Fórmula suspeita, pois a doutrina de sempre ensina que a Igreja de Deus é a Igreja Católica.
De outra parte lê-se que a Igreja de Deus “subsiste” na Igreja Católica. Se se aceita esta formulação recente, pareceria que as comunidades protestantes e ortodoxas façam igualmente parte dela, o que é falso, uma vez que elas se separaram da única Igreja fundada por Jesus Cristo: Credo in unam sanctam Ecclesiam.
O novo direito canônico foi redigido às pressas e na confusão, e a prova disto é que, promulgado em janeiro de 1983, ele conhecia, em novembro do mesmo ano, 114 modificações. Também isto desconcerta o cristão, que tinha o hábito de se referir à legislação eclesiástica, como a qualquer coisa de fixo.
Se, como pai de família, ele tem a preocupação de educar bem seus filhos, sendo praticamente assíduo ou afastado da prática dos sacramentos, as decepções o esperam. As escolas católicas adotaram em numerosos casos a co-educação, ministra-se nelas a educação sexual, o ensino religioso desaparece nas classes superiores, não é raro encontrarem-se professores com orientações socialistas, senão comunistas. Por ocasião de uma questão que causou muito rumor no oeste da França, um destes educadores, eliminado pelos pais e depois reintegrado pela direção diocesana, apresentava assim sua defesa. “Seis meses depois de ter entrado em Notre Dame, um pai de aluno quis simplesmente eliminar-me pois no início do ano eu me havia apresentado sob todos os pontos de vista, político (de esquerda), social, religioso... Não era possível, na sua opinião ser professor de filosofia e socialista num estabelecimento privado”.
Um outro caso que sucede no Norte: um novo diretor é nomeado numa escola pela direção diocesana: os pais se dão conta, ao cabo de algum tempo, de que ele é militante num sindicato de esquerda, de que se trata dum sacerdote reduzido ao estado leigo e casado, de que seus filhos não parecem ter sido batizados. Pelo Natal ele organiza uma festa para os alunos e os pais, com a participação do Auxílio popular que é, como se sabe, uma organização comunista. Então os católicos de boa vontade se perguntam se é útil fazer esforços para pôr seus filhos na escola livre.
Numa instituição para moças do centro de Paris, o catequista se apresenta numa manhã como o capelão de Fresnes, que acompanha um jovem detento de dezoito anos. Eles explicam às alunas que os prisioneiros se sentem muito sós, que têm necessidade de afeição, de contatos com o exterior e de correspondência. Se uma ou outra das alunas quiser tornar-se protetora, ela pode dar seu nome e seu endereço. Mas, sobretudo, não se deve falar disto aos pais, pois eles não compreendem estas coisas; isto deve permanecer um assunto de jovens.
Noutro lugar, é uma professora primária que é repreendida, desta vez por um grupo de pais, por ter ensinado a seus alunos fórmulas de catecismo e a Ave-Maria. Ela foi absolvida pelo bispo, coisa que não poderia ser mais normal, mas que parece tão insólita que a carta foi reproduzida na “Famille éducatrice” como se fora um acontecimento.
Como entender isto? Quando o governo francês decidiu acabar com a escola livre, ela se mostrou vulnerável porque, na quase totalidade dos casos, não correspondia mais à sua missão, quer num ponto, quer em vários. Seus adversários tinham motivos de dizer: que fazeis no sistema educativo? Para que servis? Nós fazemos a mesma coisa; por que duas escolas? Certamente encontram-se ainda reservas de fé e convém render homenagem a numerosos professores conscientes de suas responsabilidades, mas o ensino católico não se afirma mais de um modo claro em face da escola pública, ele percorreu uma boa metade do caminho no qual o querem comprometer os zeladores do laicismo. Foi-me relatado que, nas manifestações, grupos haviam causado escândalo cantando “Queremos Deus nas nossas escolas”. Os organizadores tinham secularizado o mais possível os cantos, os slogans, os discursos afim de, diziam eles, não pôr em posição embaraçosa as pessoas que tinham vindo sem preocupações religiosas particulares, e entre as quais se encontravam descrentes e até socialistas.
