reinou Salomão
durante quarenta anos, que foi o primeiro a construir o templo de Jerusalém,
conforme o desígnio de Deus. Depois dele, Roboão reinou dezessete anos; depois
deste, Abias sete; depois deste, Asa quarenta; depois deste, Josafá vinte e
cinco; depois deste, Jorão oito; depois deste, Ocozias um; depois deste,
Gotolia seis; depois deste, Joás quarenta; depois deste, Amasis trinta e nove;
depois deste, Ozias cinqüenta e dois; depois deste, Manassés cinqüenta e cinco;
depois deste, Amós dois; depois deste, Josias trinta e um; depois deste, Ocas
três meses; depois deste, Joaquim onze anos; depois deste, outro Joaquim três
meses e dez dias; depois deste, Sedecias onze anos. Depois dos reis, como o
povo continuava em seus pecados e não se convertia, segundo o profeta Jeremias,
subiu até a Judéia um rei da Babilônia, chamado Nabucodonosor, levou o povo
judeu para a Babilônia e destruiu o templo edificado por Salomão. O povo
permaneceu setenta anos no exílio da Babilônia. Portanto o total de anos até o
estabelecimento na Babilônia é de quatro mil, novecentos e cinqüenta e quatro
anos. Contudo, do mesmo modo como Deus, através do profeta Jeremias, predissera
que o povo viveria exilado na Babilônia, também anunciou de antemão que
voltariam para a sua terra depois de setenta anos. Cumpridos os setenta anos,
veio Ciro, rei dos persas, que, conforme a profecia de Jeremias, no segundo ano
de seu reinado, emanou por escrito um decreto, pelo qual todos os judeus
existentes em seu reino voltariam para seu país e reedificariam a Deus o templo
destruído pelo mencionado rei da Babilônia. Além disso, por disposição de Deus,
Ciro ordenou a seus próprios guardas Sabessaro e Mitrídates para que os
utensílios tomados por Nabucodonosor do templo da Judéia fossem devolvidos e
recolocados no templo. Assim, no segundo ano de Dano, cumpriram-se os setenta
anos preditos por Jeremias.
Capítulo XXVI - Transcendência da
história sagrada
Pode-se ver,
assim, como nossos livros sagrados são mais antigos e mais verdadeiros que os
dos historiadores gregos, egípcios ou de outros. Na verdade, Heródoto,
Tucídides e os outros historiadores costumam iniciar seus relatos mais ou menos
nos reinados de Ciro e Dano, por não poderem dizer nada de exato sobre épocas anteriores.
O que é que disseram de grande, se apenas nos falaram de Dano e Ciro, reis
bárbaros; entre os gregos, de Sópiro e Hípias; das guerras de atenienses e
lacedemônios; das façanhas de Xerxes e Pausânias, que quase morre de fome no
templo de Atenas; de Temístocles e da guerra do Peloponeso; de Alcebíades e
Trasíbulo? Não nos interessa assunto de muitas palavras, mas esclarecer a
quantidade de tempo passado desde a constituição do mundo, convencendo da
inanidade e charlatanice os historiadores, pois não se trata, como disse
Platão, de duas miríades de miríades de anos desde o dilúvio até seu tempo, nem
de quinze miríades, trezentos e setenta e cinco anos, como dissemos que afirma
o egípcio Apolônio. O mundo também não é incriado, nem o acaso rege tudo, como
sonharam Pitágoras e outros, mas é criado e governado pela providência de Deus,
que o criou. Com isso se esclarece o conjunto do tempo e os anos, para aqueles
que querem obedecer à verdade. Entretanto, para que não pareça que chegamos
apenas até Ciro e descuidamos das épocas posteriores, porque não podíamos
completar a nossa demonstração, com a ajuda de Deus procurarei ordenar também,
no que for possível, a cronologia das épocas seguintes.
