"O evangelho narra desde a concepção de Nossa Mãe Santíssima, a sua apresentação no Templo, a anunciação, visita a Santa Isabel, o nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, a visita dos Reis Magos terminado com a morte de Zacarias."
Proto-Evangelho de Tiago, considerado apócrifo pelo Decreto Gelasiano, oriundo do Concílio Regional de Roma do ano 371, atribuído ao Papa Dâmasio (305 a 384) apesar de muitos considerarem ser do Papa Gelásio (492 a 496), serviu de instrução para algumas festas na Igreja de Roma (Sant'Ana no dia 26 de julho e Apresentação de Nossa Senhora no dia 21 de novembro), chegando a última festa a ser suprimida pelo Papa São Pio V, em razão da dependência dos apócrifos, restaurada por Sixto V e tornada obrigatória a toda Igreja em 1585, sendo citado também na Carta Ineffabilis Deus do Papa Pio IX, que definiu o dogma da IMACULADA CONCEIÇÃO
Não podemos considerar o documento como inspiratório, primeiro pelo fato da própria Igreja não recomendar a sua leitura, como também da narração de alguns episódios nele passado, nem buscar ser fonte de conhecimento ou revelação, apenas instrutivos ou para saber de sua existência. (Nota do Blog)
*-*-*
"Proto-Evangelho de Tiago", também conhecido como "Livro de Tiago" ou, ainda, "A Natividade de Maria. Sua autoria é incerta apesar do autor identificar-se como Tiago, não sendo unanime entre os estudiosos, bem como a data de composição, acreditando alguns, que foi escrito por volta de 60 DC, antes dos evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João o que motivou a ser chamado de Proto-Evangelho, "Primeiro-Evangelho" no século XVI.
O evangelho narra desde a concepção de Nossa Mãe Santíssima, a sua apresentação no Templo, a anunciação, visita a Santa Isabel, o nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, a visita dos Reis Magos terminado com a morte de Zacarias.
Proto-Evangelho de Tiago
I
1. Conforme as memórias das Doze Tribos de Israel, existia um homem riquíssimo chamado Joaquim. Suas oferendas eram sempre em dobro e dizia: "A sobra ofereço para todo o povoado e o que devo ofereço ao Senhor, para expiar os meus pecados e conquistar-Lhe as boas graças".
2. Quando chegou a grande festa do Senhor, onde os filhos de Israel oferecem seus donativos, Rubem pôs-se diante de Joaquim e disse-lhe: "Como não geraste um rebento em Israel, não te é lícito oferecer donativos".
3. Então Joaquim mortificou-se e foi até os arquivos de Israel para consultar o censo genealógico para confirmar que teria sido o único no povoado que não tivera descendentes. Examinando os pergaminhos, certificou-se que todos os justos tiveram descendentes. Lembrou-se, então, que o Senhor dera ao patriarca Abraão, em seus últimos anos de vida, um filho: Isaac.
4. Joaquim ficou muito triste e não voltou para sua mulher, retirando-se para o deserto. Lá armou sua tenda e jejuou por 40 dias e 40 noites. Disse a si próprio: "Daqui não sairei, nem para comer ou beber, até que o Senhor meu Deus me visite. Sirvam as minhas orações por comida e bebida".
II
1. Ana, sua mulher, chorava e lamentava em dor: "Ficarei chorando a minha viuvez e a minha esterilidade".
2. Quando afinal chegou a grande festa do Senhor, Judite, sua criada, disse-lhe: "Até quando humilharás a alma? Eis que chegou a grande festa e não podes entristecer-te. Pega este véu com selo real que a dona da tecelagem me deu pois não posso usá-lo já que sou simples serva."
3. Disse-lhe Ana: "Afasta-te de mim pois nada fiz. O Senhor me humilhou o suficiente para que eu possa usá-lo. Acaso algum ímpio te deu para me fazerdes cúmplice do pecado?". Respondeu Judite: "Por que iria eu maldizer-te se o próprio Senhor já te amaldiçoou a não deixardes descendente em Israel?"
4. Mesmo estando profundamente triste, Ana retirou seus trajes de luto, pôs o véu e os trajes de bodas. À hora nona, desceu ao jardim e foi passear. Então, assentou-se sob a sombra de um loureiro e orou ao Senhor: "Ó Deus dos nossos pais: ouvi-me e bendizei-me como fizeste com o ventre de Sara, que concebeu a Isaac".