É fazer política querer afastar o comunismo e o socialismo de nossas escolas? O católico sempre pensou que a Igreja se opunha a estas doutrinas devido ao ateísmo militante que elas professam. Ele tem visto perfeitamente razão quanto ao princípio e quanto às aplicações: o ateísmo determina modos radicalmente diferentes de conceber o sentido da vida, o destino das nações, as orientações da sociedade. Houve tanto mais estranheza ao ler em Le Monde de 5 de junho de 1984 que Dom Lustiger, respondendo às perguntas deste jornal e exprimindo de resto várias idéias muito justas, se queixa de ter visto escapar uma oportunidade histórica com o voto do Parlamento sobre a escola livre. Esta oportunidade, explica ele, consistia em encontrar, em acordo com os social-comunistas, um certo número de valores fundamentais para a educação das crianças. Que valores fundamentais comuns pode haver entre a esquerda marxista e a doutrina cristã?
É tudo o oposto.
Mas o católico vê com surpresa intensificar-se o diálogo entre a hierarquia eclesiástica e os comunistas.
Os dirigentes soviéticos, e também terroristas como Yasser Arafat são recebidos no Vaticano. O concílio deu o tom, recusando renovar a condenação do comunismo. Não encontrando sinal desta condenação nos esquemas que lhes eram submetidos, quatrocentos e cinqüenta bispos, lembremo-lo, tinham assinado uma carta reclamando uma revisão neste sentido. Eles se apoiavam nas condenações passadas e, em particular, na afirmação de Pio XI que qualificava o comunismo de “intrinsecamente perverso”, significando com isto que não havia nesta ideologia aspectos negativos e aspectos positivos, mas que se devia rejeitá-lo em sua integralidade. Tem-se lembrança do que adveio daí: a emenda não foi transmitida aos padres, o secretariado central do concílio declarou não ter tido conhecimento dela, depois a comissão admitiu que a tinha recebido mas demasiadamente tarde, o que não era exato. Foi um escândalo, que terminou pela anexação, por ordem do papa, à constituição Gaudium et spes, duma passagem alusiva sem grande alcance.
Quantas declarações de bispos para justificar, senão para encorajar a colaboração com os comunistas, independentemente do ateísmo ostensivo! “Não compete a mim, mas aos cristãos, que são adultos responsáveis, dizia Dom Matagrin, ver em que condições eles podem colaborar com os comunistas.” Para Dom Delorme os cristãos devem “lutar por mais justiça no mundo com todos os que são animados pela justiça e pela liberdade, inclusive os comunistas”. É o mesmo tom em Dom Poupard que incita a “trabalhar com todos os homens de boa vontade em todas as obras da justiça onde se constrói incansavelmente um mundo novo”.
Num boletim diocesano, a oração fúnebre dum padre operário foi arranjada assim: “Ele tomou o partido do mundo dos trabalhadores por ocasião das eleições municipais. Não podia ser o sacerdote de todos, ele optou por aqueles que faziam a escolha da sociedade socialista. Foi duro para ele. Criou-se inimigos, mas também muitos novos amigos. Tito Paulo era um homem posicionado”. Um bispo dissuadia, há pouco tempo, seus sacerdotes de falar nas suas paróquias da obra “ajuda à Igreja na miséria” dizendo: “minha impressão é que esta obra se apresenta sob aparências muito exclusivamente anticomunistas.”
Verifica-se com assombro que a excusa dada a este gênero de colaboração repousa sobre a noção, falsa em si mesma, de que o partido comunista teria por objetivo instaurar a justiça e a liberdade. É preciso relembrar sobre este assunto as palavras de Pio IX: ”Se os fiéis se deixam enganar pelos promotores das manobras atuais, se consentem em conspirar com eles para os sistemas perversos do socialismo e do comunismo, que o saibam e o considerem seriamente: acumulam para si mesmos e junto do divino Juiz tesouros de vingança no dia da cólera; e, na espera disto, não provirá desta conspiração nenhuma vantagem temporal para o povo, mas antes um aumento de misérias e de calamidades.”
