"A segunda dificuldade a que nos referimos está, assim, intimamente
ligada à primeira, conquanto sugira mais facilmente um curso de ação."
Tradução: Raul
Martins
C.K.Chesterton
UM artigo, semana passada, continha tanto um alarme
contra a desesperação perante a crise que ora nos aflige quanto um lembrete
daquilo que poderíamos conseguir, tão-só houvesse uma vontade unificada. Não
fingimos que haja, atualmente, uma unidade na Inglaterra ou na Europa. Há
ademais confusão, cujo perigo é ainda maior; pois faz com que homens tomem
ações contra o mal sem saberem o que seja bom. Portanto, faz-se mister que
aqueles que perceberam as causas do colapso do sistema industrial, que atinaram
com os primórdios daquele colapso e foram capazes, assim, de profetizá-lo, não
poupem esforços na empresa de restaurar a segurança e a sanidade; que ignorem
conselhos desesperados enquanto buscam propagar conselhos, se não de perfeição,
ao menos de bem-estar.
Bem sabemos que o modo de se sanar as enfermidades de
nossa civilização é levarmos a cabo uma real concepção de liberdade, restaurar
a dignidade do homem e a independência da família, apropriadamente
salvaguardada pela distribuição da propriedade. A riqueza e o poder tornaram-se
a posse de uns poucos, o Estado tem mutilado a autoridade da família e o
artesão tem sido reduzido ao nível de um servo. Duas dificuldades têm de ser
vencidas, porém, antes que se possa aplicar a cura. Uma é que a liberdade não pode
ser estabelecida por uma minoria impotente na política; outra, que cada vez
mais gentes parecem dispostas a sacrificar sua liberdade e a liberdade de suas
famílias por alguma sorte nominal de segurança econômica.
Muitos anos se passaram até que o falso sistema em que
vivemos se desenvolvesse até o ponto de tornar-se pesado demais no topo e
colapsasse. Pode ser que se passem muitos outros anos para tirarmos algum bem
do dano. Roma não foi reconstruída num dia. Se por um golpe de sorte se
tornasse possível legislar, neste país e no Continente, pela proteção do
pequeno artesão, pela posse da propriedade pelo membro da comunidade médio e
pelo retorno da responsabilidade da família, pode ser que se concretize, cedo,
a possibilidade de ainda outro colapso. Seguir-se-lhe ia, então, uma tentativa
de tornar, à força, os homens livres, em circunstâncias mais complexas do que
aquelas em que os escravos americanos foram libertos. E a tentativa poderia
muito bem falhar. Sobre isso, porém, não precisamos especular. É de todo
duvidoso que os países industrializados, por causa dos efeitos do
industrialismo, vejam qualquer retorno repentino à normalidade levado a cabo
pelo governo. Há mais chances de uma recuperação morosa porém contínua,
estendendo-se talvez por gerações, através dos esforços de indivíduos em
trabalhos práticos e no empenho de exercerem tanta influência quanto puderem
sobre seus vizinhos.
A segunda dificuldade a que nos referimos está, assim,
intimamente ligada à primeira, conquanto sugira mais facilmente um curso de
ação. Pois se os problemas de agora devem-se ao divórcio das pessoas de sua
terra e de seus direitos, o remédio para estes problemas deve aguardar até que
se espalhe o entendimento. Um homem desesperadamente enfermo, que só se pode
salvar por meio de uma cirurgia, pode ter sido afetado a ponto de sofrer um
colapso nervoso, e, pois, não resistir ao choque de uma operação. Sua posição
é, em alguma medida, análoga àquela de uma nação que, por ter aceitado um modo
de vida artificial, acabou por perder o desejo de se recuperar. Naquele caso,
os doutores têm de lidar com o colapso nervoso antes de botarem o homem numa
cirurgia. Neste, as mentes dos homens têm de mudar antes que eles possam
melhorar seus hábitos.