III
1. E olhando para o céu, observou um ninho de passarinhos existente no loureiro. Voltou então a lamentar-se, dizendo: "Ai de mim! Por que nasci? Em que hora fui concebida? Vim ao mundo para ser terra maldita entre os filhos de Israel, pois me injuriam e me expulsam do Templo do Senhor.
2. Ai de mim! A que posso comparar-me? Certamente não posso me comparar às aves do céu porque elas fecundam na tua presença, ó Senhor. Ai de mim! A que posso comparar-me? Não posso comparar-me às feras da terra porque esses animais irracionais reproduzem-se diante dos teus olhos, ó Senhor.
3. Ai de mim! A que posso comparar-me? Certamente não posso me comparar sequer a estas águas porque também elas são férteis perante ti, Senhor. Ai de mim! A que posso comparar-me? Não posso ao menos comparar-me à terra porque ela é fecunda e produz frutos a seu tempo, bendizendo-te, ó Senhor."
IV
1. Eis que apareceu-lhe um anjo do Senhor e disse-lhe: "Ana, Ana! O Senhor ouviu as tuas preces. Eis que conceberás e darás à luz. Da tua família se falará por todo o mundo". Ana respondeu: "Glória ao Senhor, meu Deus! Se for-me dado menino ou menina, fruto de Sua bênção, ofertá-lo-ei ao Senhor e a Seu serviço estará por todos os dias de sua vida".
2. Então chegaram dois mensageiros com o seguinte recado para ela: "Joaquim, teu marido, voltou com todo o rebanho, pois um anjo veio até ele e disse-lhe: 'Joaquim, Joaquim! O Senhor ouviu as tuas preces. Ana, tua mulher, conceberá em seu ventre'".
3. Saindo Joaquim, ordenou que seus pastores trouxessem-lhe dez ovelhas imaculadas. Disse então: "Estas são para o Senhor". [Mandou trazer-lhe também] doze novilhas de leite. E disse: "Estas são para os sacerdotes e o Sinédrio". E mandou distribuir cem cabritos para todo o povoado.
4. Chegando Joaquim com seus rebanhos, Ana, que estava à porta, o viu; correu e atirou-se em seu pescoço, dizendo-lhe: "Agora percebo que o Senhor me bendisse abundantemente. Eu era viúva e deixei-se de sê-lo. Era estéril e agora conceberei em meu ventre". Nesse primeiro dia, Joaquim repousou em sua casa.
V
1. Ao ir, no dia seguinte, oferecer seus bens ao Senhor, disse para consigo mesmo: "Se vir o éfode do sacerdote, saberei que Deus me será favorável". Ao oferecer o sacrifício, notou o éfode do sacerdote, quando este estava próximo ao altar de Deus. Não encontrando qualquer pecado em sua consciência, disse: "Agora vi que o Senhor me perdoou todos os pecados". Joaquim desceu justificado do Templo e voltou para casa.
2. Cumprindo-se o tempo para Ana, concebeu no nono mês. E perguntou à parteira: "A quem dei a luz?" Respondeu a parteira: "A uma menina". Exclamou Ana: "Eis que minha alma foi exaltada!". E colocou a menina no berço. Quando cumpriu-se o tempo definido pela Lei, Ana purificou-se e deu de mamar à menina. E pôs-lhe o nome de Maria.
VI
1. A menina se fortalecia a cada dia que passava. Quando atingiu os seis meses, sua mãe a colocou no chão para ver se conseguia ficar de pé. Ela andou sete passos e voltou para o colo de sua mãe. Pegando-a, disse [Ana]: "Glória ao Senhor! Não andarás mais nesse chão até que eu te apresente ao Templo do Senhor". Fazendo um oratório em casa, não permitia que nada de vulgar ou impuro se lhe tocassem nas mãos [de Maria]. Convocou também algumas meninas hebréias, todas virgens, para brincarem com ela.
2. Completando a menina seu primeiro ano, ofereceu Joaquim um grandioso banquete. Convidou os sacerdotes, os escribas, o Sinédrio e todo o povo de Israel. Apresentando a menina, os sacerdotes a abençoaram com estas palavras: "Ó Deus de nossos pais: bendiz esta menina e que seu nome seja glorioso e eterno por todas as gerações". O povo todo respondeu: "Amém, amém, amém". Joaquim também apresentou a menina aos príncipes e [sumos] sacerdotes que a abençoaram assim: "Ó Deus altíssimo: volta teus olhos para esta menina e conceda-lhe uma bênção perfeita, não sendo-lhe necessária qualquer outra [bênção] no futuro".