Basta, para ver a justeza desta advertência lançada em 1849, há mais de cento e quarenta anos, observar o que se passa em todos os países colocados sob o jugo comunista. Os acontecimentos deram razão ao papa do Syllabus e, não obstante isto, a ilusão continua viva e mesmo se acentua. Mesmo na Polônia país católico entre todos, os pastores não apresentam mais a questão da fé católica e da salvação das almas como primordial e que deve fazer aceitar todos os sacrifícios, inclusive o da vida. O que mais importa no seu espírito é não provocar ruptura com Moscou, o que permite a Moscou reduzir a uma escravidão ainda mais completa o povo polonês, sem encontrar a verdadeira resistência.
O padre Floridil mostra com clareza os compromissos da “Ostpolitik” vaticana¹:
“É sabido que os bispos tchecoslovacos consagrados por Mons. Casaroli são colaboradores do regime, como o são os bispos que dependem do patriarcado de Moscou... Feliz de ter podido dar um bispo a cada diocese húngara, o papa Paulo VI rendeu homenagem a Janos Kadar, primeiro secretário do partido comunista húngaro” principal promotor e o mais autorizado da normalização das relações entre a Santa Sé e a Hungria”. Mas o papa não dizia o preço elevado pelo qual tinha sido paga esta normalização: a instalação em postos importantes da Igreja de “padres da paz”... De fato, grande foi o estupor dos católicos quando ouviram o sucessor do cardeal Mindzenty, o cardeal Laszlo Lekai, prometer intensificar o diálogo entre católicos e marxistas”. Falando da perversidade intrínseca do comunismo, Pio XI acrescentava: “e não se pode admitir em nenhum terreno a colaboração com ele da parte de qualquer que deseja salvar a civilização cristã!!
Esta ruptura com o ensino da Igreja, ajuntando-se àquelas que enumerei, nos briga a afirmar que o Vaticano está ocupado por modernistas e por homens deste mundo que acreditam encontrar nas astúcias humanas e diplomáticas mais eficácia para a salvação do mundo do que aquilo que foi instituído pelo divino fundador da Igreja.
Citei o cardeal Mindszenty; como ele, todos os heróis e os mártires do comunismo, em particular os cardeais Beran, Stepinac, Wyszynski, Slipyi são considerados como testemunhas embaraçosas pela atual diplomacia vaticana e, digamo-lo como reprovações mudas no que respeita aos primeiros, hoje adormecidos na paz do Senhor, enquanto que se abafa a grande voz do cardeal Slipyi.
As mesmas aproximações se realizaram com a franco-maçonaria, não obstante a declaração desprovida de ambigüidade da Congregação para a Doutrina da Fé em fevereiro de 1981, à qual havia precedido uma declaração da Conferência episcopal alemã em abril de 1980. Mas o novo direito canônico não faz menção delas e não formula expressamente nenhuma sanção. Os católicos souberam anteriormente que os maçons B'nai Brith tinham sido recebidos no Vaticano e, numa data recente, o arcebispo de Paris acolhia, para uma conversa, o grão mestre duma loja, enquanto certos eclesiásticos não se cansam de querer reconciliar a Sinagoga de Satã com a Igreja de Cristo.
Tranqüilizam-se os católicos dizendo-lhes como para o resto: “A condenação das seitas ontem era talvez fundada, mas os irmãos tripingados não são mais aqueles que eram”. “Vejamo-los então agindo. O escândalo da loja P2, na Itália, está ainda bem fresco nas memórias. Na França não há dúvida de que a lei laica contra o ensino livre é antes de tudo obra do Grande Oriente, que multiplicou as pressões junto do Presidente da República e de seus filiados presentes no governo e nos gabinetes ministeriais para que se realize enfim o “grande serviço da educação nacional”. Eles agiram mesmo, desta vez, às claras; jornais como Le Monde fizeram regularmente a justificação de suas negociações, seu plano e sua estratégia foram publicadas em suas revistas.
