"MAS DEVE ACIMA DE TUDO REFERIR A DEUS NOSSO SENHOR, ABSOLUTAMENTE, TUDO O QUE É, NA ORDEM NATURAL E NA ORDEM SOBRENATURAL."
Alberto Carlos Rosa Ferreira das Neves Cabral
Escutemos o Papa São Pio X, em excertos da encíclica
“Sacrorum Antistitum”, promulgada em 1 de Setembro de 1910:
« Nos seminários é
necessário que todos os aspectos da educação tenham nisto convergência: Que
seja formado um sacerdote digno desse nome. Afinal, não se deve pensar que
essas habitações comuns sejam abertas sòmente aos estudos e à piedade. Toda a
formação estrutura-se sobre ambas, e a convivência entre elas são como arenas
onde se plasma a Sagrada milícia de Nosso Senhor Jesus Cristo, mediante
diuturno exercício. Para que desses Seminários saia contingente sòlidamente
formado, são necessárias duas coisas: A DOUTRINA PARA A PERFEIÇÃO DA MENTE, E A
VIRTUDE PARA A PERFEIÇÃO DA ALMA.
A primeira requer
que a juventude que frequenta as ciências Sagradas seja, antes de tudo, educada
com as disciplinas que têm parentesco estreito com os estudos das coisas
Divinas; a segunda exige observância particular da virtude e da constância.
Observem, então, os responsáveis pelo estudo e pela piedade, quanta esperança
depositam os alunos sobre eles, e também observem a fundo qual seja a índole de
cada um; SE SE COMPRAZEM NAS PRÓPRIAS QUALIDADES MAIS DO QUE É JUSTO, OU SE
PARECEM ASSSUMIR DISPOSIÇÕES PROFANAS;
SE SÃO DÓCEIS À OBEDIÊNCIA, DISPOSTOS À PIEDADE, NÃO MUITO CHEIOS DE SI;
OBSERVANTES DAS NORMAS; SE TENDEM À DIGNIDADE DO SACERDÓCIO, COM A RECTA
INTENÇÃO QUE LHES É PROPOSTA, OU, AO INVÉS, SÃO MOVIDOS POR INTENÇÕES HUMANAS,
E SE, ENFIM, SÃO RICOS DA CONVENIENTE
SANTIDADE DE VIDA E DE DOUTRINA; OU, AO MENOS, SE FALTANDO ALGUMA DESTAS
COISAS, PROCURAM ADQUIRI-LAS COM ÂNIMO SINCERO E RESOLUTO.
A indagação não é excessivamente difícil, do momento que
manifestam imediatamente a ausência das virtudes que nomeamos, QUER QUANDO OS
DEVERES RELIGIOSOS SÃO CUMPRIDOS COM SIMULAÇÃO, QUER QUANDO A DISCIPLINA É
OBSERVADA POR MEDO, E NÃO, AO INVÉS, POR ORDEM DA CONSCIÊNCIA. Seja aquele que
a observa por temor servil, ou a rompe por leviandade e desprezo, ESSE TORNA-SE
INFINITAMENTE DISTANTE DA ESPERANÇA DE EXERCITAR SANTAMENTE O SACERDÓCIO. Não
se pode acreditar que aquele que despreza a disciplina doméstica não se
distanciará depois totalmente das Leis Públicas da Santa Igreja. Se o
responsável da Sagrada habitação dos jovens individualizasse alguém com essas
disposições de ânimo, e se depois de tê-lo admoestado uma ou duas vezes, e após
ter realizado experiência por um ano, compreendesse que esse não desiste do seu
costume, EXPULSE-O DE MODO A QUE NÃO MAIS SEJA ACOLHIDO, NEM POR ELE, NEM POR
OUTROS BISPOS.»
Escutemos a seguinte passagem do Profeta Isaías:
«Como a chuva e a neve descem do Céu, e para lá não
voltam, mas regam a terra para ela ficar fértil e produtiva, para dar semente
ao semeador e pão para comer; assim acontece com a Palavra que sai da Minha
boca (de Deus): Não volta para Mim vazia, sem ter realizado a Minha Vontade,
sem ter cumprido a Sua Missão.»
