“Pois que foram na verdade
muitos os que empreenderam pôr em ordem a narração das coisas, que entre nós se
viram cumpridas”
Autor
–
São Lucas era médico (Col. 4, 14) natural de Antioquia na Síria, segundo os
testemunhos de Eusébio, Hist. Ecc. 3-4,
Hieron, de Vir. Illi cap. 7. Parece
que era grego de nascimento; Eusébio, Comment,
in Luc. Collect. Nov.p. 149, e Sedúlio diz em confirmação desta hipótese: Hic Lucas primitus Apostolorum discípulus,
postea Paulum magistrum gentium quase gentilis et virgo virginem seculus
fuerat. O próprio nome Lucas
pode ser uma abreviatura de Lucanus.
O que é certo é que S. Lucas se exprime muito melhor em grego do que os outros
hagiógrafos do Novo Testamento, e também se sabe que a Igreja de Antioquia era
primitivamente composta na quase totalidade de gregos, o que tudo confirma a opinião
supra indicada.
Não sabemos quando nem como S. Lucas se
converteu ao Cristianismo, Valroger, Introduction
historique et critique aux livres du Nouveau Testament, t. 2, S. 13, p. 74.
Segundo todas as aparências, professou o cristianismo em Antioquia, onde travou
relações com S. Barnabé e S. Paulo e depois com S. Pedro. Quando nos Atos dos Apóstolos 16, 10, se refere a
S. Pedro fala do Príncipe dos Apóstolos como de um antigo conhecido, o que não
acontece a respeito de Timóteo At
16, 1. Acompanha S. Paulo, de Trôade para Filipos, na Macedônia, onde ficou,
enquanto que o Apóstolo se dirigia para a Grécia com os seus companheiros. Esteve
bastante tempo ausente de4 S. Paulo, a quem depois seguiu para o Oriente,
voltando à Itália, permanecendo ambos em Roma durante dois anos.
Durante este último lapso de tempo, S.
Paulo fala dele duas vezes nas suas Epístolas (Col 6, 14: Flm 24). Na 2ª
Epístola a Timóteo 6, 11, diz que S. Lucas tinha ficado em sua companhia.
Abandonou depois Roma e veio a morrer na Acaia, com setenta e quatro anos.
Sedúlio, Argum, in Luc. 5,11. As suas relíquias foram transportadas
para Constantinopla, no vigésimo ano do reinado de Constâncio, 357. S. Gregório
Nazianzeno conta-o entre os mártires. Oray. 6 e 69. Cfr. Act. Sanct. die 18 oct.
Data
–
Todos os autores eclesiásticos, exceto Clemente de Alexandria, atestam que este
Evangelho apareceu depois do de S. Marcos. O próprio S. Lucas confessa que não
é o primeiro que tentou escrever a vida de Jesus Cristo, L. c. 1. Sabe-se
também que publicou o seu Evangelho antes de escrever os Atos dos Apóstolos At 1, 1. Ora o livro dos Atos terminou
no ano 62 ou 63, em que acaba bruscamente.
Fim – A ideia de
escrever este Evangelho foi sugerida a S. Lucas, pelas lacunas que se encontram
nos dois Evangelhos precedentes, procurando dar ao seu trabalho uma ordem mais
rigorosa, e fortificar nos seus leitores a convicção das coisas anunciadas. S.
Lucas, escrevendo para os gentios Evangelium
graecis scripsit, como diz S. Jerônimo, trata de por ante os olhos destes
tudo quanto lhes podia interessar ou comover, como o perdão do filho pródigo e
à pecadora, a preferência dada ao publicano sobre o fariseu e ao samaritano
sobre o próprio levita. S. Mateus apresentara Jesus aos hebreus como Messias, e
S. Marcos aos romanos como Filho de Deus; S. Lucas apresenta-O aos gregos, isto
é, a todos os povos civilizados, como o Salvador de todo o gênero humano.
Estilo
–
É o livro mais cuidado do Novo Testamento, tendo muita analogia com o livro dos
Atos. A linguagem é correta, as imagens vivas, os termos escolhidos, havendo
mesmo o emprego frequente de palavras diletas do autor, tocantes afetuosas,
cheias de delicadeza; períodos que se destacam pela simplicidade e harmonia,
etc. Jesus Cristo é chamado o Senhor,
e preconiza-se a confiança no Salvador como meio indispensável para obter a
Salvação. Há uma circunstância notável neste livro e que deriva da profissão do
autor. No presente Evangelho, S. Lucas descreve as doenças curadas por Jesus Cristo
com muita precisão, e com a terminologia adequada, vigente na época. Além disso
o seu trabalho reveste a forma histórica. Começa por um prólogo, e por uma
dedicatória a um Teófilo cristão de Roma ou de Acaia, como era uso entre os
gregos. Vai buscar o início dos fatos evangélicos, segue a sua narração até ao
fim, concatenando os acontecimentos e observando a ordem cronológica. É este o
único que menciona os setenta e dois discípulos, o que, ao mesmo tempo revela a
precisão histórica do autor, faz supor que ele pertenceu a esse corpo.
