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Jesus cura o cego de nascença – Duccio Di Buoninsegna, séc. XIV, National Gallery, Londres |
Indagação corriqueira e facilmente compreensível à luz da doutrina
católica, infelizmente não mais ensinada com adequação nos dias atuais. Em
consequência, vai se alastrando a incompreensão do plano de nosso Criador.
Valdis Grinstein
Muitas vezes
encontramos pessoas que, sabendo da nossa condição de católicos, nos perguntam,
como se fôssemos membros de uma religião absurda ou contraditória: “Por que
Deus, sendo bom, deseja que as pessoas sofram?”.
Depois dessa pergunta
são apresentadas outras, no mesmo sentido: — Por que as crianças adoecem? — Por
que muitas vezes os bons morrem jovens e os maus vivem por muito tempo? — Por
que há bandidos ricos e pessoas boas e pobres? — Por que alguns têm boa saúde,
inteligência, sorte etc., enquanto para outros tudo sai errado? — Por que temos
de morrer? E, nesse mesmo tom, prosseguem por muito tempo, no fundo
queixando-se de que Deus operou uma criação imperfeita, mal organizada e, no
fundo, injusta. E se é uma criação errada, como pode ser Deus? Como um Ser
perfeito pode ser autor de uma criação imperfeita?
Observemos, de
início, que as perguntas estão mal formuladas. A pergunta correta deveria ser:
por que Deus deseja que soframos nesta vida? Que Deus é bom prova-o o fato de
Ele desejar que sejamos felizes para sempre, mas na vida eterna.
As pessoas que fazem
perguntas desse gênero não têm uma visão completa do problema. Seria como
alguém que dissesse que o médico é mau porque operou uma pessoa do apêndice e a
operação foi dolorida.
Provar o verdadeiro sentido do amor a Deus
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A Criação – representação medieval |
Para responder corretamente a todas essas perguntas importa
considerar o panorama inteiro. Que plano tinha Deus ao criar?
Ele, em sua
bondade, colocou o homem e a mulher num paraíso onde eles dispunham de tudo que
causa felicidade à nossa natureza. Possuíam ciência infusa, não adoeciam nem
morriam e mantinham contato com o próprio Criador. Os teólogos julgam que no
Paraíso Terrestre, conhecendo todas essas maravilhas, o homem devia
aperfeiçoar-se com a contemplação delas e crescer no amor a Deus. E isto, de
tal maneira que, em determinado momento, quando tivesse chegado a um alto grau
de amor, iria diretamente para o Céu, sem morrer.
Entretanto, para
que tal plano fosse perfeito, seria necessário que os homens passassem por uma
prova. Qual a razão? Porque se alguém nos ama e nos concede tudo e nós não
podemos oferecer-lhe nada em troca, sentir-nos-íamos frustrados. Era necessário
que, em determinado momento, o homem, submetido a uma prova, pudesse dizer:
“Pude escolher entre Vós, entre vosso amor e tal ou qual prazer; e como
renunciar a esse prazer, provo assim o meu amor”.
O Criador
altera o plano original
Mas, o que
aconteceu quando Adão e Eva foram submetidos a uma prova no paraíso terrestre?
E fracassaram completamente. Amaram a si próprios mais do que a Deus. Eles não
sentiam inclinação alguma para o mal, não tinham falhas de inteligência ou
qualquer motivo de queixa contra o Criador. Por isso seu pecado foi gravíssimo,
muito mais grave do que os nossos, pois nascemos com inclinação para o mal. Tão
grave, que Deus, em sua sabedoria, mudou o plano original.
Contudo, o que
havia de mais importante no plano original da Criação, se manteve: o homem
podia ir para o Céu e ser feliz por toda a eternidade. Apenas alterou a forma
de alcançá-lo. Desde então, ele não mais viveria num paraíso nem teria todas as
perfeições naturais possíveis. Pelo contrário, nasceria com o pecado original —
que o inclinaria para o mal. Como consequência desse defeito, teria falhas de
inteligência, más inclinações, falta de constância, adoeceria e, sobretudo,
morreria para obter o Céu. Viveria numa Terra onde a natureza podia tornar-se
uma inimiga, os animais serem-lhe hostis, como também ter de ganhar o pão com
suor de seu rosto.
Mas, por outro
lado, a graça de Deus o auxiliaria a tornar-se melhor; as numerosas provas
decorrentes do pecado original fariam com que ele pudesse demonstrar
constantemente seu amor a Deus ao vencê-las; o Criador conceder-lhe-ia uma
instituição dotada de doutrina perfeita — a Igreja Católica — para guiá-lo pelo
bom caminho; e, sobretudo, para reparar o pecado cometido, o próprio Filho de
Deus, Nosso Senhor Jesus Cristo, viria viver entre nós, mediante o mistério da
Encarnação.
