Introitus
Ps
32:11; 32:19 - Cogitatiónes
Cordis eius in generatióne et generatiónem: ut éruat a morte ánimas eórum et
alat eos in fame.
Ps
32:1 - Exsultáte,
iusti, in Dómino: rectos decet collaudátio.
V.
Glória Patri, et Fílio, et Spirítui Sancto.
R.
Sicut erat in princípio, et nunc, et semper, et in saecula saeculórum. Amen
Cogitatiónes
Cordis eius in generatióne et generatiónem: ut éruat a morte ánimas eórum et
alat eos in fame.
CARTA ENCÍCLICA
HAURIETIS AQUAS
DO SUMO PONTÍFICE
PAPA PIO XII
AOS VENERÁVEIS IRMÃOS
PATRIARCAS, PRIMAZES,
ARCEBISPOS E BISPOS
E OUTROS ORDINÁRIOS DO LUGAR
EM PAZ E COMUNHÃO
COM A SÉ APOSTÓLICA
SOBRE O CULTO DO SAGRADO
CORAÇÃO DE JESUS
INTRODUÇÃO
ADMIRÁVEL
DESENVOLVIMENTO DO CULTO
DO CORAÇÃO
SACRATÍSSIMO DE JESUS NOS TEMPOS MODERNOS
1. "Haurireis águas com gáudio das fontes do
Salvador" (Is 12, 3). Essas palavras, com que o profeta Isaías prefigurava
os múltiplos e abundantes bens que os tempos cristãos haveriam de trazer,
acodem-nos espontaneamente ao espírito ao completar-se a primeira centúria
desde que o nosso predecessor de imperecível memória Pio IX, correspondendo aos
desejos do orbe católico, ordenou que se celebrasse na Igreja universal a festa
do sacratíssimo coração de Jesus.
2. Inumeráveis são as riquezas celestiais que nas
almas dos fiéis infunde o culto tributado ao sagrado coração, purificando-os,
enchendo-os de consolações sobrenaturais, e excitando-os a alcançar toda sorte
de virtudes. Portanto, tendo presentes as palavras do apóstolo são Tiago.
"Toda dádiva preciosa e todo dom perfeito vem do alto e desce do Pai das
luzes" (Tg 1, 17), neste culto, que cada vez mais se incende e se estende
por toda parte, com toda razão, podemos considerar o inapreciável dom que o
Verbo encarnado e salvador nosso, como único mediador da graça e da verdade
entre o Pai celestial e o gênero humano, concedeu à sua mística esposa nestes
últimos séculos, em que ela teve de suportar tantos trabalhos e dificuldades.
Assim, pois, gozando deste inestimável dom, pode a Igreja manifestar mais
amplamente o seu amor ao divino Fundador, e cumprir mais fielmente a exortação
que o evangelista são João põe na boca do próprio Jesus Cristo: "No último
dia da festa, que é o mais solene, Jesus pôs-se em pé, e em voz alta dizia: Se
alguém tem sede, venha a mim, e beba quem crê em mim. Do seu seio, como diz a
Escritura, manarão rios de água viva. Isto o disse pelo Espírito que haveriam
de receber os que nele cressem" (Jo 7, 37-39). Ora, aos que escutavam
essas palavras de Jesus, pelas quais ele prometia que do seu seio haveria de
manar uma fonte "de água viva", certamente não lhes era difícil
relacioná-las com os vaticínios com que Isaías, Ezequiel e Zacarias
profetizavam o reino do Messias, e com a simbólica pedra que, golpeada por
Moisés, de maneira milagrosa haveria de jorrar água (cf. Is 12, 3; Ez 47, 1-12;
Zc 13, 1; Ex 17, 1-7; Nm 20, 7-13;1 Cor 10, 4; Ap 7, 17; 22,1).
3. A caridade divina tem a sua primeira origem no
Espírito Santo, que é o amor pessoal, assim do Pai como do Filho, no seio da
Trindade augusta. Com sobradíssima razão, pois, o apóstolo das gentes, como que
fazendo-se eco das palavras de Jesus Cristo, atribui a esse Espírito de amor a
efusão da caridade nas almas dos crentes: "A caridade de Deus foi
derramada nos nossos corações por meio do Espírito Santo, que nos foi
dado" (Rm 5,5).
4. Este estreito vínculo que segundo a Sagrada
Escritura, existe entre o Espírito Santo, que é amor por essência, e a caridade
divina, que deve acender-se cada vez mais na alma dos fiéis, demonstra
abundantemente a todos nós, veneráveis irmãos, a natureza íntima do culto que
se deve tributar ao coração de Jesus Cristo. Com efeito, se lhe considerarmos a
natureza particular, manifesto é que este culto é um ato de religião
excelentíssimo, visto exigir de nós uma plena e inteira vontade de entrega e
consagração ao amor do divino Redentor, do qual é sinal e símbolo vivo o seu coração
traspassado. Consta igualmente, e em sentido ainda mais profundo, que este
culto aprofunda a correspondência do nosso amor ao amor divino. Pois só em
virtude da caridade se obtém que os homens se submetam mais perfeita e
inteiramente ao domínio de Deus, já que o nosso amor de tal maneira se apega à
divina vontade, que vem a fazer-se uma coisa só com ela, consoante aquelas
palavras: "Quem está unido ao Senhor é com ele um mesmo espírito" (1
Cor 6, 17).
I
FUNDAMENTOS E
PREFIGURAÇÕES
DO CULTO AO
SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS
NO ANTIGO
TESTAMENTO
1) Incompreensão da verdadeira natureza do culto ao
coração sacratíssimo de Jesus por parte de alguns cristãos
5. Conquanto a Igreja em tão grande estima tenha tido
sempre e ainda tenha o culto do sacratíssimo coração de Jesus, a ponto de se
empenhar em fomentá-lo e propagá-lo por toda parte entre o povo cristão, e
conquanto se esforce diligentemente por defendê-lo contra o
"naturalismo" e o "sentimentalismo", todavia é muito
doloroso verificar que, no passado e em nossos dias, alguns cristãos não têm
este nobilíssimo culto na honra e estima devidas, e às vezes não o têm nem
mesmo aqueles que se dizem animados de zelo sincero pela religião católica e
pela própria perfeição.
6. "Se conhecesses o dom de Deus" (Jo 4,
10). Servimo-nos dessas palavras veneráveis irmãos, nós, que por disposição
divina fomos constituídos guardas e dispensadores do tesouro da fé e da
religião que o divino Redentor entregou à sua Igreja, para admoestar todos
aqueles dos nossos filhos que, apesar de, vencendo a indiferença e os erros
humanos, já haver o culto do sagrado coração de Jesus penetrado no seu corpo
místico, ainda abrigam preconceitos para com ele, e chegam até a reputá-lo
menos adaptado, para não dizer nocivo, às necessidades espirituais mais
urgentes da Igreja e da humanidade na hora presente. Porque não falta quem,
confundindo ou equiparando a índole primária deste culto com as diversas formas
de devoção que a Igreja aprova e favorece, mas não prescreve, o tem como um
acréscimo que cada um pode praticar à vontade, e alguns há também que
consideram oneroso este culto, e mesmo de nenhuma ou pouca utilidade,
especialmente para os militantes do reino de Deus, empenhados em consagrar o
melhor das suas energias, dos seus recursos e do seu tempo à defesa da verdade
católica, para ensiná-la e propagá-la, e para difundir a doutrina social
católica, fomentando práticas religiosas e obras por eles julgadas mais
necessárias nos nossos dias. Por último, há quem creia que este culto, longe de
ser um poderoso meio para estabelecer e renovar os costumes cristãos na vida
individual e familiar, é antes uma devoção sensível não enformada em altos
pensamentos e afetos, e, portanto, mais própria para mulheres do que para
pessoas cultas.
7. Outros, finalmente, ao considerarem que esta
devoção pede penitência, expiação e outras virtudes, sobretudo as que se chamam
"passivas", por não produzirem frutos externos; não a julgam a
propósito para reacender a piedade, a qual deve tender cada vez mais à ação
intensa, encaminhada ao triunfo da fé católica e à valente defesa dos costumes
cristãos, os quais hoje, como todos sabem, se vêm facilmente infectados pelo
indiferentismo, que não reconhece nenhum critério para distinguir o verdadeiro
do falso no modo de pensar e de agir, e, assim, se vêem lamentavelmente
alheados pelos princípios do materialismo ateu e do laicismo.
2) Estima e bênção dos sumos pontífices ao culto do
sagrado coração de Jesus
8. Quem não vê, veneráveis irmãos, quão alheias são essas
opiniões do sentir dos nossos predecessores, que desta cátedra de verdade
publicamente aprovaram o culto do sacratíssimo coração de Jesus? Quem ousará
chamar inútil ou menos acomodada aos nossos tempos esta devoção que o nosso
predecessor de imperecível memória Leão XIII chamou de "estimadíssima
prática religiosa", e na qual viu um poderoso remédio para os próprios
males que, nos nossos dias de maneira mais aguda e com mais extensão, afligem
os indivíduos e a sociedade? "Esta devoção – dizia ele – que a todos
recomendamos, a todos será de proveito". E acrescentava estes avisos e
exortações que também se referem à devoção ao sagrado coração: "Daí a
violência dos males que, há tempo, estão como que implantados entre nós, e que
reclamam urgentemente busquemos a ajuda do único que tem poder para os afastar.
E quem pode ser este senão Jesus Cristo, o unigênito de Deus? Pois nenhum outro
nome foi dado aos homens sob o céu no qual devamos salvar-nos" (At 4,12).
"Cumpre recorrer a ele, que é caminho, verdade e vida".(1)
9. Nem menos dignos de aprovação e adequado para
fomentar a piedade cristã julgou-o o nosso imediato predecessor, de feliz
memória, Pio XI, que, na sua encíclica "Miserentissimus Redemptor",
escrevia: "Acaso não está contido nessa forma de devoção o compêndio de
toda a religião, e mesmo a norma de vida mais perfeita, como quer que ele guie
mais suavemente as almas para o profundo conhecimento de Cristo Senhor nosso, e
com maior eficácia as mova a amá-lo mais apaixonadamente e a imitá-lo mais de perto?"(2)
Nós, por nossa parte, com não menor agrado do que os nossos predecessores,
aprovamos e aceitamos essa sublime verdade; e, quando fomos elevado ao sumo
pontificado, ao contemplarmos o feliz e triunfal progresso do culto ao sagrado
coração de Jesus entre o povo cristão, sentimos o nosso ânimo cheio de alegria
e regozijamo-nos com os inúmeros frutos de salvação que ele havia produzido em
toda a Igreja, sentimentos que tivemos a satisfação de exprimir logo na nossa
primeira encíclica.(3) Através dos anos do nosso pontificado – cheios não só de
calamidades e angústias, como também de inefáveis consolações -, esses frutos
não diminuíram nem em número, nem em eficácia, nem em beleza, antes aumentaram.
Com efeito, iniciativas múltiplas e muito acomodadas às necessidades dos nossos
tempos surgiram para reacender este culto: referimo-nos às associações
destinadas à cultura intelectual e à promoção da religião e da beneficência; às
publicações de caráter histórico, ascético e místico encaminhadas a este mesmo fim;
às piedosas práticas de reparação e, de modo especial, às manifestações de
ardentíssima piedade que têm promovido o Apostolado da oração, a cujo zelo e
atividade se deve o se haverem famílias, colégios, instituições, e mesmo
algumas nações, consagrado ao sacratíssimo coração de Jesus; e não raras vezes,
por ocasião dessas manifestações de culto, mediante cartas, discursos e mesmo
radiomensagens temos expressado a nossa paternal complacência.(4)
10. Portanto, ao vermos que tamanha abundância de
águas, quer dizer, de dons celestiais do supremo amor, que têm brotado do
sagrado coração do nosso Redentor, se derramam sobre incontáveis filhos da
Igreja católica por obra e inspiração do Espírito Santo, não podemos,
veneráveis irmãos, deixar de exortar-vos com ânimo paterno a que, juntamente
conosco, tributeis louvores e profundas ações de graças ao dispensador de todos
os bens, repetindo estas palavras do apóstolo das gentes: "Aquele que é
poderoso para fazer, acima de toda medida, com incomparável excesso, mais do
que pedimos ou pensamos, segundo o poder que desenvolve em nós a sua energia, a
ele glória na Igreja e em Cristo Jesus por todas as gerações, nos séculos dos
séculos. Amém" (Ef 3,20-21). Mas, depois de tributarmos as devidas graças
ao Deus eterno, queremos por meio desta encíclica exortar-vos, a vós e a todos
os amadíssimos alhos da Igreja, a uma mais atenta consideração dos princípios
doutrinais contidos na Bíblia, nos santos padres, e nos teólogos; princípios
nos quais, como em sólidos fundamentos, se apóia o culto do sacratíssimo
coração de Jesus. Porque nós estamos plenamente persuadidos de que só quando à
luz da divina revelação houvermos penetrado a fundo a natureza e a essência
íntima deste culto, é que poderemos apreciar devidamente a sua incomparável
excelência e a sua inexaurível fecundidade em toda sorte de graças celestiais,
e destarte, meditando e contemplando piedosamente os inúmeros bens que ela
produz, poderemos celebrar dignamente o primeiro centenário da festa do
sacratíssimo coração de Jesus na Igreja universal.