Notam-se-lhe alguns hebraísmos, é certo mas os que apresenta tem certo
correção, sendo sem dúvida alguma o mais correto dos Evangelistas.
Divisão
–
Podem distinguir-se neste Evangelho quatro partes e um prólogo.
Prólogo
–
cap. 1, 1-4.
Primeira
parte: Infância
e juventude de Jesus, cap. 1, 5-4, 13.
Segunda
parte: Preparação
na Galileia, 4, 14-9, 50.
Terceira
parte: Viagem
da Galileia a Jerusalém, 9, 51-18, 30.
Quarta
parte: Últimos
mistérios, 18, 31-24.
Autenticidade
dos Evangelho de S. Lucas – Prova-se com vários argumentos extrínsecos e
intrínsecos.
I
Argumentos Extrínsecos: 1º - Testemunhos formais da antiguidade: O
catálogo de Muratori¹ apresenta-nos um testemunho indiscutível do século II: “O
terceiro livro do Evangelho segundo S. Lucas. Este Lucas, médico, que S. Paulo,
depois da Ascensão do Senhor, associou aos seus trabalhos, escreveu no seu próprio
nome, seguindo ideias de S. Paulo. Todavia ele não viu o Senhor em carne, e por
isso conta os fatos pelo modo como pode deles ter conhecimento”. Tertuliano
censura Marcião por ter alterado o Evangelho de S. Lucas, que foi recebido por
todas as Igrejas. Reivindica em favor deste escrito a própria autoridade dos
Apóstolos. Adv. Marcion. IV, 5. S.
Irineu reproduz a mesma opinião, e ao cabo de uma análise minuciosa conclui
dizendo que corresponde aos antecedentes. Clemente de Alexandria invoca, em
prova de uma das suas asserções, o Evangelho segundo S. Lucas, S. Tron. F. 21.
2º
Testemunhos indiretos: Todos os antigos manuscritos e todas as antigas
versões dão ao terceiro Evangelho a inscrição – segundo S. Lucas. S. Justino do segundo século, narra a Anunciação
e o Nascimento de Jesus parafraseando S. Lucas, cujas palavras também reproduz
a propósito da Instituição da Eucaristia. A carta da Igreja de Viena, documento
do mesmo tempo, aplica aos seus mártires as palavras que S. Lucas dirigia a
Zacarias. Os próprios gnósticos apropriam-se de palavras deste Evangelho, como
Basilides a propósito da saudação de S. Gabriel à SS. Virgem; Valentim, falando
de S. Irineu, emprega texto que só encontram em S. Lucas, e finalmente Marcião,
rejeitando os outros Evangelhos, admitia somente o de S. Lucas, fazendo-lhe
mutilações e interpolações. Celso compara textos de S. Lucas com os dos outros
Evangelhos, para deduzir as considerações que lhe apraz, mas mostra, como as
citações precedentes, que no segundo século o Evangelho de S. Lucas era
universalmente recebido como livro sagrado.
II
Argumentos Intrínsecos: Analisando o terceiro Evangelho, descobrem-se nele
indícios claros da influência de S. Paulo, que correspondem à tradição, segundo
a qual S. Lucas foi discípulo do grande Apóstolo das gentes, e se propôs reproduzir
nos seus escritos os ensinamentos de tão grande mestre. Primeiramente, segundo
nota Corluy, há entre o terceiro Evangelho e as Epístolas de S. Paulo uma concordância
digna de nota. Muitas expressões comuns a S. Lucas e S. Paulo não aparecem nas
obras dos demais escritores do Novo Testamento. As palavras da instituição da
SS. Eucaristia são referidas do mesmo modo por S. Paulo na I Epístolas aos Cor
11, 24, 25. Etc.
Bíblia Sagrada – Reedição da versão do Padre
Antônio Pereira de Figueiredo – Vol X – Editora das Américas 1950
¹ O
Cânon de Muratori é o documento mais antigo que se tem a respeito do cânon
bíblico do Novo Testamento, por ter sido escrito por volta do ano 150, uma vez
que cita o nome de Pio, bispo de Roma de 143 à 155, irmão de Hermas, autor de
"O Pastor". Tal documento
trata-se de um manuscrito do séc. VIII, cópia do original, descoberto pelo
sacerdote italiano Ludovico Antonio Muratori no séc. XVIII:
http://espelhodejustica.blogspot.com.br/2012/08/canon-de-muratori.html
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