Devo acrescentar que a maçonaria é sempre o que era? O antigo grão mestre do Grande Oriente, Jacques Mitterand, que confessava pela rádio em 1969: “Nós tivemos sempre bispos e padres nas nossas lojas”, fazia a seguinte profissão de fé: “Se colocar o Homem sobre o altar em vez de nele colocar Deus é o pecado de Lúcifer, todos os humanistas desde o Renascimento cometem este pecado. “ Esta foi uma das censuras invocadas contra os franco-maçons, quando foram excomungados pela primeira vez pelo papa Clemente XII em 1738. Em 1982, o grão mestre Jorge Marcou não dizia outra coisa: ”É o problema do homem que prevalece.” Na primeira ordem de suas preocupações, quando foi reeleito figurava o abono do aborto pelo seguro social, “passando por esta medida a igualdade econômica das mulheres.”
Os franco-maçons penetram na Igreja. Em 1976, informava-se de que aquele que tinha sido a alma da reforma litúrgica, Mons. Bugnini, era franco-maçon. Pode-se julgar, desta revelação, que não era ele o único. O véu que cobria a maior mistificação da qual o clero e os fiéis foram objeto começava a rasgar-se. Vê-se mais claro com o tempo e os adversários seculares da Igreja também: ”Há alguma coisa que mudou na Igreja, escreve Jacques Mitterand, as respostas formuladas pelo papa às questões mais candentes, como o celibato dos padres ou a regulação dos nascimentos, são ardentemente contestadas no seio da própria Igreja; a palavra do Soberano Pontífice é questionada por certos bispos, por padres, por fiéis. Para o franco-maçon o homem que discute o dogma já é um franco-maçon sem avental.”
Um outro irmão, M. Marsaudon, do rito escocês, fala assim do ecumenismo cultivado no decurso do concílio: ”Os católicos, particularmente os conservadores, não se deverão esquecer por isso de que todo o caminho conduz a Deus. E (deverão) manter-se nesta corajosa noção de liberdade de pensamento que, pode-se verdadeiramente falar aí de revolução, oriunda de nossas lojas maçônicas, se estendem magnificamente sobre a cúpula de São Pedro”.
Eu queria citar-vos ainda um texto próprio a esclarecer esta questão e mostrando quem espera ser o vencedor do outro na reaproximação preconizada pelo abade Six e pelo padre Riquet. Ele é extraído da revista maçônica Humanismo, número de novembro-dezembro de 1968. “Entre os pilares que desabariam mais facilmente, citemos o poder doutrinal dotado de infalibilidade que tinha acreditado solidificar, transcorridos cem anos, o primeiro concílio do Vaticano, e que acaba de suportar assaltos conjugados na ocasião do aparecimento da encíclica Humanae Vitae; a presença real eucarística que a Igreja tinha conseguido impor às massas medievais e que desaparecerá com o progresso das intercomunicações e das concelebrações entre padres católicos e pastores protestantes; o caráter sagrado do sacerdote, que decorria da instituição do sacramento do Ordem e que cederá o lugar a um caráter eletivo e temporário; a distinção entre a Igreja dirigente e o clero “negro”, operando-se o movimento, de agora em diante da base para cima, como em toda democracia; a desaparição progressiva do caráter ontológico e metafísico dos sacramentos e, com toda a certeza, a morte da confissão, tornando-se o pecado na nossa civilização uma das noções mais anacrônicas que nos legou a severa filosofia da Idade Média, herdeira do pessimismo bíblico.”
Notar-se-á que os franco-maçons estão prodigiosamente interessados no futuro da Igreja, mas é para devorá-la. Os católicos devem sabê-lo, não obstante as sereias que procuram fazê-los dormir, e todas estas forças destruidoras são estreitamente dependentes umas das outras. A maçonaria se define como a filosofia do liberalismo, cuja forma aguda é o socialismo. O conjunto se agrupa muito bem sob o termo empregado por Nosso Senhor: ”as Portas do inferno”.
1. R. P. Ulisses Floridi, MOSCOU ET LE VATICAN, Ed. France-Empire.
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