Nada de bom se poderá atingir ao minimizarmos, e
certamente não por ignorarmos esta condição, no mais uma das principais
responsáveis pelo embasbacamento de assim chamados líderes e pelo sucesso de
mestres subversivos. Aqueles, portanto, desejosos de encontrar um caminho para
a vitória, têm de ser pacientes tanto quanto determinados, devem pregar,
talvez, um pouco mais ativamente do que se engajam, pessoalmente, em trabalhos
normais.
Injustiças têm de ser removidas, maus sistemas
alterados e valores humanos tornados efetivos, uma vez mais e em suas ordens
apropriadas. Mas essas coisas não podem ser feitas enquanto os homens e
mulheres da nação permanecerem ignorantes, apáticos e mesmo antagônicos àquilo
que deveriam prezar. Não se pode combater o comunismo com certeza de sua
derrota até que as próprias pessoas reconheçam, de instinto, por que o
comunismo é errado. Não se pode impedir que o socialismo espalhe-se até que se
aclarem de todo seus erros. Não temos como substituir o capitalismo facilmente
se a maioria em nosso redor não enxerga os principais porquês de o capitalismo
ter falhado.
A fim de mudarmos as condições em que fomos colocados
e em que, provavelmente, seremos colocados, será necessário, portanto, mudarmos
as cabeças das pessoas; convencê-las de que a liberdade vale a pena, de que o
homem tem uma dignidade para preservar, de que o trabalho com as mãos é honroso
e de bom uso para a mente, de que um homem deveria ter uma casa real e
protegê-la. A tarefa, ai de nós!, não é fácil. Exige que se argumente, que se
escreva; exige sacrifícios pessoais, aborrecimentos ínfimos, pequenos sinais,
sem dúvida, de estarmos a progredir. Se nós mesmos, porém, não virmos os
resultados, outros verão. E permanece a ser considerada a possibilidade de que
o abalo causado por desastres recentes pode ter tornado as pessoas mais
receptivas a idéias corretas, ou lhes tenha aclarado na mente aqueles
princípios que, conquanto não de todo abandonados, haviam sido parcialmente
esquecidos, e aos quais as pessoas se mostraram instintivamente prontas a
reagir em tempos de crises.
Tantos quantos possam fazê-lo haverão de retornar,
agora, para a terra ou para o artesanato, tentarão sustentar a si mesmos e a
suas famílias sem dependerem de mestres poderosos e que só sabem olhar para
finanças, assegurarão alguma pequena propriedade e submeter-se-ão em fidelidade
na medida em que a deverem e na ordem correta. Estes são os pioneiros que
devemos assistir, encorajar, imitar. E podem fazer ainda mais, ao tornar sabido
para todos que lhes quiserem dar ouvidos as razões que os impeliram a trabalhar
independentemente no sistema prevalecente. Pode ser que outros, ainda presos ao
sistema, desejem uma eventual liberdade de ação, enquanto mantêm a mais
importante obra de propaganda. De quando em quando, eles podem imaginar estar
sob a liderança da sra. Partington,1notarão, porém, se o colapso desta
civilização for mais lento do que parecem pensar os apavorados políticos, que
enormes resultados podem seguir-se a realizações ou tentativas individuais. Se,
por todo o país, pequenos grupo de pessoas determinadas lograrem êxito, não por
agitação mas por preceitos e exemplos, em formar um melhor sistema dentro deste
a colapsar, a mudança da anormalidade para a normalidade pode dar-se sem
maiores perturbações. Estes grupos, porém, terão de ser determinados sem
negligenciar estratégias, e com poderosos exemplos. Simplesmente esperarmos,
inativos, pela falência final, ou agirmos cega ou imprudentemente, seria adiar
a recuperação até termos sido forçados a suportar as piores formas de servidão
ou anarquia.
———————
Sra. Partington,
personagem anedótica criada pelo humorista americano Benjamin Penhallow
Shillaber, e famosa por ter tentado limpar, no rodo, uma onda d’água.
Chesterton faz-lhe alusão para dizer, noutras palavras, que as gentes engajadas
nas mudanças propostas poderiam sentir-se a lutar inutilmente contra algo
inevitável.
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