11. Com o fim, pois, de oferecer à mente dos féis o
alimento de salutares reflexões, com as quais possam eles mais facilmente
compreender a natureza deste culto, tirando dele frutos mais abundantes,
deter-nos-erros antes de tudo nas páginas do Antigo e do Novo Testamento que
contêm a revelação e descrição da caridade infinita de Deus para com o gênero
humano, caridade cuja sublime grandeza jamais poderemos esquadrinhar
suficientemente; depois aduziremos o comentário que sobre ela nos deixaram os
padres e doutores da Igreja; e, finalmente, procuraremos esclarecer a íntima
conexão que existe entre a forma de devoção que se deve tributar ao coração do
divino Redentor e o culto que os homens estão obrigados a render ao amor, que ele
e as outras pessoas da Santíssima Trindade têm a todo gênero humano. Pois
achamos que, uma vez considerados à luz da Sagrada Escritura e da tradição os
elementos constitutivos desta nobilíssima devoção, aos cristãos será mais fácil
chegarem-se "com gáudio às águas das fontes do Salvador" (Is 12, 3);
quer dizer, poderão eles apreciar melhor a singular importância que o culto ao
coração sacratíssimo de Jesus adquiriu na liturgia da Igreja, na sua vida
interna e externa, e também nas suas obras; e assim cada um poderá obter frutos
espirituais que assinalarão uma salutar renovação nos seus costumes, segundo os
desejos dos pastores do rebanho de Cristo.
3) O amor de Deus, motivo dominante do culto ao
santíssimo coração de Jesus, no Antigo Testamento
12. Para melhor poder compreender a força que com
relação a esta devoção encerram alguns textos do Antigo e do Novo Testamento, é
preciso entender bem o motivo pelo qual a Igreja tributa ao coração do divino
Redentor o culto de latria. Duplo, veneráveis irmãos, como bem sabeis, é tal
motivo: o primeiro, que é comum também aos demais membros adoráveis do corpo de
Jesus Cristo, funda-se no fato de, sendo o seu coração parte nobilíssima da
natureza humana, estar unido hipostaticamente à pessoa do Verbo de Deus, e,
portanto, dever-se-lhe tributar o mesmo culto de adoração com que a Igreja
honra a pessoa do próprio Filho de Deus encarnado. Trata-se, pois, de uma
verdade de fé católica, solenemente definida no concílio ecumênico de Éfeso e
no II de Constantinopla.(5) O outro motivo concerne de maneira especial ao
coração do divino Redentor, e, pela mesma razão, confere-lhe um título
inteiramente próprio para receber o culto de latria. Provém ele de que, mais do
que qualquer outro membro do seu corpo, o seu coração é o índice natural ou o
símbolo da sua imensa caridade para com o gênero humano. Como observava o nosso
predecessor Leão XIII, de imortal memória, "é ínsita no sagrado coração a
qualidade de ser símbolo e imagem expressiva da infinita caridade de Jesus Cristo
que nos incita a retribuir-lhe o amor por amor".(6)
13. Coisa indubitável é que nos livros sagrados nunca
se faz menção certa de um culto de especial veneração e amor tributado ao
coração físico do Verbo encarnado pela sua prerrogativa de símbolo da sua
inflamadíssima caridade. Mas este fato, que cumpre reconhecer abertamente, não
nos deve admirar, nem de modo algum fazer-nos duvidar de que a caridade divina
para conosco – razão principal deste culto – é exaltada tanto pelo Antigo como
pelo Novo Testamento com imagens sumamente comovedoras. E, por se encontrarem
nos livros santos que prediziam a vinda do Filho de Deus feito homem, podem
essas imagens considerar-se como um presságio daquilo que havia de ser o
símbolo e índice mais nobre do amor divino, a saber: o coração sacratíssimo e
adorável do Redentor divino.
14. Pelo que se refere ao nosso propósito, não
julgamos necessário aduzir muitos textos do Antigo Testamento nos quais estão
contidas as primeiras verdades reveladas por Deus, mas cremos bastará recordar
o pacto estabelecido entre Deus e o povo eleito, pacto sancionado com vítimas
pacíficas – e cujas leis fundamentais, esculpidas em duas tábuas, Moisés
promulgou (cf. Ex 34, 27-28) e os profetas interpretaram -, esse pacto não se
baseava somente nos vínculos do supremo domínio de Deus e na devida obediência
da parte do homem, mas consolidava-se e vivificava-se com os mais nobres
motivos do amor. Porque também para o povo de Israel a razão suprema de
obedecer a Deus, devia ser não tanto o temor das divinas vinganças suscitado
nos ânimos pelos trovões e relâmpagos procedentes do ardente cume do Sinai,
mas, antes, o amor devido a Deus: "Escuta, Israel: O Senhor, nosso Deus, é
o único Senhor. Amarás, pois, o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda
a tua alma e com todas as tuas forças. E estas palavras que hoje te ordeno
estarão sobre o teu coração" (Dt 6, 4-6).
15. Não nos deve, pois, causar estranheza que Moisés e
os profetas, aos quais o Doutor angélico chama com razão os
"maiorais" do povo eleito,(7) compreendendo bem que o fundamento de
toda a lei se baseava neste mandamento do amor, descrevessem as relações todas
existentes entre Deus e a sua nação, recorrendo a semelhanças tiradas do amor
recíproco entre pai e filhos, ou do amor dos esposos, em vez de representá-las
com imagens severas inspiradas no supremo domínio de Deus ou na nossa devida
servidão cheia de temor. Assim, por exemplo, no seu celebérrimo cântico pela
libertação do seu povo da servidão do Egito, ao querer exprimir como essa
libertação era devida à intervenção onipotente de Deus, o próprio Moisés
recorre a estas comovedoras expressões e imagens: "Assim como a águia
provoca seus filhotes a alçarem o vôo e acima deles revoluteia, assim também
(Deus) estendeu as suas asas e acolheu (Israel) e carregou-o nos seus
ombros" (Dt 32, 11). Talvez, porém, entre os profetas, nenhum exprima e
descubra melhor, tão clara e ardentemente, quanto Oséias, o amor constante de
Deus para com seu povo. Com efeito, nos escritos deste profeta, que entre os
profetas menores sobressai pela profundeza de conceitos e pela concisão da
linguagem, Deus é descrito amando o seu povo escolhido com um amor justo e
cheio de santa solicitude, qual é o amor de um pai cheio de misericórdia e de
amor, ou de um esposo ferido na sua honra. É um amor que, longe de decair e de
cessar à vista de monstruosas infidelidades e pérfidas traições, castiga-os,
sim, como eles merecem, mas não para os repudiar e os abandonar a si mesmos,
mas só com o fim de limpar, de purificar a esposa afastada e infiel e os filhos
ingratos, para tornar a uni-los novamente consigo uma vez renovados e
confirmados os vínculos de amor: "Quando Israel era criança amei-o; e do
Egito chamei meu filho... Ensinei Efraim a andar, tomei-o nos meus braços, mas
eles não reconheceram que eu cuidava deles. Com vínculos humanos atraí-los-ei,
com laços de amor... Sanar-lhes-ei as rebeldias, amá-los-ei generosamente, pois
minha ira não se afastou deles. Serei como o orvalho para Israel, ele
florescerá como o lírio e lançará suas raízes qual o Líbano" (Os 11,
1.3-4; 14, 5-6).
16. Expressões semelhantes tem o profeta Isaías quando
apresenta o próprio Deus e o povo escolhido como que dialogando entre si com
estas palavras: "Mas Sião disse: O Senhor abandonou-me e esqueceu-se de
mim. Pode, acaso, uma mulher esquecer o seu pequenino de sorte que não se
apiede do filho de suas entranhas? Ainda que esta se esquecesse, eu não me
esquecerei de ti" (Is 49, 14-15). Nem menos comovedoras são as palavras
com que, servindo-se do simbolismo do amor conjugal, o autor do Cântico dos
cânticos descreve com vivas cores os laços de amor mútuo que unem entre si,
Deus e a nação predileta: "Como lírio entre os espinhos, assim é minha
amada entre as donzelas... Eu sou de meu amado e meu amado é meu: o que se
apascenta entre os lírios... Põe-me como selo sobre teu coração, como selo
sobre teu braço, pois forte como a morte é o amor, duros como o inferno os
ciúmes: seus ardores são ardores de fogo e de chamas" (Ct 2, 2; 6, 2; 8,
6).
17. Com todo esse amor, terníssimo, indulgente e
longânime mesmo quando se indigna pelas repetidas infidelidades do povo de
Israel, Deus nunca chega a repudiá-lo definitivamente; mostra-se, sim, veemente
e sublime; mas, contudo, em substância isso não passa do prelúdio daquela
inflamadíssima caridade que o Redentor prometido havia de mostrar a todos com o
seu amantíssimo coração, e que ia ser o modelo do nosso amor e a pedra angular
da nova aliança. Porque, em verdade, só aquele que é o Unigênita do Pai e o
Verbo feito carne "cheio de graça e de verdade" (Jo 1, 14), tendo
descido até os homens oprimidos de inúmeros pecados e misérias, podia fazer
brotar da sua natureza humana, unida hipostaticamente à sua pessoa divina,
"um manancial de água viva" que regasse copiosamente a terra árida da
humanidade, transformando-a em florido e fértil jardim. E essa obra admirável
que o amor misericordioso e eterno de Deus devia realizar, de certo modo já
parece prenunciá-la o profeta Jeremias com estas palavras: "Amei-te com amor
eterno; por isso atrai-te a mim cheio de misericórdia... Eis vêm dias, afirma o
Senhor, em que pactuarei com a casa de Israel e com a casa de Judá uma aliança
nova: este será o pacto que eu concertarei com a casa de Israel depois daqueles
dias, declara o Senhor: Porei minha lei no interior dele e escrevê-la-ei no seu
coração, e serei o seu Deus e eles serão o meu povo...; porque perdoarei a sua
culpa e não mais me lembrarei dos seus pecados" (Jr 31, 3.31. 33-4).
II
LEGITIMIDADE DO
CULTO AO SANTÍSSIMO CORAÇÃO DE JESUS SEGUNDO A DOUTRINA DO NOVO TESTAMENTO E DA
TRADIÇÃO
1) O amor de Deus no mistério da encarnação redentora
segundo o Evangelho
18. Mas somente pelo Evangelho chegamos a conhecer com
perfeita clareza que a nova aliança estipulada entre Deus e a humanidade –
aliança da qual a pactuada por Moisés entre o povo e Deus foi somente uma
prefiguração simbólica, e o vaticínio de Jeremias mera predição – é aquela que
o Verbo encarnado estabeleceu e levou à prática merecendo-nos a graça divina.
Esta aliança é incomparavelmente mais nobre e mais sólida, porque, a diferença
da precedente, não foi sancionada com sangue de cabritos e novilhos, mas com o
sangue sacrossanto daquele que esses animais pacíficos e privados de razão,
prefiguravam: "o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo" (cf. Jo
1, 29; Hb 9, 18-28; 10, 1-17). Porque a aliança cristã, ainda mais do que a
antiga, manifesta-se claramente como um pacto, não inspirado em sentimentos de
servidão, não fundado no temor, mas apoiado na amizade que deve reinar nas
relações entre pai e filhos, sendo ela alimentada e consolidada por uma mais
generosa distribuição da graça divina e da verdade, conforme a sentença do
evangelho de João: "Da sua plenitude todos nós participamos, e recebemos
uma graça por outra graça. Porque a lei foi dada por Moisés, mas a graça foi
trazida por Jesus Cristo" (Jo 1, 16-17).