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Por que as crianças adoecem? Para mostrar como o pecado original afetou todos nós, até os inocentes. |
O sofrimento nos purifica e conduz ao Céu
Embora seja
verdade que Deus mudou seu plano original, o novo plano divino é mais perfeito
que o anterior. E o demônio, que julgava ter obtido uma grande vitória quando
induziu nossos primeiros pais a cometerem o pecado original, de fato perdeu
ainda mais.
Se compreendermos
o significado desse novo plano de Deus, teremos resposta para as perguntas
formuladas no início. — Por que as pessoas sofrem? Porque com os sofrimentos
elas compram o mérito que as conduz ao Céu. A uns o sofrimento leva a praticar
virtudes como a paciência, a outros permite praticar virtudes como a caridade e
a misericórdia. — Por que as crianças adoecem? Para mostrar como o pecado
afetou todos nós, até os inocentes. Os pais veem na dor de seus filhos o efeito
do pecado; e as crianças, na medida em que compreendem, vão aprendendo como as
coisas deste mundo são passageiras e que o mais importante é amar a Deus. — Por
que muitas vezes os bons morrem jovens e os maus vivem por muito tempo? Porque
Deus leva os bons para o Céu, a fim de gozarem eternamente quando estão
preparados, enquanto concede tempo aos maus para que se arrependam e façam
penitência. — Por que há bandidos ricos e pessoas boas e pobres? Porque Deus,
conhecendo em sua infinita sabedoria que há bandidos que vão se condenar e passar
a eternidade sofrendo no inferno, lhes dá neste mundo o prêmio por alguma coisa
que tenham feito de bom, enquanto permite muitas vezes aos bons praticarem por
meio da pobreza virtudes como a humildade e a ganharem méritos para o Céu. –
Por que alguns têm boa saúde, inteligência, sorte etc. e para outros tudo sai
errado? Porque Deus tem um plano para cada pessoa, e a cada um concede
qualidades na medida em que necessita para pôr em prática tal plano. Mas, como
Deus é justo, a quem dá mais, pedirá mais. Por isso o julgamento de quem
recebeu mais talentos, como inteligência, beleza, saúde, dotes artísticos etc.,
será mais severo para ele do que para quem recebeu menos talentos.
A tentação e
o pecado original
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Adão e Eva expulsos do Paraíso. Detalhe
do quadro da Anunciação pintado
por Fra Angélico e que se encontra
no Museu do Prado, Madrid |
Se entendermos o pecado original e seus efeitos, compreenderemos
melhor muitas coisas. No paraíso, Deus havia concedido a Adão apenas uma
proibição: a de não comer da árvore da ciência do bem e do mal. E deixou claro
que morreria irremediavelmente caso o fizesse. Portanto, em seu amor pelo
homem, Deus o tinha advertido do que poderia ocorrer. Mas o demônio, que já
havia fracassado na sua prova de amor a Deus, fora autorizado a tentar os
homens. E fê-lo então com Eva, colocando-lhe uma pergunta mentirosa: — Como
lhes proibiu Deus comer o fruto de absolutamente qualquer árvore do jardim? Ao
que Eva redarguiu com a resposta correta: que podiam comer o fruto de todas as
árvores, exceto o de uma, pois do contrário morreriam. Ou seja, sabia
perfeitamente o que Deus queria e o que ela fazia.
Eva deveria ter desconfiado
do demônio, pois se alguém faz uma pergunta mentirosa, é porque alimenta má
intenção. Portanto, ela cometeu o erro de não fugir da tentação. E continuou
conversando. E o demônio uma segunda vez afirmando que não morreriam, mas que
seriam como deuses. Ou seja, uma tentação de orgulho. Eva sabia perfeitamente
como era Deus, cuja perfeição e beleza ela conhecia. Por outro lado, que prova
tinha Eva de que a serpente sabia mais do que Deus? Se o Criador dizia uma
coisa e a serpente outra, a quem deveria crer? Eva sabia perfeitamente que Deus
tinha razão; contudo caiu na tentação do demônio, comeu o fruto proibido e foi
tentar Adão a comê-lo também.
Adão não tinha
falhas de inteligência como nós. E, como Eva, sabia perfeitamente que Deus
tinha razão, que morreria caso comesse o fruto da árvore proibida. Por outro
lado, também ser como um “deus” e agradar à mulher. Por isso, aceitou comer o
fruto proibido. Seu pecado foi maior, porque ele era o principal, a cabeça da
criação, aquele com quem Deus conversava ao passear no Paraíso (Gênesis 3,8).
