“AS CANONIZAÇÕES NÃO SÃO ATO INFALÍVEL, não gozam do carisma da
Infalibilidade Papal”
Pe. Marcélo Tenorio
Em relação ao processo de
canonização todos sabemos que houve uma mudança nos critérios, um afrouxamento
nas normas, uma fuga do rigor. Isso trouxe de volta uma antiga e conhecida
discussão: A solenidade de Canonização é ou não um ato infalível do Papa?
Quanto às Beatificações é
consenso comum que podem ocorrer erros e por isso não se trata de definição
infalível. Ensina-se que a beatificação é um ATO PERMISSIVO e não IMPOSITIVO,
tanto que o culto a um beato é sempre restrito, nunca universal.
Mas a nossa questão é se as
Canonizações são Ato Infalível do Papa. Quanto a isso afirmamos com todas as
letras e grifos: AS CANONIZAÇÕES NÃO SÃO ATO INFALÍVEL, não gozam do carisma da
Infalibilidade Papal. O Magistério da Igreja JAMAIS se pronunciou de forma
definitiva sobre o assunto. É bem verdade que a maioria dos teólogos advogam
pela Infalibilidade das Canonizações, todavia sempre houve uma corrente menor,
mas com teólogos importantes no decorrer da história que se posicionaram CONTRA
a infalibilidade das canonizações. E sabemos muito bem que para a Igreja não
vale a maioria, mas a Verdade mesma, esteja com quem esteja: com a maioria ou
minoria. Essa Corrente Menor ou NEGAM a tese da infalibilidade ou colocam
sérias e importantes DÚVIDAS sobre a Infalibilidade nas canonizações.
Podemos observar alguns desses
importantes teólogos: O Papa Inocêncio IV, o famoso Cardeal de Susa ou Joannes
Andrae, canonista da Bolonha, defendiam que poderia haver possíveis erros nas
canonizações. Eles viviam na Idade Média e eram conhecidos pela alta cultura
teológica através de seus Tratados.
Não podemos deixar de citar o
Cardeal Cajetano, do século XVI, considerado o mais estudioso e comentador de
Santo Tomás de Aquino, que também defendia a tese da não infalibilidade das
canonizações, seguido pelo cardeal Tommasso Badia – famoso por ter enfrentado
Lutero na Dieta de Worms e Frei Niccolò Michelozzi.
Como vemos, a tese da
Infalibilidade das canonizações, como querem demonstrar os seus defensores, nem
NUNCA FOI DEFINIDA NEM TÃO POUCO UNÂNIME!
Mas quais seriam, de fato, os
questionamentos ou tese contraria dos que não aceitam as canonizações como ato
infalível?
São três, na verdade:
1.
A
Revelação foi encerrada com a morte do último apóstolo, portanto ela não pode
agregar novas verdades ao seu Depositum Fidei, visto que não goza do CARISMA DA
INSPIRAÇÃO.
2.
Não ter
certeza de que se estar em Estado de Graça, é Dogma de Fé. Tanto que ninguém
sai de uma confissão com a certeza do perdão, mas na Esperança. Menos ainda
outro de fora pode assegurar tal certeza
3.
É sobre o
testemunho humano que a Igreja fundamenta seu julgamento, logo pode ocorrer
erros que comprometam a conclusão.
É interessante que a corrente
teológica maior, que defende a Infalibilidade não questiona os argumentos acima
citados. Não os refuta. Apenas prefere afirmar que o Espírito Santo prometido a
Igreja pode suprir toda deficiência do processo humano. Para eles se a Igreja
chegasse a promover um falso santo, colocaria, sem dúvidas fé em risco, visto que
apresentaria um falso modelo moral.
A QUESTÃO DO “OBJETO SECUNDÁRIO”:
No século XVII, na França, o Papa
Inocêncio X, 1644-1655, condenou as 5 teses que se encontravam no livro
Augustinus, de Jansênio, já falecido. Os discípulos de Jansênio afirmaram que
os erros condenados não estavam contidos no Livro mencionado pelo papa. O papa
que sucessor, Alexandre VII, 1655-1667, declarou com autoridade e solenemente
que tais erros estavam, sim, lá contidos no livro, além do mais foi exigido que
dos já então jansenistas um acatamento formal. Os mesmos interpelaram: “
devemos dar um assentimento de Fé Divina ou apenas de Fé Humana. O Arcebispo de
Paris, ajudado pelo grande Fénelon, respondeu que “ nem Divina, nem Humana”,
mas um acatamento intermediário que foi chamado de “ FÉ ACLESIÁSTICA”.