19. Introduzidos, por essas palavras do
"discípulo amado que durante a ceia reclinara a cabeça sobre o peito de
Jesus" (Jo 21, 20), no próprio mistério da infinita caridade do Verbo
encarnado, é coisa digna, justa, reta e salutar nos detenhamos um pouco,
veneráveis irmãos, na contemplação de tão suave mistério, a fim de, iluminados
pela luz que sobre ele projetam as páginas do Evangelho, podermos também nós experimentar
o feliz cumprimento do voto que o Apóstolo formulava escrevendo aos fiéis de
Éfeso: "Habite Cristo, pela fé, nos vossos corações, vós que estais
arraigados e cimentados em caridade, para que possais compreender com todos os
santos qual é a largura e comprimento, a altura e profundidade deste mistério,
e conhecer também o amor de Cristo a nós, o qual sobrepuja todo conhecimento,
para que sejais plenamente cumulados de todos os dons de Deus" (Ef 3,
17-19).
20. Com efeito, o mistério da divina redenção é, antes
de tudo e pela sua própria natureza, um mistério de amor: isto é, um mistério
de amor justo da parte de Cristo para com seu Pai celeste, a quem o sacrifício
da cruz, oferecido com coração amante e obediente, apresenta uma satisfação
superabundante e infinita pelos pecados do gênero humano: Cristo, sofrendo por
caridade e obediência, ofereceu à Deus alguma coisa de valor maior do que o
exigia a compensação por todas as ofensas feitas a Deus pelo gênero humano.(8)
Além disso, o mistério da redenção é um mistério de amor misericordioso da
augusta Trindade e do divino Redentor para com a humanidade inteira, visto que,
sendo esta totalmente incapaz de oferecer a Deus uma satisfação condigna pelos
seus próprios delitos,(9) mediante a imperscrutável riqueza de méritos que nos
ganhou com a efusão do seu precioso sangue, Cristo pode restabelecer e
aperfeiçoar aquele pacto de amizade entre Deus e os homens violado pela
primeira vez no paraíso terrestre por culpa de Adão e depois, inúmeras vezes,
pela infidelidade do povo escolhido. Portanto, havendo na sua qualidade de
nosso legítimo e perfeito mediador, e sob o estímulo de uma caridade energética
para conosco, conciliando as obrigações e compromissos do gênero humano com os
direitos de Deus, o divino Redentor foi, sem dúvida, o autor daquela
maravilhosa reconciliação entre a divina justiça e a divina misericórdia, a
qual justamente constitui a absoluta transcendência do mistério da nossa
salvação, tão sabiamente expresso pelo doutor angélico com estas palavras:
"Convém observar que a libertação do homem, mediante a paixão de Cristo,
foi conveniente tanto para a justiça como para a misericórdia do mesmo Cristo.
Antes de tudo para a justiça, porque com a sua paixão Cristo satisfez pela
culpa do gênero humano, e, por conseguinte, pela justiça de Cristo foi o homem
libertado. E, em segundo lugar, para a misericórdia, porque, não sendo possível
ao homem satisfazer pelo pecado, que manchava toda a natureza humana, deu-lhe
Deus um reparador na pessoa de seu Filho. Ora, isto foi, da parte de Deus, um
gesto de mais generosa misericórdia do que se ele houvesse perdoado os pecados
sem exigir qualquer satisfação. Por isso está escrito: 'Deus, que é rico em
misericórdia, movido pelo excessivo amor com que nos amou quando estávamos
mortos pelos pecados, deu-nos vida juntamente em Cristo'" (Ef 2, 4).(10)
2) Tríplice amor do Redentor para com o gênero humano:
divino, espiritual e sensível
21. Mas, a fim de, na medida que isso é dado aos
homens mortais, poderdes "compreender com todos os santos qual é a largura
e comprimento, a altura e profundidade" (Ef 3,18) da insondável caridade
do Verbo encarnado para com seu Pai celestial e para com os homens manchados de
tantas culpas, convém ter bem presente que o amor não foi unicamente
espiritual, como convém a Deus, visto que "Deus é espírito" (Jo
4,24). Indubitavelmente, de índole puramente espiritual foi o amor nutrido por
Deus para com nossos progenitores e para com o povo hebreu; por isso, as
expressões de amor humano, quer conjugal, quer paterno, que se lêem nos Salmos,
nos escritos dos profetas e no Cântico dos cânticos, são indícios e símbolos de
um amor verdadeiros mas totalmente espiritual, com que Deus amava o gênero
humano; ao contrário, o amor que se exala do Evangelho, das cartas dos
apóstolos e das páginas do Apocalipse, onde se descreve o amor do coração de
Jesus, não compreende somente a caridade divina, mas se estende também aos sentimentos
do afeto humano. Para todo aquele que faz profissão de fé católica, essa
verdade é indiscutível. Com efeito, o Verbo de Deus não tomou um corpo ilusório
e fictício; como já no primeiro século da era cristã ousaram afirmar alguns
hereges, que atraíram a severa condenação do apóstolo João: "porque muitos
sedutores que não confessam a Jesus Cristo encarnado espalham-se pelo mundo.
Este é o Sedutor, o Anticristo" (2 Jo 7); porém ele, o Verbo de Deus, uniu
à sua divina pessoa uma natureza humana indivídua, íntegra e perfeita,
concebida no seio imaculado de Maria Virgem por obra do Espírito Santo (cf. Lc
1,35). Nada, pois, faltou à natureza humana assumida pelo Verbo de Deus; em
verdade, ele a possui sem nenhuma diminuição, sem nenhuma alteração, tanto nos
elementos constitutivos espirituais quanto nos corporais, a saber: dotada de
inteligência de vontade e demais faculdades cognoscitivas internas e externas;
dotada igualmente das potências afetivas, sensitivas e das suas correspondentes
paixões. É isso o que ensina a Igreja católica, por estar sancionado e
solenemente confirmado pelos romanos pontífices e pelos concílios ecumênicos:
"Inteiro nas suas propriedades, inteiro nas nossas";(11)
"perfeito na divindade e perfeito ele próprio na humanidade";(12)
"todo Deus (feito) homem e todo o homem (subsistente em) Deus".(13)
22. Não havendo, pois, dúvida alguma de que Jesus
possuía um verdadeiro corpo humano, dotado de todos os sentimentos que lhe são
próprios, entre os quais campeia o amor, do mesmo modo é muito verdade que ele
foi provido de um coração físico em tudo semelhante ao nosso, não sendo
possível que a vida humana, privada deste excelentíssimo membro do corpo, tenha
a sua natural atividade afetiva. Por conseguinte, o coração de Cristo, unido
hipostaticamente à pessoa divina do Verbo, sem dúvida deve ter palpitado de
amor e de qualquer outro afeto sensível; contudo, esses sentimentos eram tão
conformes e estavam tão em harmonia com a vontade humana, transbordante de
caridade divina, e com o próprio amor infinito que o Filho tem com o Pai e com
o Espírito Santo, que jamais se interpôs a mínima oposição e discórdia entre
esses três amores.(14)
23. Todavia, o fato de haver o Verbo de Deus assumido
a verdadeira e perfeita natureza humana, e de lhe ter sido plasmado e como que
modelado um coração de carne que, não menos do que o nosso, fosse capaz de
sofrer e de ser ferido, esse fato, digamos, se não é visto e considerado à luz
que emana não só da união hipostática e substancial, mas também da verdade da
redenção humana, que é, por assim dizer, o complemento daquela, a alguns
poderia parecer "escândalo" e "loucura", como de fato aos
judeus e gentios pareceu "Cristo crucificado" (cf. 1 Cor 1, 23). Ora,
os símbolos da fé, perfeitamente concordes com as divinas Escrituras,
asseguram-nos que o Filho unigênito de Deus assumiu a natureza passível e
mortal com a mira posta principalmente no sacrifício cruento da cruz, que ele
desejava oferecer com o fim de realizar a obra da salvação do homem. Além
disso, esta é a doutrina exposta pelo Apóstolo das gentes: "Porque aquele
que santifica, e os santificados, todos tiram de um a sua origem. Razão pela
qual ele não tem escrúpulos de chamá-los irmãos, dizendo: 'Anunciarei teu nome
a meus irmãos...' Outrossim: `Eis-nos aqui, eu e meus filhos que Deus me deu'.
E por isso que os filhos têm comuns a carne e o sangue, ele também participou
das mesmas coisas... Pelo que, em tudo teve de se assemelhar a seus irmãos,
afim de ser um pontífice misericordioso e fiel para com Deus, em ordem a expiar
os pecados do povo. Já que, em razão de haver ele mesmo padecido e de ter sido
tentado, pode também dar a mão aos que são tentados" (Hb 2, 11-14; 17-18).
3) O testemunho dos santos Padres em favor dos afetos
sensíveis do Verbo encarnado
24. Os santos Padres, testemunhas verazes da doutrina
revelada, advertiram muito oportunamente o que já Paulo apóstolo claramente
significara, a saber: que o amor divino é como o princípio e a culminância da
obra da encarnação e redenção. Lê-se freqüentemente nos escritos deles que
Jesus Cristo tomou em si a natureza humana perfeita, o nosso corpo frágil e
caduco, para nos proporcionar a salvação eterna e manifestar, patentear em
forma sensível o seu infinito amor a nós.
25. Fazendo-se eco da voz do Apóstolo das gentes, são
Justino escreve o seguinte: "Amamos e adoramos o Verbo nascido de Deus
inefável e que não tem princípio; já que ele se fez homem por nós para que,
tornado participante das nossas doenças, proporcionasse-nos o seu
remédio",(15) E s. Basílio, o primeiro dos três Padres da Capadócia,
afirma que os afetos sensíveis de Cristo foram verdadeiros e ao mesmo tempo
santos: "É manifesto que o Senhor possuiu os afetos naturais em
confirmação da sua verdadeira, e não fantástica, encarnação; manifesto é também
que ele repeliu como indignos da divindade os afetos viciosos, que mancham a
pureza-da nossa vida".(16) Igualmente, s. João Crisóstomo, luminar da
Igreja antioquena, confessa que as emoções sensíveis de que o Senhor deu mostra
provam irrecusavelmente haver ele possuído integralmente a nossa natureza
humana: "A não haver ele possuído a nossa natureza, não teria
experimentado, uma e mais vezes, a tristeza".(17) Entre os Padres latinos,
merecem lembrança os que hoje a Igreja venera como doutores máximos. Santo
Ambrósio afirma que a união hipostática é a origem natural dos afetos e
sentimentos que o Verbo de Deus encarnado experimentou: "Portanto, já que
ele tomou a alma, tomou as paixões da alma; pois Deus, como Deus que é, não
podia perturbar-se nem morrer".(18) Nessas mesmas reações apóia s.