Is 55, 10-12
Cada ente espiritual, possui uma dignidade ontológica
objectiva, hierarquizável no quadro dos bens da Criação. Essa dignidade
ontológica deriva da realidade desse mesmo ente espiritual ser uma criatura de
Deus, criado para Glória extrínseca de Deus. É essa mesma DIGNIDADE ONTOLÓGICA
que explica e exige o castigo Eterno da criatura que for considerada por Deus
como desprovida da DIGNIDADE OPERATIVA necesssária para entrar no Reino dos
Céus.
Neste quadro conceptual, a Lei de Deus assegura-nos
que cada pessoa deve possuir o brio da própria dignidade, a consciência
ordenada do seu lugar na Hierarquia da Criação. Referimo-nos sobretudo aos
homens, porque os Anjos, conquanto tenham pecado por orgulho, não vivem nas
vicissitudes do tempo, nem na mutabilidade dramática da vida mortal.
O brio, ou pundonor, consciência ordenada da própria
dignidade, Sobrenaturalmente assumido, é essencial para a alma viver na Graça
de Deus, ornamentada com as Virtudes
Teologais, as Virtudes Morais, e os Dons do Espírito Santo.
O orgulho e o servilismo opõem-se frontalmente ao pundonor,
e opõem-se, na exacta medida, em que consubstanciam uma desordem moral
qualificada, na sobrestima, ou na depreciação, de si próprio, contradizendo
ambas a verdadeira humildade.
Infelizmente, certa falsa teologia moral, e certa
falsa mística, imbuídas de dualismo e de fariseísmo, julgam dever afastar-se
tanto do orgulho, que em vez de se edificarem na santa humildade – caem no
servilismo; que ostentam com arrogância.
Porque o servilismo oblitera a humildade tanto quanto
o orgulho e com IGUAL GRAVIDADE MORAL. Porque a verdadeira humildade, em
sentido lato, integra necessàriamente o pundonor, O QUAL COMPELE A ALMA A NÃO
SE DEPRECIAR DESORDENADAMENTE, ENQUANTO QUE A HUMILDADE, EM SENTIDO ESTRITO,
INCULCA NA ALMA O DEVER DE NÃO SE ESTIMAR DESORDENADAMENTE. Quer o orgulho,
quer o servilismo, envenenam a alma, deformando-a, desviando-a da Verdade e do
Bem, subvertendo-lhe a luz intelectual e moral que lhe é própria; não
intrìnsecamente, porque os primeiros princípios, enquanto tais, são
intangíveis; mas extrìnsecamente, na sua aplicação às vicissitudes concretas da
existência.
O pecado original foi essencialmente um pecado de
orgulho, quer nos Anjos, quer em Adão e Eva. Nos Anjos, os quais são
ontològicamente impecáveis na Ordem Natural, manifestou-se um orgulho indomável
perante a elevação ao estado Sobrenatural, pois que pretenderam ser
autosuficientes, comprazendo-se na própria excelência e prescindindo de Deus. Cumpre assinalar que os
Anjos, não podem ser ateus, porque o Ser Divino é para eles intuitivo na
perfeita transparência da sua espiritualidade angélica. Podem sim odiar a Deus;
o que acontece com os Anjos maus.
Em Adão e Eva, foi a força do orgulho que operou com
grande esforço moral negativo, a resolução de desobedecer a Deus, pois que esse
orgulho incorporava já a pretensão de Adão e Eva de ultrapassarem pelo
conhecimento e pelo poder, a privilegiada condição ontológica e moral em que
Deus Nosso Senhor os havia colocado.
Será o pecado de orgulho mais frequente do que o
pecado de servilismo? Assim parece de facto, mas tal não infirma a gravidade do
servilismo e sobretudo a já referida subversão interior que ele representa.
Porque o pecado não reside no facto da pessoa se ter em alta estima, ou, pelo
contrário, em pouca estima, não, o pecado radica NA DESORDEM OBJECTIVA
INTRÍNSECA COM QUE O FAZ; DESORDEM DAS FACULDADES, QUE REFLECTE ADEQUADAMENTE A
DESORDEM NO ACTO DE SER ESPIRITUAL, NÃO IDENTIFICADO COM A LEI ETERNA. E se o orgulho
é mais frequente do que o servilismo, tal deve filiar-se na tendência, até
certo ponto natural, do espírito para se engrandecer.