Bem, por causa disso, e graças a
Fénelon, vai aparecer a partir de então nos Tratados um novo conceito.: OBJETO
SECUNDÁRIO DA INFALIBILIDADE. Aqui deve-se entender que a Igreja não é só
infalível formalmente pela Verdade revelado por Deus – Objeto primário da
infalibilidade- mas também nas verdades não reveladas necessárias para a Fé.
É justamente aqui que os
teólogos, em seus tratados, passam a incluir as canonizações no Objeto
Secundário da Infalibilidade papal. E isso se deu de modo sistemático.
E A DEFINIÇÃO DO PAPA BENTO XIV?
Os defensores da infalibilidade
das canonizações gostam de citar esta “proclamação solene” e anatematizante de
Bento XIV a favor da Infalibilidade e chamando de herege quem pensar o
contrário. Vejamos o texto:
“ Que ousar sustentar que o Papa
errou nesta ou naquela canonização ou que este ou aquele santo canonizado não
deve ser cultuado, se não for herege, pelo menos deve ser chamado de temerário,
que escandaliza toda a Igreja, injuria os santos, favorece os hereges que negam
a autoridade da Igreja na canonização dos santos e ao mesmo tempo abre caminho
para os infiéis zombarem dos fiéis, sustenta uma proposição errônea e merece as
mais graves censuras.”
Entretanto eles, os defensores da
infalibilidade na questão, esquecem de dizer que esse texto foi escrito sem
nenhuma autoridade pontifícia, nem definição solene, visto que ele não ERA PAPA
AINDA. NÃO TINHA ASCENDIDO AO TRONO DE PEDRO, era apenas um cardeal
teologizando.
Bento XIV, antes de ser papa foi
um renomado canonista e também exerceu o papel de advogado do diabo. O texto
acima é de um livro seu, como disse, antes do papado. Ou seja: não contem
autoridade definitiva alguma. Apenas defesa de sua tese teológica.
O CONCÍLIO VATICANO I
Ora o Concílio Vaticano I, que
definiu o Dogma da Infalibilidade, quis deixar de lado o “ Objeto da
Infalibilidade” No desacordo dos padres conciliares o Objeto de Infalibilidade
foi simplesmente deixado de lado. Um bom grupo advogava que o Objeto de
Infalibilidade deveria se limitar apenas à REVELAÇÃO, ou seja, às verdades
objetivamente reveladas, em vista de sua proclamação dogmática, Fé Crida, que
deveria ser imposta a todos. Já para o grupo oponente, inspirando na questão
jansenista, o objeto da infalibilidade deveria ser estendido também às verdades
não reveladas, mas mesmo assim necessárias á defesa da Fé.
É bem verdade que no calor dos
ânimos foi pedido que o Papa proclamasse Dogma de Fé a sua infalibilidade
estendida também às canonizações, bem como às aprovações de regras religiosas.
A proposta foi REJEITADA pela maioria dos padres conciliares.
O Papa Pio IX, querendo avançar
nos trabalhos, já percebendo a aproximação da guerra e a possível suspensão do
Concílio, suspendeu o debate em torno do Objeto da Infalibilidade. Foi
apresentada a formula que afirmava que o Papa era infalível em questão de
fé e moral e que suas definições infalíveis devem ser acatadas por todos os
fieis católicos. Importante que a Formula definitória coloca que deve ser
ACEITA e não CRIDA.
“Crida”: termo da teologia que
indica assentimento. Se esse termo tivesse sido usado, teria sido a limitação
da extensão da infalibilidade ao seu Objeto Primário: a Revelação.
É o Mons. Gasser que vai explicar
melhor na aula conciliar. Diz ele: “ É de fé que é Infalível no objeto
primário; a infalibilidade no objeto secundário permanece no nível de certeza
teológica. Ou seja, no nível daquelas doutrinas que a Igreja não se pronunciou
de forma definitiva.
Daqui concluímos que as
CANONIZAÇÕES NÃO SÃO ATO INFALÍVEL do papa, posto que não sendo DE FÉ o Objeto
Secundário, menos ainda é de FÉ o argumento de infalibilidade das canonizações.
E isso é claro.