Jerônimo o principal argumento para provar que Cristo assumiu realmente a
natureza humana: nosso Senhor entristeceu-se realmente, para manifestar a sua
humana natureza.(19) Particularmente santo Agostinho faz notar a íntima união
existente entre os sentimentos do Verbo encarnado e a finalidade da redenção
humana: "O Senhor revestiu-se dos afetos da fragilidade humana, do mesmo
modo que aceitou a fragilidade da nossa carne e a morte desta, não por
necessária coação, mas sim pelo estímulo da sua misericórdia, para assimilar a
si o seu corpo; que é a Igreja, da qual ele se dignou ser a cabeça, ou seja,
assimilar seus membros em seus santos e fiéis; de modo que, se por efeito das
tentações humanas algum deles se entristecesse e sofresse, nem por isso
pensasse estar privado do influxo da sua graça; e, assim como um coro fica
alerta à voz que lhe dá o tom, assim também o seu corpo soubesse da sua cabeça
que por si mesmos, tais movimentos não são pecado, senão somente indício da
humana fragilidade",(20) Com maior concisão e não menor força estas
passagens de s. João Damasceno atestam a doutrina da Igreja: "O Deus todo
tomou todo o homem, e o todo se uniu ao todo para proporcionar a salvação do
homem todo. De outra maneira não teria ele podido sanar aquilo que não
assumiu".(21) "Tomou, pois, tudo para santificar tudo".(22)
4) O simbolismo natural do coração de Jesus Cristo
afirmado veladamente na Sagrada Escritura e nos santos
Padres
26. Bem verdade é que nem os autores sagrados, nem os
Padres da Igreja que citamos, e outros semelhantes, embora provem
abundantemente que Jesus Cristo esteve sujeito aos sentimentos e afetos
humanos, e que, por isso precisamente, tomou a natureza humana a fim de nos
proporcionar a eterna salvação, contudo não atribuem concretamente ditos afetos
ao seu coração fisicamente considerado, apontando nele o símbolo do seu amor
infinito. Embora os evangelistas e os outros autores sacros não nos descrevam
abertamente o coração do nosso Redentor não menos vivo e sensível do que o
nosso, e as palpitações e estremecimentos devidos às diversas emoções e afetos
da sua alma e à ardentíssima caridade da sua dupla vontade, todavia
freqüentemente põem em relevo o seu divino amor e as emoções sensíveis com ele
relacionadas: o desejo, a alegria, a tristeza, o temor e a ira, consoante as
expressões do seu olhar, das suas palavras e dos seus gestos. E,
principalmente, o rosto adorável de nosso Salvador foi, sem dúvida, o índice e
como que o espelho fidelíssimo dos afetos que, comovendo-lhe de vários modos a
alma, à semelhança das ondas que se entrechocam, chegavam ao seu coração
santíssimo e lhe excitavam as pulsações. Na verdade, a propósito de Jesus
Cristo vale também o que o Doutor angélico, ensinado pela experiência, observa
em matéria de psicologia humana e dos fenômenos dela derivados: "A
turbação que a ira produz repercute nos membros externos, e principalmente
naqueles em que mais se reflete a influência do coração, como são os olhos, o
semblante, a língua". (23)
27. Com muita razão, pois, o coração do Verbo
encarnado é considerado índice e símbolo do tríplice amor com que o divino
Redentor ama continuamente o Eterno Pai e todos os homens. Ele é, antes de
tudo, símbolo do divino amor, que nele é comum com o Pai e com o Espírito
Santo, e que só nele, como Verbo encarnado, se manifesta por meio do caduco e
frágil instrumento humano, "pois nele habita corporalmente a plenitude da
divindade" (Cl 2,9). Ademais, o coração de Cristo é símbolo de enérgica
caridade, que, infundida em sua alma, constitui o precioso dote da sua vontade
humana, e cujos atos são dirigidos e iluminados por uma dupla e perfeita
ciência, a beatífica e a infusa. (24)Finalmente, e isto de modo mais natural e
direto, o coração de Jesus é símbolo do seu amor sensível, já que o corpo de
Jesus Cristo, plasmado no seio imaculado da Virgem Maria por obra do Espírito
Santo, supera em perfeição, e portanto em capacidade perceptiva, qualquer outro
organismo humano.(25)
28. Instruídos pelos sagrados textos e pelos símbolos
da fé acerca da perfeita consonância e harmonia reinante na alma santíssima de
Jesus Cristo, e a respeito do fato de haver ele dirigido com finalidade
redentora todas as manifestações do seu tríplice amor, com toda segurança
podemos contemplar e venerar no coração do Redentor divino a imagem eloqüente
da sua caridade e o testemunho da nossa redenção, e como que uma mística escada
para subir ao amplexo "de Deus nosso Salvador" (Tt 3, 4). Por isso,
nas palavras, nos atos, nos ensinamentos, nos milagres, e especialmente nas
obras mais esplendorosas do seu amor para conosco, como a instituição da divina
eucaristia, a sua dolorosa paixão e morte, a benigna doação de sua santíssima
Mãe, a fundação da Igreja para proveito nosso, e, finalmente, a missão do Espírito
Santo sobre os apóstolos e sobre nós, em todas essas obras, repetimos, devemos
admirar outros tantos testemunhos do seu tríplice amor, e meditar as pulsações
do seu coração, com as quais ele quis medir os instantes da sua peregrinação
terrena até o momento supremo em que, como atestam os evangelistas,
"clamando com grande voz, disse: Tudo está consumado. E, inclinando a
cabeça, entregou o espírito" (Mt 27, 50; Jo 19, 30). Então o seu coração
parou e deixou de bater, e o seu amor sensível permaneceu como que suspenso,
até que, triunfando da morte, ele se levantou do sepulcro. Depois que seu corpo
conseguiu o estado da glória sempiterna e se uniu novamente à alma do divino
Redentor, vitorioso da morte, o seu coração sacratíssimo nunca deixou nem deixará
de palpitar com imperturbável e plácida pulsação, nem tampouco cessará de
demonstrar o tríplice amor com que o Filho de Deus se une a seu Pai eterno e à
humanidade inteira, de quem é, com pleno direito, a cabeça mística.
III
PARTICIPAÇÃO ATIVA
E PROFUNDA QUE TEVE
O SAGRADO CORAÇÃO
DE JESUS NA MISSÃO SALVADORA DO REDENTOR
1) O sagrado coração de Jesus, símbolo de amor
perfeito: sensível, espiritual, humano e divino, durante a vida terrena do
Salvador
29. Agora, veneráveis irmãos, para que destas piedosas
considerações possamos tirar abundantes e salutares frutos, bom é meditarmos e
contemplarmos brevemente os múltiplos afetos humanos e divinos de nosso
Salvador Jesus Cristo, dos quais; durante o curso da sua vida mortal, o seu
coração participou e continua agora participando e não deixará de participar
por toda a eternidade. Nas páginas do Evangelho é onde principalmente
encontraremos a luz pela qual iluminados e fortalecidos poderemos penetrar no
segredo deste divino coração, e admirar com o Apóstolo das gentes "as
abundantes riquezas da graça (de Deus) na bondade usada conosco por amor de
Jesus Cristo" (Ef 2,7).
30. O adorável coração de Jesus Cristo pulsa de amor
ao mesmo tempo humano e divino desde que a virgem Maria pronunciou aquela
palavra magnânima: "Fiat", e o Verbo de Deus, como nota o Apóstolo,
"ao entrar no mundo disse: Não quiseste sacrifício nem oferenda, mas me
apropriaste um corpo; holocaustos pelo pecado não te agradaram. Então disse: Eis
que venho: segundo está escrito de mim no princípio do livro, para cumprir, ó
Deus, a tua vontade... Por esta vontade, pois, somos santificados pela oblação
do corpo de Cristo feita uma só vez" (Hb 10,5-7.10). De maneira semelhante
palpitava de amor o seu coração, em perfeita harmonia com os afetos da sua
vontade humana e com o seu amor divino, quando, na casa de Nazaré, ele mantinha
aqueles celestiais colóquios com sua dulcíssima Mãe e com seu pai putativo, s.
José, a quem obedecia e com quem colaborava no fatigante ofício de carpinteiro.
Esse mesmo tríplice amor movia o seu coração nas suas contínuas excursões
apostólicas, quando realizava aqueles inúmeros milagres, quando ressuscitava os
mortos ou restituía a saúde a toda sorte de enfermos, quando sofria aqueles
trabalhos, suportava o suor, a fome e a sede; nas vigílias noturnas passadas em
oração a seu Pai amado; e, finalmente, nos discursos que pronunciava e nas
parábolas que propunha, especialmente naquelas que tratam da misericórdia, como
a da dracma perdida, a da ovelha desgarrada e a do filho pródigo. Nessas
palavras e nessas obras, como diz Gregório Magno, manifesta-se o próprio
coração de Deus. "Conhece o coração de Deus nas palavras de Deus, para que
com mais ardor suspires pelas coisas eternas".(26)
31. De amor ainda maior pulsava o coração de Jesus
Cristo quando da sua boca saíam palavras que inspiravam amor ardente. Assim,
para dar algum exemplo, quando, ao ver as turbas cansadas e famintas, ele
disse: "Tenho compaixão desta multidão" (Mc 8, 2), e quando, ao
avistar Jerusalém, a sua cidade predileta, destinada a uma ruína fatal por
causa da sua obstinação no pecado, exclamou: "Jerusalém, Jerusalém, que
matas os profetas e apedrejas os que te são enviados: quantas vezes eu quis
recolher teus filhos, como a galinha recolhe debaixo das asas os seus
pintinhos, e não o quiseste!" (Mt 23, 37). O seu coração também palpitou
de amor para com seu Pai, e de santa indignação, quando ele viu o comércio
sacrílego que se fazia no templo, e verberou os violadores com estas palavras:
"Escrito está: minha casa será chamada casa de oração; mas vós fizestes
dela uma espelunca de ladrões" (Mt 21, 13).
32. Pois o seu coração bateu particularmente de amor e
de pavor quando ele viu iminente a hora dos seus cruéis padecimentos, e quando
experimentando uma repugnância natural às dores e à morte, exclamou: "Meu
Pai, se é possível, passe de mim este cálice" (Mt 26,39); palpitou com
amor invicto e com suma amargura quando, ao receber o beijo do traidor,
dirigiu-lhe aquelas palavras que parecem o convite último do seu coração
misericordioso ao amigo que com ânimo ímpio, infiel e obstinado, devia
entregá-lo aos seus algozes: "Amigo, a que vieste? Com um beijo entregas o
Filho do homem?" (Mt 26, 50; Lc 22, 48); palpitou de compaixão e de amor
íntimo quando disse às piedosas mulheres que choravam a sua imerecida
condenação ao suplício da cruz: "Filhas de Jerusalém, não choreis por mim;
chorai por vós mesmas e por vossos filhos..., pois, se assim tratam a árvore
verde, que se não fará à seca?" (Lc 23, 28.31).
33. Finalmente, quando o divino Redentor pendia da
cruz, sentiu o seu coração arder dos mais vários e veementes afetos, isto é, de
afetos de amor ardente, de consternação, de misericórdia, de desejo inflamado,
de paz serena; afetos claramente manifestados naquelas palavras: "Pai,
perdoa-lhes; porque eles não sabem o que fazem" (Lc 23, 34); "Deus
meu, Deus meu, por que me abandonaste?" (Mt 27, 46); "Em verdade te
digo que hoje estarás comigo no paraíso" (Lc 23, 43); "Tenho sede"
(Jo 19, 28); "Pai, nas tuas mãos entrego meu espírito" (Lc 23, 46).
2) A eucaristia, a santíssima virgem e o sacerdócio
são dons do coração amado de Jesus
34. Quem poderá descrever dignamente as pulsações do
coração divino, índices do seu infinito amor, naqueles momentos em que ele deu
aos homens os seus mais apreciados dons, isto é, a si mesmo no sacramento da
eucaristia, sua mãe santíssima, e a participação no oficio sacerdotal?
35. Ainda antes de celebrar a última ceia com seus
discípulos, ao pensar em que ia instituir o sacramento do seu corpo e do seu
sangue, com cuja efusão devia confirmar-se a nova aliança, sentiu o seu coração
agitado de intensa emoção, que ele manifestou aos seus apóstolos com estas
palavras: "Ardentemente desejei comer convosco este cordeiro pascal antes
da minha paixão" (Lc 22, 15); emoção que, sem dúvida, foi ainda mais
veemente quando ele "tomou o pão, deu graças, partiu-o e deu-o a eles,
dizendo: 'Isto é meu corpo, que se dá por vós; fazei isto em memória de mim'.
Do mesmo modo tomou o cálice, depois de haver ceado, dizendo: 'Este cálice é a
nova aliança em meu sangue, que por vós será derramado'"(Lc 22, 19-20).
36. Com razão, pois, pode-se afirmar que a divina
eucaristia, como sacramento que ele dá aos homens e como sacrifício que ele
mesmo continuamente imola "desde o nascente até o poente" (Ml 1, 11),
e também o sacerdócio, são, sem dúvida, dons do sagrado coração de Jesus.