Capítulo XXVII - História contemporânea
Ciro reinou trinta
e oito anos e foi morto por Tomíris na Massagétia, durante a sexagésima segunda
Olimpíada. A partir dai, os romanos se engrandeceram, com a força de Deus. Roma
tinha sido fundada por Rômulo, que se conta ter sido filho de Marte e Ilia, na
sétima Olimpíada, dezessete dias antes das calendas de maio, quando então o ano
era contado em dez meses. Morto Ciro, como dissemos, na sexagésima segunda
Olimpíada, o tempo desde a fundação de Roma corresponde a duzentos e vinte
anos, quando Tarqüínio, o Soberbo, comandava os romanos. Este foi o primeiro
que desterrou alguns romanos, corrompeu os jovens e deu direitos de cidadania a
eunucos; ele chegou até a violar virgens para depois dá-las em casamento. Por
isso, ele foi chamado em latim de "Soberbo", que significa
"Arrogante". Foi o primeiro a decretar que aqueles que o saudassem
fossem saudados por outro. Reinou vinte e cinco anos. Depois dele, assumiram o
poder cônsules anuais, tribunos e edis durante quatrocentos e cinqüenta e três
anos, cujos nomes são muitos e seria supérfluo enumerá-los. Quem quiser saber,
os encontrará nas listas feitas por Crísero, o nomenclador, que foi liberto de
M. Aurélio Vero. Ele anotou tudo detalhadamente, nomes e datas, desde a
fundação de Roma até a morte do seu patrono, o imperador Vero. Portanto,
durante quatrocentos e cinqüenta e três anos, magistrados anuais governaram os
romanos, como já dissemos. Depois vieram os chamados imperadores: o primeiro,
Caio Júlio, que reinou três anos, quatro meses e seis dias; depois Augusto,
cinquenta e seis anos, quatro meses e um dia; Tibério, vinte e dois anos; outro
Caio, três anos, oito meses e sete dias; Cláudio, treze anos, oito meses e
vinte e quatro dias; Nero, treze anos, seis meses e vinte e oito dias; Galba,
sete meses e sete dias; Otão, três meses e cinco dias; Vitélio, seis meses e
vinte e dois dias; Domiciano, quinze anos, dez meses e vinte e oito dias;
Nerva, um ano, quatro meses e dez dias; Trajano, dezenove anos, seis meses e
dezesseis dias; Adriano, vinte anos, dez meses e vinte e oito dias; Antonino,
vinte e dois anos, sete meses e seis dias; Vero, dezenove anos e dez dias.
Assim, os anos dos Césares até a morte do imperador Vero são duzentos e vinte e
cinco. Desde a morte de Ciro e do reinado em Roma de Tarquínio, o Soberbo, até
a morte do imperador Vero, do qual falamos antes, o total de anos é de
setecentos e quarenta e quatro.
Capítulo XXVIII - Recapitulação
Resumindo então a
cronologia desde a criação do mundo, temos: da criação do mundo até o dilúvio,
dois mil, duzentos e quarenta e dois anos; do dilúvio ao primeiro filho de
Abraão, nosso antepassado, mil, trinta e seis anos; de Isaac, filho de Abraão,
até a estada do povo com Moisés no deserto, seiscentos e sessenta anos; da
morte de Moisés e do comando de Josué, filho de Nave, até a morte de Davi,
nosso antepassado, quatrocentos e noventa e oito anos; da morte de Davi e do
reinado de Salomão até a estada do povo na Babilônia, quinhentos e dezoito
anos, seis meses e dez dias; do reinado de Ciro até a morte do imperador
Aurélio Vero, setecentos e quarenta e um anos. O total de anos, sem contar
meses e dias, desde a criação do mundo, é de cinco mil, seiscentos e noventa e
cinco anos.