Os efeitos do
pecado original se fizerem imediatamente sentir. O homem e a mulher se viram
desnudos e quando Deus perguntou a Adão por que ele pecou, este respondeu que
foi a mulher que Deus lhe havia dado quem o tentou (Gênesis 3,12).
Deus castiga,
mas tem pena do pecador
Cometido o pecado,
sobreveio o castigo, sendo os seus protagonistas castigados na ordem em que
pecaram, e justamente pelas razões por que pecaram. O demônio, cheio de orgulho
e que desejava ser o primeiro na Criação, é castigado a ser o último, o menor,
o mais desprezível. A mulher, que sonhava tornar-se uma “deusa”, estará
submetida a seu marido. E o texto bíblico esclarece: “Multiplicarei os sofrimentos de
teu parto, darás a luz com dores, teus desejos te impelirão para teu marido e
tu estarás sob seu domínio” (Gênesis,
3, 16).
E Adão é também
castigado. Não só terá de sofrer para produzir seu alimento, como a Terra, por
sua culpa, recebe uma maldição e todos os seres humanos terão de morrer. E as
portas do Céu estarão fechadas até que o pecado venha a ser reparado.
Mas Deus que é
misericordioso, com pena do homem pecador, muda seu plano original e introduz
outro, novo e melhor. E através de seus profetas promete enviar ao homem um
Redentor, que repare o dano feito, a ofensa cometida.
A parte central e
mais importante do novo plano é Nosso Senhor Jesus Cristo. O pecado cometido
necessitava uma reparação, que deveria ser proporcional à ofensa praticada e à
pessoa ofendida. Quem teria proporção suficiente para reparar uma ofensa feita
a Deus? Só o próprio Deus. Por isso, Nosso Senhor veio à Terra para reparar tal
ofensa. Também para nos dar exemplo de como sofrer e de resignação em nossas
provações e limitações, por amor a Deus.
O Divino Redentor, exemplo da aceitação da dor
Jesus Cristo era
verdadeiro homem, e, portanto, “semelhante
a nós em tudo, menos no pecado” (Heb.
4, 14-16). Sentia fome, sede, cansaço, porque deseja padecer como nós. Nas
Sagradas Escrituras, vemo-lo manifestando sentimentos humanos: alegria,
tristeza, surpresa, admiração, amor, indignação etc. Foi igualmente tentado
pelo demônio como nós.
Mas há uma grande
diferença. Como fomos concebidos no pecado original, temos em consequência
dele, más inclinações. O sofrimento e as tentações nos educam e obrigam a
praticar virtudes. Nosso Senhor não necessitava do sofrimento para produzir
esses efeitos, pois era perfeito. Mas aceitou sofrer, para nos ensinar e
dar-nos exemplo.
Em sua infinita
sabedoria, quis nascer pobre, mas tendo como Mãe a mais perfeita das criaturas
e como pai oficial um santo da Casa real de David. Assim o dispôs para nos
patentear o primado das coisas espirituais sobre as materiais. Quis ser
perseguido desde o início para nos mostrar que o pior não são as perseguições,
mas o pecado; permitiu que o demônio O tentasse três vezes para esclarecer que
os ataques do inimigo infernal faz parte das provas desta vida. Jesus foi
caluniado, suas divinas intenções foram mal interpretadas, aqueles a quem curou
milagrosamente não lhe manifestaram o devido agradecimento; e, por fim, todo o
bem por ele praticado foi retribuído com a morte mais dolorosa e infame.
Nosso Senhor
escolheu o sofrimento para nos ensinar a sofrer com resignação, sem rebeldia.
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Mater Dolorosa |
A Santíssima Virgem, modelo de amor à Cruz
Nossa Senhora foi
isenta do pecado original. Mas escolheu o sofrimento para nos dar o exemplo de
como devemos carregar nossas cruzes. Ela foi um modelo de humildade, o oposto
de Eva, que pecou por orgulho. A Santíssima Virgem respeitava os Apóstolos como
bispos da Igreja e reconhecia sua superioridade concedida por Deus.
Hoje,
lamentavelmente, não se prega como anteriormente o amor à Cruz nem se explicam
às pessoas os motivos pelos quais Deus permite o sofrimento. É um grande
apostolado poder expô-los às pessoas conhecidas que não receberam adequadas
lições de catecismo.
Peçamos a Nossa
Senhora obter-nos de seu Divino Filho a graça de entender a razão dos
padecimentos nesta vida, e de que as cruzes que Ele nos envia não são
arbitrárias, mas fazem parte de um plano superior. Compreendendo e amando esse
plano divino, estaremos em condições de alcançar a bem-aventurança eterna.
Fonte:
Revista Catolicismo, Nº 791, Novembro/2016.
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