37. Dom igualmente precioso do mesmo sagrado coração
é, como indicávamos, a santíssima Virgem, Mãe excelsa de Deus e Mãe amadíssima
de todos nós, era justo que o gênero humano tivesse por mãe espiritual aquela
que foi mãe natural do nosso Redentor, a ele associada na obra de regeneração
dos filhos de Eva para a vida da graça. A propósito disso, escreve a respeito
dela santo Agostinho: "Evidentemente ela é mãe dos membros do Salvador,
que somos nós, porque com a sua caridade cooperou para que nascessem na Igreja
os fiéis, que são membros daquela cabeça".(27)
38. Ao dom incruento de si mesmo sob as espécies do
pão e do vinho, Jesus Cristo nosso Salvador quis unir, como testemunho da sua
caridade íntima e infinita, o sacrifício cruento da cruz. Fazendo isso, deu
exemplo daquela sublime caridade que com as seguintes palavras ele mostrara aos
seus discípulos como meta suprema de amor: "Ninguém tem amor maior do que
aquele que dá sua vida pelos amigos" (Jo 15,13). Pelo que o amor de Jesus
Cristo, Filho de Deus, revela no sacrifício do Gólgota, de modo o mais
eloqüente, o amor do próprio Deus: "Nisto conhecemos a caridade de Deus:
em haver ele dado sua vida por nós; e assim nós devemos dar a nossa vida por
nossos irmãos" (1 Jo 3, 16). Certamente, o divino Redentor foi crucificado
mais pela força do amor do que pela violência dos algozes, e o seu holocausto voluntário
é dom supremo feito a cada um dos homens, segundo a incisiva expressão do
Apóstolo: "Amou-me e entregou-se por mim" (Gl 2, 20).
3) Também a Igreja e os sacramentos são dons do
sagrado coração de Jesus
39. Não se pode, pois, duvidar de que, participando
intimamente da vida do Verbo encarnado, e pelo mesmo motivo sendo, não menos do
que os demais membros da sua natureza humana, como que instrumento conjunto da
Divindade na realização das obras da graça e da onipotência divina,(28) o
sagrado coração de Jesus é também símbolo legítimo daquela imensa caridade que
moveu o nosso Salvador a celebrar, com o derramamento do seu sangue, o seu
místico matrimônio com a Igreja: "Sofreu a paixão por amor à Igreja que
ele devia unir a si como esposa".(29) Portanto, do coração ferido do
Redentor nasceu a Igreja, verdadeira administradora do sangue da redenção, e do
mesmo coração flui abundantemente a graça dos sacramentos, na qual os filhos da
Igreja bebem a vida sobrenatural, como lemos na sagrada liturgia: "Do coração
aberto nasce a Igreja desposada com Cristo... Tu, que do coração fazes manar a
graça".(30) A respeito desse símbolo, que nem mesmo dos antigos Padres,
escritores e eclesiásticos foi desconhecido, o Doutor comum, fazendo-se eco
deles, assim escreve: "Do lado de Cristo brotou água para lavar e sangue
para redimir. Por isso, o sangue é próprio do sacramento da eucaristia; a água,
do sacramento do batismo, o qual, entretanto, tem força para lavar em virtude
do sangue de Cristo".(31) O que aqui se afirma do lado de Cristo, ferido e
aberto pelo soldado, cumpre aplicá-lo ao seu coração, ao qual, sem dúvida,
chegou a lançada desfechada pelo soldado precisamente para que constasse de
maneira certa a morte de Jesus Cristo. Por isso, durante o curso dos séculos, a
ferida do coração sacratíssimo de Jesus, morto já para esta vida mortal, tem
sido a imagem viva daquele amor espontâneo com que Deus entregou seu Unigênito
pela redenção dos homens, e com o qual Cristo nos amou a todos tão ardentemente
que a si mesmo se imolou como hóstia cruenta no Calvário: "Cristo amou-nos
e ofereceu-se a Deus em oblação e hóstia de odor suavíssimo" (Ef 5, 2).
4) O sagrado coração de Jesus, símbolo do seu tríplice
amor a humanidade na vida gloriosa do céu
40. Depois que o nosso Salvador subiu ao céu com seu
corpo glorificado, e se sentou à direita de Deus Pai, não tem cessado de amar
sua esposa, a Igreja, com aquele amor inflamado que palpita no seu coração.
Traz nas mãos, nos pés e no lado os esplendentes sinais das suas feridas,
troféus da sua tríplice vitória: contra o demônio, contra o pecado e contra a
morte. E traz no seu coração, como em preciosa arca aqueles imensos tesouros de
méritos, frutos dessa tríplice vitória, os quais ele com largueza distribui ao
gênero humano. É essa uma verdade consoladora, ensinada pelo Apóstolo das
gentes quando escreve: "Ao subir para o alto, levou consigo cativa uma
grande multidão de cativos e derramou seus dons sobre os homens... Aquele que
desceu, esse mesmo foi o que ascendeu sobre todos os céus, para dar cumprimento
a todas as coisas" (Ef 4, 8.10).
5) Os dons do Espírito Santo também são dons do
coração adorável de Jesus
41. A missão do Espírito Santo junto aos discípulos é
o primeiro e esplêndido sinal do seu amor munificente, depois da sua subida
triunfal à direita do Pai. Aos dez dias, o Espírito Paráclito, dado pelo Pai
celestial, baixou sobre eles, reunidos no cenáculo, segundo a promessa que ele
lhes fizera na última ceia: "Rogarei ao Pai, e ele vos dará outro
Consolador para estar convosco eternamente" (Jo 14, 16). O qual Espírito
Paráclito, sendo, como é, o amor mútuo pessoal com que o Pai ama o Filho e o
Filho ama o Pai, por ambos é enviado, e, sob forma de línguas de fogo, infunde
na alma dos discípulos a abundância da caridade divina e dos demais carismas
celestes. Esta infusão da caridade divina brotou também do coração de nosso
Salvador, "no qual estão encerrados todos os tesouros da sabedoria e da
ciência" (Cl 2, 3). Essa caridade é, portanto, dom do coração de Jesus e
do seu Espírito. A esse comum Espírito do Pai e do Filho deve-se o nascimento e
a propagação admirável da Igreja no meio de todos os povos pagãos, contaminados
pela idolatria, pelo ódio fraterno, pela corrupção de costumes e pela violência.
Foi essa divina caridade, dom preciosíssimo do coração de Cristo e do seu
Espírito, que deu aos apóstolos e aos mártires aquela fortaleza com que eles
lutaram até uma morte heróica, para pregarem a verdade evangélica e
testemunhá-la com o seu sangue; foi ela que deu aos doutores da Igreja aquele
zelo intenso por ilustrar e defender a fé católica; foi ela que alimentou as
virtudes nos confessores e os excitou a levarem a cabo obras admiráveis e
úteis, para a própria santificação, para a salvação eterna e temporal do
próximo; e, finalmente, foi ela que persuadiu as virgens a espontânea e
alegremente renunciarem aos gozos dos sentidos e se consagrarem inteiramente ao
amor do esposo celeste. A essa divina caridade, que transborda do coração do
Verbo encarnado e por obra do Espírito Santo se difunde nas almas de todos os
crentes, o Apóstolo das gentes entoou aquele hino de vitória que exalta a um
tempo o triunfo de Jesus Cristo cabeça e o triunfo dos membros do seu corpo
místico, sobre todos quantos de algum modo obstam ao estabelecimento do reino
divino de amor entre os homens: "Quem poderá separar-nos do amor de
Cristo? A tribulação? Ou a angústia? Ou a fome? Ou a nudez? Ou o risco? Ou a
perseguição? Ou o cutelo?... Por meio de todas essas coisas triunfamos por
virtude daquele que nos amou. Pelo qual estou seguro de que nem a morte, nem a
vida, nem os anjos, nem os principados, nem as virtudes, nem o presente, nem o
futuro, nem a força, nem o que há de mais alto, nem de mais profundo, nem outra
criatura, poderá jamais separar-nos do amor de Deus que se funda em Jesus
Cristo nosso Senhor" (Rm 8,35.37-39).
6) O culto ao coração sacratíssimo de Jesus é o culto
da pessoa do Verbo encarnado
42. Nada, portanto, proíbe que adoremos o coração
sacratíssimo de Jesus Cristo, enquanto é participante, símbolo natural e
sumamente expressivo daquele amor inexaurível em que ainda hoje o divino
Redentor arde para com os homens. Mesmo quando já não está submetido às
perturbações desta vida mortal, ainda então ele vive, palpita, e está unido de
modo indissolúvel com a pessoa do Verbo divino, e, nela e por ela, com a sua
divina vontade. Superabundando o coração do Cristo de amor divino e humano, e
sendo imensamente rico com os tesouros de todas as graças que o nosso Redentor
adquiriu com sua vida, seus padecimentos e sua morte, ele é, sem dúvida, uma
fonte perene daquela caridade que o seu Espírito infunde em todos os membros do
seu corpo místico.
43. Assim, pois, o coração do nosso Salvador reflete
de certo modo a imagem da divina pessoa do Verbo, e, igualmente, das suas duas
naturezas: humana e divina; e nele podemos considerar não só um símbolo, mas
também como que um compêndio de todo o mistério da nossa redenção. Quando
adoramos o coração de Jesus Cristo, nele e por ele adoramos tanto o amor
incriado do Verbo divino como seu amor humano e os seus demais afetos e
virtudes, já que um e outro amor moveu o nosso Redentor a imolar-se por nós e
por toda a Igreja, sua esposa, segundo a sentença do Apóstolo: "Cristo
amou a sua Igreja e sacrificou-se por ela para santificá-la, lavando-a no
batismo de água com a palavra de vida, a fim de fazê-la comparecer perante si
cheia de glória, sem mancha, nem ruga, nem coisa semelhante, mas santa e
imaculada" (Ef 5, 25-27).
44. Assim como amou a Igreja, Cristo continua amando-a
intensamente, com aquele tríplice amor de que falamos (cf. 1 Jo 2,1); e esse
amor é que o impele a fazer-se nosso advogado para nos obter do Pai graça e
misericórdia, "estando sempre vivo para interceder por nós" (Hb 7,
25). As preces que brotam do seu inesgotável amor, dirigidas ao Pai, não sofrem
interrupção alguma. Como nos dias da sua carne" (Hb 5,7), também agora,
que está triunfante no céu, ele suplica o Pai com não menor eficácia; e aquele
que "amou tanto o mundo que deu seu Filho unigênito, afim de que todos os
que nele crêem não pereçam, mas vivam vida eterna" (Jo 3,16). Ele mostra o
seu coração vivo e como ferido e inflamado de um amor mais ardente do que
quando, já exânime, o feriu a lança do soldado romano: "Por isto foi
ferido (o teu coração), para que pela ferida visível víssemos a ferida
invisível do amor".(32)
45. Por conseguinte, não pode haver dúvida alguma de
que, ante as súplicas de tão grande advogado, e feitas com tão veemente amor, o
Pai celestial, "que não perdoou seu próprio filho, mas o entregou por
todos nós" (Rm 8, 32), por meio dele derramará incessantemente sobre todos
os homens a abundância das suas graças divinas.
IV
NASCIMENTO E
DESENVOLVIMENTO PROGRESSIVO
DO CULTO AO
SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS
1) Albores do culto ao sagrado coração na devoção às
chagas sacrossantas da paixão
46. À vossa consideração, veneráveis irmãos, e à do
povo cristão quisemos expor em suas linhas gerais a íntima natureza e as
perenes riquezas do culto ao coração sacratíssimo de Jesus, atendo-nos à
doutrina da revelação divina como à sua fonte primária. Estamos persuadidos de
que estas nossas reflexões, ditadas pelo próprio ensinamento do Evangelho,
mostraram claramente como, em substância, este culto não é outra coisa senão o
culto ao amor divino e humano do Verbo encarnado, e também o culto àquele amor com
que o Pai e o Espírito Santo amam os homens pecadores. Porque, como observa o
Doutor angélico, a caridade das três Pessoas divinas é o princípio da redenção
humana nisto que inundando copiosamente a vontade humana de Jesus Cristo e o
seu coração adorável, com a mesma caridade o induziu a derramar o seu sangue
para nos resgatar da servidão do pecado:(33) "Com um batismo tenho de ser
batizado, e como me sinto oprimido enquanto ele não se cumpre!" (Lc
12,50).
