"Então o espírito maligno se adiantou e disse: “Eu o enganarei”. E o Senhor lhe disse: “De que modo?” E ele respondeu: “Eu sairei, e serei um espírito mentiroso na boca de todos os seus profetas”."
Pe João Batista de A. Prado Ferraz Costa
A parte sã do catolicismo tomou
conhecimento, possuída de um sentimento misto de surpresa e conforto, da
interpelação dirigida ao santo padre por quatro cardeais a propósito de
problemas de teologia moral suscitados pela exortação pós-sinodal Amoris
Laetitia. A solene interpelação, que restou ignorada pelo destinatário,
consistiu nas dubia referentes,
basicamente, a duas questões: podem ou não os divorciados “recasados”
civilmente receber os sacramentos da confissão e da eucaristia; há ou não há
ações intrinsecamente más, ou seja, há normas morais absolutamente obrigatórias
independentemente das circunstâncias?
O motivo da surpresa da parte sã do
catolicismo diante da reação dos cardeais à revolução bergogliana é que os
eminentes purpurados são eclesiásticos que, ao que consta, jamais manifestaram
uma discordância quanto ao curso percorrido pela Igreja desde o Vaticano II.
Aliás não seriam criados cardeais pelos papas da Igreja conciliar.
Quer dizer, são dignitários que aceitam,
por exemplo, a Gaudium et spes, documento conciliar que
introduz uma mudança na doutrina da Igreja sobre a hierarquia de fins do
matrimônio (o que, sem dúvida, favorece a ideia tão cara aos católicos
modernos, de aceitar a possibilidade de reconstruir uma vida feliz após o
fracasso de um primeiro casamento, esquecidos do dogma da indissolubilidade do
vínculo). São cardeais que aceitam Dignitatis humanae, a
declaração conciliar sobre a liberdade dos cultos, que dá primazia à
consciência errônea sobre a verdade objetiva. Declaração que escarnece o bem
comum da sociedade representado pela unidade do povo cristão em torno da religião
católica como sua alma. Declaração que, em germe, contém os erros flagrantes da
exortação pós-sinodal ora impugnada.
São cardeais que aceitam do mesmo modo a
nova exegese proposta pela Dei Verbum, que nega a inerrância
absoluta da Sagrada Escritura, restringe a divina inspiração bíblica às
verdades salvíficas e adota a teoria protestante de uma única fonte bíblica da
revelação. De maneira que, nesta perspectiva, os purpurados autores da
interpelação contra o pontífice, em princípio, não são teólogos da tradição em
sentido estrito.
Em suma, os interpelantes aceitam
perfeitamente o concílio, o espírito do concílio, a reforma litúrgica, o
ecumenismo, o espírito de Assis, a nova eclesiologia da Lumen gentium,
com a sua infeliz expressão subsistit. A qual expressão também
favorece os erros que consideram encerrados em Amoris Laetitia,
na medida em que diz que a Igreja de Cristo é constituída pelas igrejas
cismáticas que há milênios aceitam as orientações da exortação de Francisco I.
De modo que o motivo da surpresa ou
espanto é que os senhores cardeais sabem apontar os problemas doutrinários da
exortação pós-sinodal sem, todavia, verem a relação dos mesmos com o Concílio
Vaticano II, quando Francisco I, com toda razão, diz seguir o concílio e o
caminho traçado por seus predecessores. É realmente desejável que os cardeais
interpelantes verifiquem que há tal relação e se lembrem de que um pequeno erro
no princípio se torna grande no fim. Se é que se pode dizer que os erros do
Vaticano II são pequenos!
Com efeito, acode-me à memória a
história do rei Acab. Diz o III livro dos Reis que, quando o Senhor quis
induzi-lo em erro consultou todo o exército do céu e perguntou quem enganaria a
Acab. Então o espírito maligno se adiantou e disse: “Eu o enganarei”. E o
Senhor lhe disse: “De que modo?” E ele respondeu: “Eu sairei, e serei um
espírito mentiroso na boca de todos os seus profetas”. E o Senhor disse: “Tu o
enganarás, e prevalecerás: Sai, e faze-o assim.”
O Doutor Santo Agostinho comenta a
passagem bíblica dizendo que “era justo que Acab, que não tinha crido no Deus
verdadeiro, fosse enganado pelo falso.”
