"Assim como a casa construída sobre a rocha fica firme contra tempestades passageiras, chuvas torrenciais e correntezas transbordantes, a Igreja fundada sobre Pedro, em virtude da promessa divina, desafia e desafiará até à consumação dos séculos os esforços conjurados do cisma, da heresia e da impiedade."
Rev. Pe. Ferdinand PRAT, S.J. (1857-1938)
Nestas palavras as portas do inferno não prevalecerão contra ela, muitos escritores heterodoxos e alguns poucos católicos nada mais veem que uma promessa de imortalidade. É isso, sim, mas é mais do que isso. Segundo o teor do texto, a Igreja é indefectível porque recebeu garantia de resistir vitoriosamente aos furiosos ataques de seus inimigos. O inferno (o Hades dos gregos) não é aqui somente a morada dos mortos; é, como no Apocalipse e no Evangelho de Nicodemos, uma potência hostil; é uma força agressora, que se desencadeará em vão contra a Igreja de Cristo. Assim como a casa construída sobre a rocha fica firme contra tempestades passageiras, chuvas torrenciais e correntezas transbordantes, a Igreja fundada sobre Pedro, em virtude da promessa divina, desafia e desafiará até à consumação dos séculos os esforços conjurados do cisma, da heresia e da impiedade.(*)
[(*) É verdade que “estar ou ir às portas do inferno (sheol)”, ou seja do túmulo, é estar a ponto de morrer, mas não se segue que as portas do inferno, fora dessa expressão, signifiquem a morte e que se deva traduzir: “A morte não prevalecerá contra ela.”
1º Aqui, o Inferno está personificado, como no Apocalipse (1, 18; 20, 13-14) e no Evangelho de Nicodemos (Tischendorf, Evang. apoc.2, p. 399: Haec videns Infernus et Mors).
2º A personificação ressalta das palavras “não prevalecerão contra ela”. O verbo κατισχύειν, muito comum nos Setenta, onde ocorre mais de cem vezes, tem sentido muito preciso. Com regência no genitivo, vez por outra no acusativo, ele sempre significa “derrotar, prevalecer contra” e implica uma ideia de agressão. Segundo Maldonado, que admite aliás estar sozinho no seu parecer, é a Igreja que, não se contentando com defender-se, ataca vitoriosamente: “Hoc enim multo majus est.” Seria talvez mais glorioso para a Igreja”, e ainda assim nem todos concordariam. Os agressores não são especialmente nem as heresias (Atanásio), nem os vícios (Ambrósio), nem os perseguidores (Eutímio), mas em geral todas as potências hostis, homens ou demônios.
Prima facie, as portas sugerem antes a defensiva que a ofensiva, mas é preciso recordar-se de que as portas significam muito frequentemente a cidade mesma (Gên. 22,17: “tua raça possuirá as portas dos teus inimigos”; assim também em Gên. 24,60; Êx. 20,11, Deut. 5,14 etc.), porque no mundo oriental a porta resumia a vida da cidade. Era ali que se concluíam os contratos e os tratados, e que era proferida a justiça. A porta do rei significava a corte real, e se disse “a Sublime Porta” para designar o império otomano. “Assim, porta acabou se tornando sinônimo de força, poder, dominação” (Warren, no Dict. of the Bible, t. II, p. 113).]
A Pedro são confiadas as chaves do reino dos céus. Quem possui a chave de uma casa a abre e fecha ao seu talante; ele dispõe como dono de tudo aquilo que ela contém. As chaves de uma cidade conquistada são entregues ao vitorioso, como sinal de vassalagem e submissão. Pedro não recebe as chaves do reino dos céus como se delas fosse somente o guardião, para excluir os indignos e nele introduzir os convidados; todas as chaves lhe pertencem, nada escapa ao seu controle.
A Pedro pertence também, sem restrição e sem exceção, o poder de ligar e de desligar. Essa expressão era de uso frequentíssimo entre os rabinos, para significar “infligir ou absolver uma penalidade, interdizer ou permitir”. Evidentemente os rabinos não podiam se arrogar o poder de fazer leis ou de aboli-las; eles eram intérpretes e não legisladores. Mas o direito outorgado a Pedro não tem esse limite: tudo o que ele decide é sancionado no céu. Armado do poder universal de ligar e desligar, ele exercerá na Igreja a tripla autoridade legislativa, judiciária e administrativa. O poder coletivo, concedido mais tarde a todos os apóstolos e a seus sucessores, longe de limitar o privilégio de Pedro, é limitado por ele.
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PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Rev. Pe. Ferdinand PRAT, S.J., As Portas do Inferno não prevalecerão contra Pedro, 1938; trad. br. por F. Coelho, São Paulo, mar. 2015, blogueAcies Ordinata, http://wp.me/pw2MJ-2w7
Fonte do excerto: F. PRAT, S.J., Jésus-Christ. Sa Vie, Sa Doctrine, Son Oeuvre. 16ª. edição, revista e corrigida. Paris: Beauchesne et ses fils, 1947. Tomo I, p. 436-437 e nota.
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