47. Aliás, é persuasão nossa que o culto tributado ao
amor de Deus e de Jesus Cristo para com o gênero humano, através do símbolo
augusto do coração transfixado do Redentor, nunca esteve completamente ausente
da piedade dos fiéis, embora a sua manifestação clara e a sua admirável difusão
em toda a Igreja se haja realizado em tempos não muito distantes de nós,
sobretudo depois que o próprio Senhor revelou este divino mistério a alguns de
seus filhos após havê-los cumulado com abundância de dons sobrenaturais, e os
elegeu para seus mensageiros e arautos.
48. De fato, sempre houve almas especialmente
consagradas a Deus que, inspirando-se nos exemplos da excelsa mãe de Deus, dos
apóstolos e de insignes padres da Igreja, tributaram culto de adoração, de ação
de graças e de amor à humanidade santíssima de Cristo, e de modo especial às
feridas abertas no seu corpo pelos tormentos da paixão salvadora.
49. Aliás, como não reconhecer nas próprias palavras:
"Senhor meu e Deus meu" (Jo 20,28), pronunciadas pelo apóstolo Tomé e
reveladoras da sua súbita transformação de incrédulo em fiel, uma clara
profissão de fé, de adoração e de amor, que da humanidade chagada do Salvador
se elevava até a majestade da Pessoa divina?
50. Mas, ainda que o coração ferido do Redentor tenha
sempre levado os homens a venerarem o seu infinito amor a tempos sempre tiveram
valor as palavras do profeta Zacarias que o evangelista João aplicou a Jesus
crucificado: "Verão a quem traspassaram" (Jo 19,37; cf. Zc 12,10),
todavia cumpre reconhecer que só gradualmente esse coração chegou a ser objeto
de culto especial, como imagem do amor humano e divino do Verbo encarnado.
2)Princípio e progresso do culto ao sagrado coração na
Idade Média e nos séculos seguintes
51. Querendo agora indicar somente as etapas gloriosas
percorridas por este culto na história da piedade cristã, mister é recordar,
antes de tudo, os nomes de alguns daqueles que bem podem ser considerados os
porta-estandartes desta devoção, a qual, em forma privada e de modo gradual,
foi-se difundindo cada vez mais nos institutos religiosos. Assim, por exemplo,
distinguiram-se por haver estabelecido e promovido cada vez mais este culto ao
coração sacratíssimo de Jesus: s. Boaventura, s. Alberto Magno, s. Gertrudes,
s. Catarina de Sena, o Beato Henrique Suso, s. Pedro Canísio e s. Francisco de
Sales. A s. João Eudes deve-se o primeiro ofício litúrgico em honra do sagrado
coração de Jesus, cuja festa se celebrou pela primeira vez, com o beneplácito
de muitos bispos de França, a 20 de outubro de 1672. Mas entre todos os
promotores desta excelsa devoção merece lugar especial s. Margarida Maria
Alacoque, que, com a ajuda do seu diretor espiritual, o beato Cláudio de la
Colombière, e com o seu ardente zelo, conseguiu, não sem admiração dos féis,
que este culto adquirisse um grande desenvolvimento e, revestido das
características do amor e da reparação, se distinguisse das demais formas da
piedade cristã.(34)
52. Basta essa evocação daquela época em que se
propagou o culto do coração de Jesus para nos convencermos plenamente de que o
seu admirável desenvolvimento se deve principalmente ao fato de se achar ele em
tudo conforme com a índole da religião cristã, que é religião de amor. Por
conseguinte, não se pode dizer nem que este culto deve a sua origem a
revelações privadas, nem que apareceu de improviso na Igreja, mas sim que
brotou espontaneamente da fé viva, da piedade fervorosa de almas prediletas
para com a pessoa adorável do Redentor e para com aquelas suas gloriosas
feridas, testemunhos do seu amor imenso que intimamente comovem os corações.
Evidente é, portanto, que as revelaçães com que foi favorecida s. Margarida
Maria não acrescentaram nada de novo à doutrina católica. A importância delas
consiste em que – ao mostrar o Senhor o seu coração sacratíssimo – de modo
extraordinário e singular quis atrair a consideração dos homens para a
contemplação e a veneração do amor misericordioso de Deus para com o gênero
humano. De fato, mediante manifestação tão excepcional, Jesus Cristo
expressamente e repetidas vezes indicou o seu coração como símbolo com que
estimular os homens ao conhecimento e à estima do seu amor; e ao mesmo tempo
constituiu-o sinal e penhor de misericórdia e de graça para as necessidades da
Igreja nos tempos modernos.
3) Aprovação pontifícia da festa do coração
sacratíssimo de Jesus
53. Prova evidente de que este culto promana das
próprias fontes do dogma católico dá-a o fato de haver a aprovação da festa
litúrgica pela Sé Apostólica precedido a aprovação dos escritos de s. Margarida
Maria. Na realidade, independentemente de toda revelação privada, e secundando
só os desejos dos féis, por decreto de 25 de janeiro de 1765, aprovado pelo
nosso predecessor Clemente XIII, a 6 de fevereiro do mesmo ano, a Sagrada
Congregação dos Ritos concedeu aos bispos da Polônia e à arquiconfraria romana
do sagrado coração de Jesus a faculdade de celebrar a festa litúrgica. Com esse
ato, quis a Santa Sé que tomasse novo incremento um culto já em vigor, cujo fim
era "reavivar simbolicamente a lembrança do amor divino" (35) que
levara o Salvador a fazer-se vítima de expiação pelos pecados dos homens.
54. A essa primeira aprovação, dada em forma de
privilégïo e limitadamente, seguiu-se, a distância de quase um século, outra de
importância muito maior, e expressa em termos mais solenes. Referimo-nos ao
decreto da Sagrada Congregação dos Ritos de 23 de agosto de 1856, anteriormente
mencionado, com o qual o nosso predecessor Pio IX, de imortal memória,
acolhendo as súplicas dos bispos da França e de quase todo o orbe católico,
estendeu a toda a Igreja a festa do coração sacratíssimo de Jesus, e prescreveu
a sua celebração litúrgica.(36) Esse fato merece ser recomendado à lembrança
perene dos fiéis, pois, como vemos escrito na própria liturgia da festa,
"desde então o culto do sacratíssimo coração de Jesus, semelhante a um rio
que transborda, superou todos os obstáculos e difundiu-se pelo mundo
todo".
55. De quanto até agora expusemos, veneráveis irmãos,
aparece evidente que é nos textos da Sagrada Escritura, na tradição e na
sagrada liturgia que os fiéis hão de encontrar principalmente os mananciais
límpidos e profundos do culto ao coração sacratíssimo de Jesus, se desejam
penetrar na sua íntima natureza e tirar da sua piedosa meditação alimento e
incremento do fervor religioso. Iluminada, e penetrando nela mais intimamente
mediante esta meditação assídua, a alma fiel não poderá deixar de chegar àquele
doce conhecimento da caridade de Cristo no qual se resume toda a vida cristã,
tal como, instruído pela própria experiência, o ensina o Apóstolo: "Por esta
causa dobro meus joelhos ante o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo..., para que,
segundo as riquezas de sua glória, vos conceda por meio do seu Espírito serdes
fortalecidos em virtude no homem interior, e para que Cristo habite pela fé nos
vossos corações, estando vós arraigados e cimentados em caridade; a ~m de que
possais conhecer também aquele amor de Cristo que sobrepuja todo conhecimento,
para serdes plenamente cumulados de toda a plenitude de Deus" (Ef
3,14.16-19). Dessa plenitude universal é precisamente imagem esplendida o
coração de Jesus Cristo: plenitude da misericórdia própria do Novo Testamento,
no qual "Deus nosso Salvador manifestou a sua benignidade e amor para com
os homens" (Tt 3,4); pois "Deus não enviou seu Filho ao mundo para
condenar o mundo, mas sim para que, por meio dele, o mundo se salve" (Jo
3,17).
4) Espiritualidade e excelência do culto ao coração
sacratíssimo de Jesus
56. Desde quando promulgou os primeiros documentos
oficiais relativos ao culto do coração sacratíssimo de Jesus, tem sido
constante persuasão da Igreja, mestra da verdade para os homens, que os
elementos essenciais desse culto, quer dizer, os atos de amor e de reparação
tributados ao amor infinito de Deus para com os homens, longe de estarem
contaminados de materialismo e de superstição, constituem uma forma de piedade
em que se põe plenamente em prática aquela religião espiritual e verdadeira que
o próprio Salvador anunciou à samaritana: "Já chega o tempo, e já estamos
nele, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em
verdade" (Jo 4,23-24).
57. Lícito não é, portanto, afirmar que a contemplação
do coração físico de Jesus impede de chegar ao amor íntimo de Deus e retarda o
progresso da alma no caminho que leva à posse das mais excelsas virtudes. A
Igreja repele completamente esse falso misticismo, como, por boca do nosso
predecessor Inocêncio XI, de feliz memória, condenou a doutrina dos que
divulgavam que não devem (as almas desta via interior) fazer atos de amor à
santíssima Virgem, aos santos ou a humanidade de Cristo, porque, sendo
sensíveis estes objetos, o amor que a eles se dirige também há de ser sensível.
Nenhuma criatura, nem mesmo a santíssima Virgem e os santos, deve penetrar no
nosso coração, porque só Deus quer ocupá-lo e possuí-lo". (37)Os que assim
pensam são, naturalmente, de opinião que o simbolismo do coração de Cristo não
se estende a mais do que ao seu amor sensível, e que, por conseguinte, não pode
constituir novo fundamento do culto de latria, culto reservado só àquilo que é
essencialmente divino. Ora, interpretação semelhante das sagradas imagens,
todos vêem que é absolutamente falsa, porque lhes coarcta injustamente o
significado. Contrária é a isso a opinião e o ensino dos teólogos católicos, e
entre eles s. Tomás assim escreve: "Às imagens tributa-se culto religioso,
não consideradas em si mesmas, quer dizer, enquanto realidades, mas sim
enquanto imagens que nos levam até Deus encarnado. O movimento da alma para a
imagem enquanto imagem não pára nesta, mas tende ao objeto por ela
representado. Por conseguinte, do fato de tributar culto religioso às imagens
de Cristo não resulta um culto de latria diverso nem uma virtude de religião
diferente".(38) À própria pessoa do Verbo chega, pois, o culto relativo
tributado às suas imagens, sejam estas as relíquias da sua acerba paixão, seja
a imagem que supera todas em valor expressivo, quer dizer, o coração ferido de
Cristo crucificado.
58. E, assim, do elemento corpóreo, que é o coração de
Jesus Cristo, e do seu natural simbolismo, é legítimo e justo que, levados
pelas asas da fé, nos elevemos não só à contemplação do seu amor sensível,
porém a mais alto, até à consideração e adoração do seu excelentíssimo amor
infuso, e, finalmente, num vôo sublime e doce ao mesmo tempo, até à meditação e
adoração do amor divino do Verbo encarnado; já que à luz da fé, pela qual
cremos que na pessoa de Cristo estão unidas a natureza humana e a natureza
divina, podemos conceber os estreitíssimos vínculos que existem entre o amor
sensível do coração físico de Jesus e o seu duplo amor espiritual, o humano e o
divino. Em realidade, não devem esses amores ser considerados simplesmente como
coexistentes na adorável pessoa do Redentor divino, mas também como unidos
entre si com vínculo natural, nisto que ao amor divino estão subordinados o
humano, o espiritual e o sensível, os quais são uma representação analógica
daquele. Com isso não pretendemos que no coração de Jesus se deva ver e adorar
a chamada imagem formal, quer dizer, a representação perfeita e absoluta do seu
amor divino, não sendo possível, como não é, representar adequadamente por
qualquer imagem criada a íntima essência desse amor; mas a alma fiel, venerando
o coração de Jesus, adora juntamente com a Igreja o símbolo e como que a marca
da caridade divina, caridade que com o coração do Verbo encarnado chegou até a
amar o gênero humano contaminado de tantos crimes.
59. Portanto, neste assunto tão importante como
delicado, é necessário ter sempre presente que a verdade do simbolismo natural,
que relaciona o coração físico de Jesus com a pessoa do Verbo, repousa toda na
verdade primária da união hipostática; quem isto negasse renovaria erros mais
de uma vez condenados pela Igreja, por contrários à unidade da pessoa de Cristo
em duas naturezas íntegras e distintas.