3. Sua mãe levou-a para o oratório e deu-lhe de mamar. Entoou então um hino ao Senhor Deus: "Farei um cântico ao Senhor, meu Deus, porque me visitou / Afastou de mim as injúrias dos inimigos e me deu um fruto santo que é único e múltiplo a Seus olhos / Quem levará aos filhos de Rubem a notícia de que Ana amamentou? / Ouvi! Ouvi, ó Doze Tribos de Israel! Ana está amamentando!" E deixando a menina repousar na câmara existente no oratório, saiu e passou a servir os convidados; terminada a ceia, [os convidados] saíram alegres e louvando ao Deus de Israel.
VII
1. Os meses foram passando para a menina e quando ela completou dois anos, Joaquim disse a Ana: "Vamos levá-la ao Templo do Senhor para cumprirmos a promessa que fizemos, para que o Senhor não reclame e nossa oferenda se torne inaceitável a seus olhos". Ana respondeu: "Vamos esperar que ela complete três anos, para que não venha sentir saudade de nós". E Joaquim respondeu: "Vamos aguardar".
2. Quando completou três anos, Joaquim disse: "Chame as meninas hebréias, virgens, e que, duas a duas, tomem uma lâmpada acesa para que a menina [Maria] não olhe para trás e seu coração se prenda por algo fora do Templo de Deus". E assim foi feito e subiram ao Templo do Senhor. Então o sacerdote a recebeu, a beijou e abençoou-a. E disse [à Maria]: "O Senhor engrandeceu o teu nome diante de todas as gerações. No final dos tempos, manifestará em ti Sua redenção aos filhos de Israel".
3. Então fez [Maria] sentar-se no terceiro degrau do altar e o Senhor derramou Sua graça sobre ela. Ela dançou e cativou toda a casa de Israel.
VIII
1. Então seus pais foram embora cheios de admiração e louvaram ao Senhor porque a menina não olhou para trás. E Maria passou a ficar no Templo como uma pequena pomba, recebendo seu sustento das mãos de um anjo.
2. Entretanto, quando completou doze anos, os sacerdotes se reuniram e disseram: "Maria atingiu os doze anos no Templo. O que devemos fazer para que ela não macule o Santuário?" Então disseram ao sumo sacerdote: "O altar está a tua disposição. Entra e ora por ela pois o que o Senhor te revelar, isso será o que deveremos fazer".
3. O sumo sacerdote colocou então o manto com as doze sinetas, adentrou ao santo dos santos e orou por ela. Mas eis que um anjo do Senhor lhe apareceu e disse: "Zacarias, Zacarias! Sai e chama todos os viúvos do povoado; que cada um traga um bastão e a quem o Senhor mostrar um sinal, este será o seu esposo". Então os mensageiros percorreram toda a Judéia e se apresentaram ao soar da trombeta.
IX
1. José separou seu bastão e se reuniu aos demais [viúvos]. Então cada um pegou seu bastão e foram procurar o sumo sacerdote. Este pegou todos os bastões e, adentrando ao Templo, pôs-se a orar. Ao concluir as orações, pegou os bastões e devolveu-os aos seus respectivos donos, mas em nenhum deles manifestou sinal algum. Contudo, quando José pegou o último bastão, uma pomba saiu dele e pôs-se a sobrevoar-lhe a cabeça. Então o sacerdote disse: "A ti caberá receber sob teu teto a Virgem do Senhor".
2. Mas José respondeu: "Tenho filhos e já estou avançado na idade; ela, porém, ainda é uma menina. Não quero ser zombado pelos filhos de Israel". Então argumentou o sacerdote: "Tema ao Senhor, teu Deus, e recorde do que Ele fez com Datã, Abiron e Coret: a terra se abriu e eles foram enterrados em virtude de sua rebelião. Tema também tu agora, José, para que o mesmo não aconteça à tua casa".
3. Então ele, cheio de temor, recebeu [Maria] sob seu teto. Depois disse-lhe: "Tomei-te do Templo e deixo-te agora na minha casa, mas prosseguirei as minhas obras. Voltarei em breve, mas o Senhor te protegerá".