A humildade é constitutiva da santidade; na exacta
medida em que esta é uma OBRA-PRIMA DA GRAÇA DIVINA. Deus Nosso Senhor faz os
Seus santos assimilando-os a Si, à Sua Infinita perfeição, através da Graça
Santificante. Ora o santo, para ser santo, deve possuir uma determinada certeza
moral, MAS NÃO CERTEZA DE FÉ, do seu esforço para agradar a Deus, bem como do
seu progresso nas Virtudes Teologais e Morais; MAS DEVE ACIMA DE TUDO REFERIR A
DEUS NOSSO SENHOR, ABSOLUTAMENTE, TUDO O QUE É, NA ORDEM NATURAL E NA ORDEM
SOBRENATURAL. A Humildade Sobrenatural é
precisamente isto: NÓS, POR NÓS MESMOS, NADA SOMOS, NADA PODEMOS, MAS COM DEUS
NOSSO SENHOR PODEMOS TUDO, SE ELE ASSIM QUISER.
No servilismo a alma diminui-se e apouca-se Á MARGEM
DA LEI DE DEUS, COM PLENA INDEPENDÊNCIA DA LEI MORAL, MESMO NATURAL, E SEM
QUERER SABER NADA DOS DESÍGNIOS DA PROVIDÊNCIA; e frequentemente, ESSE
SERVILISMO MAL ESCONDE UM SECRETO E DESMEDIDO ORGULHO.
No tempo de São Filipe de Nery (1515-1595) corria a
fama de uma certa senhora, considerada santa. Foi solicitado ao santo que
indagasse sobre as reais virtudes da dita senhora. Lá foi o santo, no meio de
uma tempestade, até que chegou à cabana da senhora, com os pés todos
enlameados. São Filipe de Nery pediu então à senhora para lhe limpar as botas.
A mulher demonstrou imediatamente a sua grande indignação e aviltamento pelo
que lhe havia sido solicitado.
NÃO É SANTA, NEM FAZ MILAGRES – concluiu o santo –
PORQUE NÃO É HUMILDE!
Na realidade, a alma humilde trabalha sempre pela
Glória de Deus, e quando pensa em si, o que é legítimo, procede de forma
essencialmente objectiva. Porque a alma em ascensão Sobrenatural para Deus
Nosso Senhor, com a Maternal Mediação da Virgem Santíssima, totalmente
desprendida de si mesma, em sentido subjectivo, difere infinitamente da alma
servil, porque a alma santa esquece-se de si mesma, precisamente, enquanto sabe
que foi criada do nada, elevada gratuitamente ao estado Sobrenatural, redimida
por Nosso Senhor, e que até por corresponder à Graça tem de agradecer a Deus.
Ao passo que a alma servil, ao menosprezar-se desordenadamente a si mesma, ESTÁ
A DESDOURAR A OBRA DE DEUS, RECUSANDO TODOS OS BENEFÍCIOS IRRADIADOS PELO CÉU.
O pecado do servilismo assemelha-se ao pecado da insensibilidade, acusado por
São Tomás, quando a alma, por falta de santidade, é incapaz de governar
sobrenaturalmente as riquezas da Criação.
Finalmente: A alma verdadeiramente agradecida, como
tantas vezes vemos nos Evangelhos, É SEMPRE HUMILDE; é serviçal, MAS NÃO
SERVIL; POSSUI, EM DEUS NOSSO SENHOR, A CONSCIÊNCIA DA PRÓPRIA DIGNIDADE, MAS
UMA DIGNIDADE QUE LHE VEM DO ALTO, DAQUELE QUE DA ÁRVORE DA CRUZ A AMOU TANTO,
TANTO, QUE TUDO DEU PELA SUA SALVAÇÃO.
LOUVADO SEJA NOSSO SENHOR JESUS CRISTO
Lisboa, 18 de Setembro de 2016
Alberto Carlos Rosa Ferreira das Neves Cabral
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