60. Essa verdade fundamental permite-nos entender como
o coração de Jesus é o coração de uma pessoa divina, quer dizer, do Verbo encarnado,
e que, por conseguinte, representa e nos põe ante os olhos todo o amor que ele
nos teve e ainda nos tem. E aqui está a razão por que, na prática, o culto ao
sagrado coração é considerado como a mais completa profissão da religião
cristã. Verdadeiramente, a religião de Jesus Cristo funda-se toda no Homem-Deus
mediador; de maneira que não se pode chegar ao coração de Deus senão passando
pelo coração de Cristo, conforme o que ele mesmo afirmou: "Eu sou o
caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai senão por mim" (Jo 14,6).
Assim sendo, facilmente deduzimos que, pela própria natureza das coisas, o
culto ao sacratíssimo coração de Jesus é o culto ao amor com que Deus nos amou
por meio de Jesus Cristo, e, ao mesmo tempo, o exercício do amor que nos leva a
Deus e aos outros homens; ou, dito por outra forma, este culto dirige-se ao
amor de Deus para conosco, propondo-o como objeto de adoração, de ação de
graças e de imitação; e tem por fim a perfeição do nosso amor a Deus e aos
homens mediante o cumprimento cada vez mais generoso do mandamento
"novo", que o divino Mestre legou como sagrada herança aos seus
apóstolos quando lhes disse: "Um novo mandamento vos dou: que vos ameis
uns aos outros, como eu vos amei... O meu preceito é que vos ameis uns aos
outros, como eu vos amei" (Jo 13,34; 15,12). Esse mandamento,
verdadeiramente, é "novo" e "próprio" de Cristo; porque,
como diz s. Tomás de Aquino: "Pouca diferença há entre o Antigo e o Novo
Testamento; pois, como diz Jeremias: 'Farei um pacto novo com a casa de Israel'
(Jr 31,31). Porém que este mandamento se praticasse no Antigo Testamento a
impulsos de um santo temor e amor, isto pertencia ao Novo Testamento; de sorte
que este mandamento existia na antiga lei não como próprio dela, porém como
preparação da nova lei".(39)
V
EXORTAÇÃO À
PRÁTICA
MAIS PURA E MAIS
EXTENSA DO CULTO
AO SAGRADO CORAÇÃO
DE JESUS
1) Convite a compreender e praticar melhor as várias
formas da devoção ao coração de Jesus
61. Antes de terminarmos as considerações tão belas e
tão consoladoras que vos estamos fazendo sobre a natureza autêntica deste culto
e a sua cristã excelência, nós, cônscios do ofício apostólico confiado em
primeiro lugar a s. Pedro depois que ele por três vezes professou o seu amor a
Jesus Cristo nosso Senhor, julgamos conveniente, veneráveis irmãos, exortar-vos
uma vez mais, e por vosso intermédio exortar todos os caríssimos filhos que em
Cristo temos, a que vos esforceis com crescente entusiasmo por promover esta
suavíssima devoção, pois confiamos que dela hão de brotar grandes proveitos
também nos nossos tempos.
62. Em verdade, se se ponderam devidamente os
argumentos em que se funda o culto ao coração ferido de Jesus, todos verão
claramente não se tratar aqui de uma forma qualquer de piedade, que se possa
pospor a outras ou ter em menos, mas sim de uma prática religiosa sumamente
apta para conseguir a perfeição cristã. Se segundo o conceito teológico
tradicional, expresso pelo Doutor angélico – "a devoção não é outra coisa
senão a vontade pronta de se dedicar a tudo o que se relaciona com o serviço de
Deus",(40) pode haver serviço divino mais devido e mais necessário, e ao
mesmo tempo mais nobre e mais suave, daquele que se presta ao seu amor? Que
coisa pode haver mais grata e mais aceita a Deus do que o serviço que se faz à
caridade divina, e que se faz por amor, sendo, como é, todo serviço voluntário,
de certo modo, um dom, e constituindo o amor "o dom primeiro e origem de
todos os dons gratuitos"? (41) Digna é, pois, de sumo apreço uma forma de
culto mediante a qual o homem ama e honra mais a Deus e se consagra com maior
facilidade e liberdade à caridade divina; forma de culto que o nosso próprio
Redentor se dignou propor e recomendar ao povo cristão, e que os sumos
pontífices confirmaram com memoráveis documentos e enalteceram com grandes
louvores. Por isso, quem tivesse em pouco esse insigne benefício que Jesus
Cristo deu à sua Igreja, procederia temerária e perniciosamente, e ofenderia o
próprio Deus.
63. Isso posto, não se pode duvidar de que os cristãos
que honram o sacratíssimo coração do Redentor cumprem o dever, por demais
gravíssimo, que eles têm de servir a Deus, e que justamente se consagram a si
mesmos e todas as suas coisas, seus sentimentos interiores e sua atividade
exterior, ao seu Criador e Redentor, e que desse modo observam aquele divino
mandamento: "Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a
tua alma, com toda a tua mente e com todas as tuas forças" (Mc 12,30; Mt
22,37). Além disso, têm a certeza de que honrar a Deus não os move
principalmente o proveito pessoal, corporal ou espiritual, temporal ou eterno,
e sim a bondade do próprio Deus, a quem eles procuram obsequiar com
correspondência de amor, com atos de adoração e com a devida ação de graças. Se
assim não fora, o culto ao sacratíssimo coração de Jesus não corresponderia ao
caráter genuíno da religião cristã, visto que com tal culto o homem não
honraria principalmente o amor divino; e não sem motivo, como às vezes sucede,
poder-se-ia increpar de excessivo amor e solicitude de si mesmos os que
entendem mal esta nobilíssima devoção ou não a praticam convenientemente.
64. Tenham, pois, todos a firme persuasão de que no
culto ao augustíssimo coração de Jesus o mais importante não são as práticas
externas de piedade, e que o motivo principal de abraçá-lo não deve ser a
esperança dos benefícios que Cristo nosso Senhor prometeu em revelações, e
estas privadas, precisamente para que os homens cumpram com mais fervor os
principais deveres da religião católica, a saber: o dever do amor e o da
expiação, e assim também obtenham da melhor maneira o seu próprio proveito
espiritual.
65. Exortamos, pois, todos os nossos filhos em Cristo
a praticarem com entusiasmo esta devoção, tanto os que já costumam beber as
águas salutares que manam do coração do Redentor, como sobretudo os que, à
guisa de espectadores, olham de longe, com curiosidade e dúvida. Considerem
esses com atenção tratar-se, como já dissemos, de um culto desde há tempos
arraigado na Igreja, e que se apóia solidamente nos próprios Evangelhos; de um
culto em favor do qual está claramente a tradição e a sagrada liturgia, e que
os próprios pontífices romanos exaltaram com muitos e grandes louvores; pois
não se contentaram com instituir uma festa em honra do coração do Redentor e
estendê-la a toda a Igreja, mas ainda tomaram a iniciativa de dedicar e
consagrar com rito solene todo o gênero humano ao mesmo sacratíssimo
coração.(42) Considerem, finalmente, os frutos copiosos e consoladores que a
Igreja tem colhido desta devoção: inúmeras conversões à religião católica, a fé
de muitos reavivada, a união mais estreita dos cristãos com o nosso amantíssimo
Redentor; frutos esses todos que, sobretudo nestes últimos decênios, têm sido
observados com maior freqüência e esplendor.
66. Ao contemplarmos este magnífico espetáculo da
extensão e do fervor com que a devoção ao sacratíssimo coração de Jesus se tem
propagado em toda classe de fiéis, sentimo-nos cheios de alegria e de
consolação; e, depois de darmos as devidas graças ao nosso Redentor, que é
tesouro infinito de bondade, não podemos deixar de nos congratular
paternalmente com todos os que têm contribuído eficazmente para promover este
culto, pertençam eles ao clero ou as fileiras dos simples féis.
2) Grande utilidade do culto ao sagrado coração de
Jesus nas atuais necessidades da Igreja
67. Veneráveis irmãos, embora a devoção ao sagrado
coração de Jesus tenha produzido em toda parte frutos salutares de vida cristã,
contudo ninguém ignora que a Igreja militante na terra, e sobretudo a sociedade
civil, ainda não alcançaram o grau de perfeição que corresponde aos desejos de
Jesus Cristo, esposo místico da Igreja e Redentor do gênero humano. Não são
poucos os filhos da Igreja que com numerosas manchas e rugas deturpam o rosto
materno que em si mesmos refletem; nem todos os cristãos brilham por santidade
de costumes, à qual por vocação divina são chamados; nem todos os pecadores que
em má hora abandonaram a casa paterna têm voltado para de novo vestir-se nela
com "a veste preciosa" (Lc 15,22) e pôr no dedo o anel, símbolo de
fidelidade para com o esposo de sua alma; nem todos os infiéis se incorporaram
ainda ao corpo místico de Cristo. Há mais. Porque, se bem que nos encha de
amarga dor o ver a fé definhar nos bons, e contemplar como, pelo falaz atrativo
dos bens terrenos, lhes decresce nas almas e aos poucos se apaga o fogo da
caridade divina, muito mais nos atormentam as maquinações dos ímpios, que,
agora mais do que nunca, parecem incitados pelo inimigo infernal no seu ódio
implacável e aberto contra Deus, contra a Igreja e, sobretudo, contra aquele
que representa na terra a pessoa do divino Redentor e a sua caridade para com
os homens, consoante a conhecidíssima frase do doutor de Milão, "(Pedro) é
interrogado sobre aquilo de que há dúvida, mas não o duvida o Senhor; pergunta,
não para saber, mas para ensinar àquele que, na sua ascensão ao céu, ele nos
deixava como vigário do seu amor".(43)
68. Certamente, o ódio contra Deus e contra os que
legitimamente lhe fazem as vezes é o maior crime que o homem pode cometer,
criado como foi este à imagem e semelhança de Deus, destinado a gozar da sua
amizade perfeita e eterna no céu; visto que peio ódio a Deus o homem se afasta
o mais possível do sumo Bem, sente-se impelido a repelir de si e do seu próximo
tudo quanto vem de Deus, tudo quanto une com Deus, tudo quanto conduz a gozar
de Deus, ou seja a verdade, a virtude, a paz e a justiça.(44)
69. Podendo, pois, observar que, por desgraça, cresce
em algumas partes o número dos que se jactam de ser inimigos do Senhor eterno,
e que os falsos princípios do "materialismo" se difundem teórica e
praticamente; e ouvindo como continuamente se exalta a licença desenfreada das
paixões, como estranharmos que em muitas almas se arrefeça a caridade, que é a
suprema lei da religião cristã, o fundamento mais firme da verdadeira e
perfeita justiça, o manancial mais abundante da paz e das castas delícias? Já o
advertiu o nosso Salvador: "Pela inundação dos vícios, arrefecer-se-á a
caridade de muitos" (Mt 24;12).
3) O culto ao sagrado coração de Jesus, lábaro de
salvação também para o mundo moderno
70. À vista de tantos males que, hoje como nunca,
transtornaram profundamente os indivíduos, as famílias, as nações e o orbe
inteiro, onde acharmos, veneráveis irmãos, um remédio eficaz? Poderemos
encontrar alguma devoção que se avantaje ao culto augustíssimo do coração de
Jesus, que corresponda melhor à índole própria da fé católica, que com mais
eficácia satisfaça as necessidades atuais da Igreja e do gênero humano? Que
homenagem religiosa mais nobre, mais suave e mais salutar do que este culto que
se dirige todo à própria caridade de Deus? (45) Por último, que pode haver de
mais eficaz do que a caridade de Cristo – que a devoção ao sagrado coração
promove e fomenta cada dia mais – para estimular os cristãos a praticarem em
sua vida a lei evangélica, sem a qual não é possível haver entre os homens paz
verdadeira, como claramente ensinam aquelas palavras do Espírito Santo:
"Obra da justiça será a paz" (Is 32,17)?