Capítulo XXIX - Conclusão
Tendo reunido o
que dissemos sobre a cronologia e tudo o resto, é fácil ver a antiguidade dos
textos proféticos e a divindade da nossa doutrina. Esta não é recente, assim
como a nossa religião, como pensam alguns, fábula e mentira, ao contrário, mais
antiga e mais verdadeira do que a deles. Com efeito, Talo menciona Bel, rei dos
assírios, e o Titã Crono, dizendo que Bel lutou com os Titãs contra Zeus e os
chamados deuses; aí afirma que Gigos, vencido, fugiu para Tartessos, terra que
então se chamava Acté e agora se chama Ática, da qual Gigos era então rei. Não
creio ser necessário contar-te de quem as outras terras e cidades receberam
seus nomes, pois sobretudo tu conheces suas histórias. É coisa evidente,
portanto, que Moisés é mais antigo do que todos os historiadores (e não somente
ele, mas a maior parte dos profetas que lhe sucederam), e mais do que Bel e
Crono e a guerra de Tróia. De fato, segundo a história de Talo, Bel é anterior
à guerra de Tróia em trezentos e vinte e dois anos, e acima expusemos como
Moisés é anterior à tomada de Tróia em novecentos ou mil anos. Como Crono e Bel
foram contemporâneos, a maior parte não sabe quem é Crono e quem é Bel. Uns
culturam Crono e o chamam de Bel ou Bal, sem saber quem é Crono e quem é Bel.
Entre os romanos o chamam de Saturno, e também estes não sabem quem dos dois é,
se Crono ou Bel. Quanto ao início das Olimpíadas, uns dizem que adquiriam
caráter religioso a partir de Ifito; conforme outros, a partir de Limo, que
também era chamado de Ilio. Acima expusemos a sucessão dos anos e das
Olimpíadas. Por fim, segundo as nossas possibilidades, creio que eu disse
exatamente o que se refere à antiguidade de nossas coisas e o número completo
dos tempos. Se algum período nos escapou, terá sido, por exemplo, uns
cinqüenta, cem ou até duzentos anos; não, porém, dez mil ou mil anos, como
disseram Platão, Apolônio e outros que escreveram de forma mentirosa. Talvez
também nós não saibamos exatamente o número de todos os anos, porque não se
assinalam nas sagradas Escrituras os meses e dias supérfluos. Além disso, está
de acordo com o que dissemos sobre essas épocas Beroso, filósofo caldeu, que
foi aquele que deu a conhecer aos gregos a literatura caldéia e disse algumas
coisas concordes com Moisés, tanto sobre o dilúvio como sobre muitos outros
acontecimentos. Em parte, ele está de acordo também com Jeremias e Daniel; por
exemplo, no que aconteceu aos judeus sob o rei da Babilônia, que ele chama de
Nabopolassar e os hebreus de Nabucodonosor. Ele também menciona a destruição do
templo de Jerusalém pelo rei dos caldeus e como, no segundo ano do reinado de
Ciro, foram postos os alicerces do novo templo, que foi terminado no segundo
ano de Dano.
Capítulo XXX - As verdadeiras razões do
incrédulo / Exortação final
Os gregos, porém,
não mencionam as histórias verdadeiras. Primeiro, porque só recentemente
tiveram conhecimento das letras, coisa que eles mesmos confessam, uns dizendo
que foram inventadas pelos caldeus, outros pelos egípcios, outros pelos
fenícios; segundo, porque cometeram e continuam cometendo um erro ao não se
lembrarem de Deus em seus escritos, mas só assuntos vãos e inúteis. Vê-se como
colocam todo seu afã em citar Homero, Hesíodo e outros poetas; sobre a glória
do Deus incorruptível e único, porém, não só se esquecem dele, como também o
blasfemam. Mais ainda: perseguiram e até hoje continuam perseguindo seus
adoradores. Em troca, oferecem prêmios e honras para os que o insultam
melodiosamente, mas aos que se esforçam pela virtude e vivem vida santa, eles
apedrejam uns, matam outros, e até hoje os submetem a tormentos cruéis. Por
isso, necessariamente perderam a sabedoria de Deus e não encontraram a verdade.
Portanto, se te agrada, lê cuidadosamente tudo isso, para que encontres aqui um
resumo e um penhor da verdade.
* * *
Fonte: Veritatis Splendor (http://www.veritatis.com.br)
Tradução: Ivo Storniolo e Euclides M. Balancin
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