O que quero dizer é que todos os
teólogos que desprezaram ou relativizaram o alto alcance da Pascendi
de São Pio X e não quiseram ouvir a Humani generis de Pio XII, mas aderiram
à Nouvelle Theologie e
constituíram a “linha média” da Igreja pós-conciliar, e motejaram dos católicos
da tradição como uns estouvados, uns exagerados e radicais que não sabiam
interpretar bem o Vaticano II, e hoje estão perplexos com a desenvoltura de
Francisco I, foram merecidamente enganados pelo espírito mentiroso por uma
especial permissão divina, justamente por terem desprezado, por exemplo, o
alcance do magistério tradicional e menoscabado daqueles que, como Dom Lefèbvre
e Dom Antonio de Castro Mayer, (a quem acusavam de ser rebeldes e
cismáticos, as mesmas injúrias que hoje são assacadas contra eles) diziam que
as inovações do Vaticano II levariam à ruína da Igreja.
Sem dúvida, a linha média, que hoje se
sente enganada e escandalizada com as atitudes de Francisco I, paga o preço da
aliança que fez com a ala mais radical da Nouvell Theologie para vencer, nos embates do concílio
Vaticano II, os católicos que queriam permanecer fieis aos anátemas lançados
pelos grandes papas contra o liberalismo e o modernismo. Na verdade, queriam
o aggiornamento. Mas agora não querem colher seus frutos mais
amargos.
Bem sabemos: Nosso Senhor não
abandona a sua Igreja. Não permitirá que o espírito mentiroso chegue a
destruí-la. Serve-se dele apenas para castigar os infiéis. Este é o nosso
conforto.
De modo que cremos que Deus Nosso
Senhor, por intercessão da Imaculada Conceição, poderá conceder a todos os
católicos da linha média, que hoje estão escandalizados, a graça de que cessem
de ouvir os falsos profetas inspirados pelo espírito mentiroso, tomem
consciência dos problemas não só da exortação Amoris
Laetitia mas também dos
“pequenos erros” do Vaticano e de todas as problemáticas reformas
pós-conciliares.
Mas se acolherem essa graça terão de
sofrer como Miqueias, o profeta verdadeiro desprezado por Acab. Miqueias foi
condenado à cadeia e a ser sustentado com o pão de tribulação e a água de
angústia. Semelhante sorte parece reservada aos quatro cardeais, pelo que disse
há pouco o presidente da Rota Romana.
Tenho esta esperança. Rogo a Deus pelos
cardeais interpelantes.
Oxalá possa alguém escrever sobre eles
um livro semelhante àquele que há muitos anos atrás foi escrito por Dr. Ricardo
Dip: “Monseigneur Marcel Lefèbvre: rebelde ou católico?
Anápolis, 2 de
dezembro de 2016.
Festa de Santa
Bibiana, virgem e mártir
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Antes de postar seu comentário sobre a postagem leia: Todo comentário é moderado e deverá ter o nome do comentador. Caso não tenha a identificação do autor (anônimo) ou sua origem via link não seja identificada e mesmo que não tenha o nome do emitente no corpo do texto, bem como qualquer tipo de identificação, poderá ser publicado se julgarmos pertinente ou interessante ao assunto, como também poderá não ser publicado, mesmo com as devidas identificações do autor se julgarmos o assunto impertinente ou irrelevante. Todo e qualquer comentário só será publicado se não ferir nenhuma das diretrizes do blog, o qual reservamos o direito de publicar ou não, bem como de excluí-los futuramente. Comentários ofensivos contra a Santa Madre Igreja não serão aceitos; de hereges, de pessoas que se dizem ateus, infiéis, de comunistas só serão aceitos se estiverem buscando a conversão e a fuga do erro. De indivíduos que defendem doutrinas contra a Verdade revelada, contra a moral católica, de apoio a grupos ou ideias que, contrários aos ensinamentos da Igreja, ao catecismo do Concílio de Trento, ferem, denigrem, agridem, cometem sacrilégios a Deus Pai, Deus Filho, Deus Espírito Santo, a Mãe de Deus, seus Anjos, Santos, ao Papa, ao clero, as instituições católicas, a Tradição da Igreja, também não serão aceitos. Apoio a indivíduos contrários a tudo isso, incluindo ao clero modernista, só será publicado se tiver uma coerência e não for qualificado como ofensivo, propagador do modernismo, do sedevacantismo, do protestantismo, das ideologias socialistas, comunistas e modernistas, da maçonaria e do maçonismo, bem como qualquer outro tópico julgado impróprio, inoportuno, imoral, etc. Alguns comentários podem ser respondidos via e-mail, postagem de resposta no blog, resposta no próprio comentário ou simplesmente não respondido. Reservo o direito de publicar, não publicar e excluir os comentários que julgar pertinente. Para mensagens particulares, dúvidas, sugestões, inclusive de publicações, elogios e reclamações, pode ser usado o quadro CONTATO no corpo superior do blog versão web. Obrigado! Adm do blog.