71. Pelo que, seguindo o exemplo do nosso imediato
antecessor, queremos lembrar de novo a todos os nossos filhos em Cristo a
exortação que, ao expirar o século passado, Leão XIII, de feliz memória,
dirigiu a todos os cristãos e a quantos se sentiam sinceramente preocupados com
a sua própria salvação e com a salvação da sociedade civil: "Vede hoje
ante vossos olhos um segundo lábaro consolador e divino: o sacratíssimo coração
de Jesus..., que brilha com refulgente esplendor por entre as chamas. Nele
devemos pôr toda a nossa confiança; a ele devemos suplicar e dele devemos
esperar a nossa salvação".(46)
72. Também vivamente desejamos que todos os que se
gloriam do nome de cristãos e lutam ativamente por estabelecer o reino de Jesus
Cristo no mundo, considerem a devoção ao coração de Jesus como bandeira e
manancial de unidade, de salvação e de paz. Ninguém pense que esta devoção
prejudique no que quer que seja as outras formas de piedade com que, sob a
direção da Igreja, o povo cristão venera o divino Redentor. Ao contrário, uma
fervorosa devoção ao coração de Jesus fomentará e promoverá, sobretudo, o culto
a santíssima cruz, não menos do que o amor ao augustíssimo sacramento do altar.
E, em realidade – como o evidenciam as revelações de Jesus Cristo a s.
Gertrudes e a s. Margarida Maria – podemos afirmar que ninguém chegará a sentir
devidamente a respeito de Jesus Cristo crucificado se não for penetrando nos
arcanos do seu coração: Nem será fácil entender o ímpeto do amor com que Jesus
Cristo se deu a nós por alimento espiritual se não é fomentando a devoção ao
coração eucarístico de Jesus; a qual – para nos valermos das palavras do nosso
predecessor Leão XIII, de feliz memória – nos recorda "aquele ato de amor
supremo com que, entornando todas as riquezas do seu coração, afim de prolongar
a sua estada conosco até a consumação dos séculos, o nosso Redentor instituiu o
adorável sacramento da eucaristia".(47) Certamente, "não é pequena a
parte que na eucaristia teve o seu coração, sendo tão grande o amor do seu
coração com que ele nô-la deu".(48)
73. Finalmente, desejando ardentemente opor segura
barreira as ímpias maquinações dos inimigos de Deus e da Igreja, como também
fazer as famílias e as nações voltarem ao amor de Deus e do próximo, não
duvidamos em propor a devoção ao sagrado coração de Jesus como escola
eficacíssima de caridade divina; dessa caridade divina sobre a qual se há de
construir o reino de Deus nas almas dos indivíduos, na sociedade doméstica e
nas nações, como sabiamente advertiu o nosso mesmo predecessor, de piedosa
memória: "Da caridade divina recebe o reino de Jesus Cristo a sua força e
a sua beleza; o seu fundamento e a sua síntese é amar santa e ordenadamente.
Donde necessariamente se segue o cumprir integralmente os próprios deveres, o
não violar os direitos alheios, o considerar os bens naturais como inferiores
aos sobrenaturais, e o antepor o amor de Deus a todas as coisas".(49)
74. A fim de que a devoção ao coração augustíssimo de
Jesus produza frutos mais copiosos na família cristã e mesmo em toda a
humanidade, procurem os féis unir a ela estreitamente a devoção ao coração
imaculado da Mãe de Deus. Foi vontade de Deus que, na obra da redenção humana,
a santíssima virgem Maria estivesse inseparavelmente unida a Jesus Cristo;
tanto que a nossa salvação é fruto da caridade de Jesus Cristo e dos seus
padecimentos, aos quais foram intimamente associados o amor e as dores de sua
Mãe. Por isso, convém que o povo cristão, que de Jesus Cristo, por intermédio
de Maria, recebeu a vida divina, depois de prestar ao sagrado coração o devido
culto, renda também ao amantíssimo coração de sua Mãe celestial os correspondentes
obséquios de piedade, de amor, de agradecimento e de reparação. Em harmonia com
esse sapientíssimo e suavíssimo desígnio da divina Providência, nós mesmo, por
ato solene, dedicamos e consagramos a santa Igreja e o mundo inteiro ao coração
imaculado da santíssima Virgem Maria.(50)
4) Convite para celebrar dignamente o primeiro
centenário da festa do sagrado coração de Jesus na Igreja universal
75. Completando-se felizmente este ano, como antes
indicamos, o primeiro século da instituição da festa do sagrado coração de
Jesus em toda a Igreja, instituição promovida pelo nosso predecessor Pio IX, de
feliz memória, é vivo desejo nosso, veneráveis irmãos, que o povo cristão
celebre este centenário solenemente em toda parte, com atos públicos de
adoração, de ação de graças e de reparação ao coração divino de Jesus. Com
especial fervor serão, sem dúvida, celebradas estas solenes manifestações de
alegria cristã e de cristã piedade – em união de caridade e em comunhão de
orações com todos os demais fiéis naquela nação em que por desígnio de Deus,
nasceu a santa Virgem que foi promotora e propagadora infatigável desta
devoção.
76. Entrementes, animado de doce esperança, e já
pressagiando os frutos espirituais que da devoção ao sagrado coração de Jesus
hão de transbordar copiosamente na Igreja se esta devoção, conforme explicamos,
for entendida retamente e praticada com fervor, a Deus suplicamos que, com o poderoso
auxílio da sua graça, queira atender estes nossos vivos desejos, e fazer que,
com a ajuda divina, as celebrações deste ano aumentem cada vez mais a devoção
dos féis ao sagrado coração de Jesus, e assim se estenda mais por todo o mundo
o seu império e reino suave; esse "reino de verdade e de vida, reino de
santidade e de graça, reino de justiça, de amor e de paz".(51)
77. Como penhor destes dons celestiais, concedemo-vos
de todo o coração a bênção apostólica, tanto a vós pessoalmente, veneráveis
irmãos, como ao clero e a todos os fiéis confiados à vossa solicitude pastoral,
e em especial àqueles que de propósito fomentam e promovem a devoção ao sagrado
coração de Jesus.
Dado em Roma, junto de São Pedro, no dia 15 de maio de
1956, ano XVIII do nosso pontificado.
PIO PP. XII.
Notas
(1) Enc. Annum Sacrum., de 25 de maio de 1899; Acta
Leonis, 19(1900), pp. 71, 77-78.
(2) Enc. Miserentissimus Redemptor, de 8 de maio de
1928; AAS 20(1928), p.167.
(3) Cf. Enc. Summi Pontificatus, de 20 de outubro de
1939; AAS 31(1939), p. 415.
(4) Cf.AAS 32(1940), p. 276; 35(1943), p.170;
37(1945), pp. 263-264; 40(1948), p. 501; 41(1949), p. 331.
(5) Conc. Ephes., cân. 8; cf. Mansi, Sacrorum
Conciliorum amplissima collectio, IV,1083, C.; Conc. Const. II, cân. 9; cf.
ibid., IX, 382 E.
(6) Cf. Enc. Annum Sacrum: Acta Leonis, 19 (1900), p.
76.
(7) Summa Theol., I-II, q. 2, a. 7; ed. Leon. t.
8,1895, p. 34.
(8) Summa Theol., III, q. 48. a. 2 ; ed. Leon. t.
XI,1903, p. 464.
(9) Cf. Enc. Miserentissimus Redemptor; AAS 20(1928),
p.170.
(10) Summa Theol., III, q. 46, a. l ad 3; ed. Leon.,
t. XI,1903, p. 436.
(11) S. Leão Magno, Epist. dogm: "Lectis
dilectionis tuae" ad Flavianum Const. Patr. de 13 de junho de 449; cf. PL
54, 763.
(12) Conc. Chaelced. (a. 451); cf. Mansi. Op. cit.
VII,115 B.
(13) S. Gelasio Papa, Tract. III:
"Necessarium" De duabus naturis in Christo, cf. A. Thiel, Epist. rom.
pont, a s. Hilaro usque ad Pelagium II, p. 532.
(14) Cf. s. Tomás, Summa theol., III, q. 15, a. 4; q.
18, a. 6; ed. Leon. t. Xl, 1903, pp.189 e 237.
(15) Apol. 2,13; PG 6, 465.
(16) Epist. 261, 3; PG 32, 972.
(17) In Joann. Homil. 63, 2; PG 59, 350.
(18) De fide ad Gratianum, II, 7, 56; PL 16, 594.
(19) Cf. Super Matth., 26, 37; PL 26, 205.
(20) Enarr. Ps. 87, 3; PL 37,1111.
(21) De Fide Orth., III, 6; PG 94,1006.
(22) Ibid., III, 20; PG 94,1081.
(23) Summa theol., I-II, q. 48, a. 4; ed. Leon. t.
VI,1891, p. 306.
(24) Cf. Summa theol., III, q. 9, aa. l-3; ed. Leon.
t. XI,1903, p.142.
(25) Cf. ibid., III, q. 33, a.2 até 3; q. 46, a. 6;
ed. Leon. t. XI,1903, pp. 342, 433.
(26) Registr. epist., lib. IV, ep. 31 ad Theodorum
medicum: PL 77, 706.
(27) De sancta virginitate, VI; PL 40, 399.
(28) Cf. s. Tomás, Summa theol., III, q.19, a. l; ed.
Leon., t. XI,1903, p. 329.
(29) Summa theol., Suppl., q. 42, a. l até 3; ed.
Leon., t. XII,1906, p. 81.
(30) Hino das Vésp. da festa do sagrado coração de
Jesus.
(31) Summa theol, III, q. 66, a. 3, ed. Leon., t.
XII,1906, p. 65.
(32) S. Boaventura, Opusc. X: Vitis mystica, c. III,
n. 5: Opera Omnia, Ad Claras Aquas (Quaracchi), 1898, t. VIII, p. 164; cf, s.
Tomás, Summa theol., III, q. 54, a. 4; ed. Leon., t. XI,1903, p. 513.
(33) Cf. Summa theol., III, q. 48, a. 5; ed. Leon., t.
XI,1903, p. 467.
(34) Cf. Carta enc. Miserentissimus Redemptor: AAS
20(1928), pp.167-168.
(35) Cf. A. Gardellini, Decreta authentica, 1857, n.
4579, t. III, p.174.
(36) Cf. Decr. S. C. Ritum em N. Nilles, De rationibus
festorum Sacratissimi Cordis Iesu et purissimi Cordis Mariae, 5e ed.
Innsbruck,1885, t. I, p.167.
(37) Inocêncio XI, Const. Ap. Coelestis Pastor, (19 de
novembro de 1687): Bullarium Romanum, Romae 1734, t. VIII, p. 443.
(38) Summa theol., II-II, q. 81, a. 3; ed. Leon., t.
IX,1897, p.180.
(39) Comment. in Evang, s. Joannis, c. XIII, lect.
VII, 3; ed. Parmae,1860, t. X, p 541.
(40) Summa theol., II-II, q. 82, a, l; ed. Leon. t.
IX,1897, p.187.
(41) Ibid., I, q. 38, a. 2; ed. Leon. t. N,1888, p.
393.
(42) Cf. Leão XIII, Enc. Annum Sacrum: Acta Leonis,
vol. 19(1900), p. 71s; Decr. S.C. Rituum, 28 de jun. de 1899, in Decr. Auth.
III, n. 3712; Pio XI, Enc. Miserentissimus Redemptor; AAS, 20(1928), p.177s;
Decr. S.C. Rituum, (29 de jan. de 1929): AAS 21(1929), p. 77.
(43) S. Ambrósio, Exposit. in Evang. sec. Lucam, t. X,
n.175: PL 15,1942.
(44) Cf. s. Tomás, Summa Teol., II-II, q. 34, a. 2;
ed. Leon. t. VIII,1895, p 274.
(45) Cf. Enc.
Miserentissimus Redemptor: AAS 20(1928), p.166.
(46) Enc. Annum sacrum: Acta Leonis, 19(1900,) p. 79;
Enc. Miserentissimus Redemptor: AAS 20(1928), p.167.
(47) Carta Apost. quibus Archisodalitas a Corde
Eucharístico lesu ad S. Joachim de Urbe erigitur". (17 de fevereiro de
1903): Acta Leonis, 22(1903), p. 307s; cf. Enc. Mirae caritatis, (22 de maio de
1902): Acta Leonis, 22(1903), p.116.
(48) S. Alberto Magno, De Eucharistia, dist. VI, tr.
l, c. l: Opera Omnia, ed. Borguet, vol. 38, Paris,1890, p. 358.
(49) Enc. Tametsi: Acta Leonis, 20(1900), p. 303.
(50) Cf. AAS 34(1942), p. 345a.
(51) Do Missal Rom. Prefácio de Cristo Rei.
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