NO SÉCULO XX
Praticamente em nosso século, já
que vivenciamos ele, muitos teólogos importantes começaram a questionar a tese
majoritária da infalibilidade das canonizações. Poderiamos citar Mons. Bernard
Bartmann, que escreveu importante manual traduzido em vários idiomas. Suas
obras eram comuns nos estudos em seminários antes do Concílio Vaticano II. Ele
trazia a dificuldade que nos vem, desde a Idade média, de acreditar na
infalibilidade das canonizações, visto que a Igreja não pode acrescentar mais
nada ao Depositum Fidei. Não se pode apresentar mais “ novas verdades”. Para
ele as canonizações devem ser aceitas apenas no nível de FÉ ECLESIÁSTICA, de FÉ
GERAL, jamais com FÉ DIVINA.
E isso é interessante porque
diante de um novo santo que nos é apresentado pela Igreja não fazemos um Ato de
Fé especial, mas apenas cremos pelo Ato geral de Fé.
Mas há outro nome, não menos
famoso e próximo de nós, que gostaríamos de apresentar: Mons. Gherardini. Ele
foi decano da Universidade Lateranense. Em seu artigo sobre o assunto,
publicado na revista Divinitas ele argumenta que aqueles que defendem a
infalibilidade das canonizações fazem o que ele chama de “RACIOCÍNIO DO
ABSURDO”, ou seja: para eles seria intolerável que as canonizações não fossem
infalíveis devido a repercussão negativa para a Igreja. Para Mons. Gherardinni,
não definindo nenhuma verdade revelada, as canonizações são uma proclamação
apenas “NOM IMMEDIATE DE FIDE”, e não faz parte do que santo Tomas chamou
de “ HIIS QUAE AD FIDEM PERTINENT” – aquilo que é de Fé.
MONS. GHERARDINI E O ARGUMENTO
ABSURDO DOS QUE DEFENDEM A INFALIBILIDADE DAS CANONIZAÇÕES:
Os que defendem a infalibilidade
das canonizações, ao mesmo tempo negam para as beatificações. Aqui o Monsenhor
coloca que o raciocínio “Por absurdo” nada explica. Como o carisma da
Infalibilidade só funciona para a canonização e não para a beatificação? Ora se
se defende a infalibilidade para as canonizações, também a beatificação deve
ser infalível, mesmo porque a Igreja não é uma multinacional com matriz e
filial. Ou não aprendemos que na mais longe terra ou povoado, ali está a Igreja
una, santa, católica e apostólica. Ora sabemos que o culto de um beato é
restrito a um território. Logo tal autorização de culto, mesmo lá longe, atinge
a Igreja inteira, visto que a Igreja está toda onde está o bispo.
Para Mons. Gherardini não há
sentido na distinção entre Canonização e beatificação, baseada nessa ideia dos
defensores da Infalibilidade.
Outra coisa importante: Se o ato
de canonização goza do carisma da Infalibilidade, como a Igreja no advento do
Concílio retirou do calendário dos santos tantos santos já canonizados? Que nos
diga a “coitada” de Santa Filomena, entre outros santos “ cassados”.
O poder das chaves não pode fazer
colocar no céu um santo que em sua história não era santo, ou sequer viveu, ou
sequer existiu, como argumentava não só o monsenhor em questão, mas também o
Pe. Ols, professor do Angelicum e consultor da Congregação para Causa dos
Santos.
Em suma, diante das canonizações
deve-se dar um assentimento religioso, como damos aos documentos que não possui
o peso da infalibilidade, mas PODE-SE ADMITIR SIM A POSSIBILIDADE DO ERRO,
visto que essa doutrina da “infalibilidade das canonizações” ainda não foi
DEFINIDA de modo “Ex Cathedra”
Em caso de perigo grave para a
Fé, o fiel tem todo o direito de não dar assentimento nem interior nem público,
podendo até se colocar respeitosamente contra.
- Suma Teologica I, q.23, at 7,
ad3
- Umberto Betti: Doutrina da
Constituição - Dogmática Pastor Aeternus
- Praxis da Teologia Dogmática
- 30 Giornni, fev. 1983
O autor não distingue entre infalibilidade constitutiva de uma Definição e infalibilidade constitutiva da fé eclesiástica. Esta última nunca pode ser definida com as categorias ontológicas da primeira. A Infalibilidade da Santa Madre Igreja como do papa é gradativa como o é a hierarquia das Ordens Natural e Sobrenatural. A canonização dos santos envolve estas duas ordens. As definições Dogmáticas envolvem apenas a Ordem Sobrenatural.
ResponderExcluirAlberto Carlos Rosa Ferreira das Neves Cabral - Lisboa