X
1. Os sacerdotes se reuniram e decidiram fazer um véu para o Templo do Senhor. O sacerdote disse: "Chama as moças imaculadas da Tribo de Davi". Os ministros saíram e após procurarem, encontraram sete virgens. Então o sacerdote recordou-se de Maria e os mensageiros a buscaram.
2. Depois que foram levadas para dentro do Templo, disse o sacerdote: "Vejamos quem bordará o ouro e o amianto, o linho e a seda, o zircão, e o escarlate e a púrpura real". O escarlate e a púrpura real couberam a Maria; esta as tomou e levou para sua casa. Nessa época, Zacarias ficou mudo e foi substituído por Samuel até que recuperasse a voz. Maria tomou o escarlate em mãos e pôs-se a tecê-lo.
XI
1. Um dia, Maria tomou um cântaro para enchê-lo de água. Mas ouviu uma voz que lhe dizia: "Salve, cheia de graça! O Senhor está contigo, bendita és entre as mulheres". Então ela olhou ao seu redor, à direita e à esquerda, para ver de onde provinha aquela voz. Amedrontada, fugiu para sua casa e abandonou ali mesmo a ânfora. Pegou a púrpura, sentou-se e voltou a tecê-la.
2. Porém, um anjo de Senhor apareceu à sua frente e disse: "Não temas, ó Maria! Alcançaste graça diante do Senhor Todo-Poderoso e conceberás por Sua graça". Ela, ao ouvi-lo, ficou admirada e disse consigo mesma: "Conceberei por graça do Deus vivo e darei à luz como as demais mulheres?"
3. Respondeu-lhe o anjo: "Não, Maria, pois a graça do Senhor te cobrirá com Sua sombra e o santo fruto que nascerá de ti será chamado Filho do Altíssimo. Deverás chamá-lo 'Jesus' porque Ele salvará seu povo das iniqüidades." Então Maria disse: "Eis aqui a serva do Senhor! Faça-se em mim conforme a sua palavra".
XII
1. Terminado o trabalho com a púrpura e o escarlate, [Maria] levou-o ao sacerdote, que a abençoou assim: "Maria: o Senhor enalteceu o teu nome! Serás bendita entre todas as gerações da terra".
2. Radiante de alegria, Maria se dirigiu à casa de sua parente, chamada Isabel, e chamou-a da porta. Ao escutá-la, Isabel deixou o escarlate e correu para a porta. Abrindo [a porta] e vendo Maria, louvou-a dizendo: "Quem sou para que a mãe do meu Senhor venha até minha casa? O fruto do meu ventre pôs-se a pular dentro de mim para bendizer-te". Como Maria se esquecera das palavras do anjo Gabriel, elevou os olhos ao céu e disse: "Quem sou eu, Senhor, para que todas as gerações me bendigam?"
3. E ficou durante três meses na casa de Isabel. Como dia após dia seu ventre crescia, ficou preocupada e pôs-se à caminho de casa. Ficava escondida dos filhos de Israel e possuía dezesseis anos quando estas coisas aconteceram.
XIII
1. Quando Maria atingiu o sexto mês de gravidez, José retornou de suas obras e, ao chegar em casa, percebeu que ela estava grávida. Então bateu em seu próprio rosto e atirou-se no chão, sobre uma manta, chorando amargamente: "Como me apresentarei ao Senhor? Como orarei por esta menina que recebi virgem do Templo do Senhor e que não soube vigiar? Acaso o que ocorreu com Adão ocorreu também comigo? Pois enquanto Adão orava veio a serpente e, vendo Eva sozinha, a enganou... Teria o mesmo ocorrido comigo?"
2. Então José se levantou e chamou Maria. Disse-lhe: "O que fizeste, tu que eras a predileta de Deus? Como tiveste coragem de fazer isso? Esqueceste do teu Deus? Como manchaste a tua alma, tu que foste criada no santo dos santos, recebendo o sustento das mãos do anjo?"
3. Ela chorou amargamente e disse: "Permaneço pura pois não conheço varão". Respondeu José: "Então de onde vem o que carregas em teu seio?". Respondeu Maria: "Juro pelo Senhor, meu Deus, que não sei como isto se sucedeu".
XIV
1. Então José ficou muito preocupado e deixou Maria, pensando o que deveria fazer com ela. Disse para si mesmo: "Se omito o seu erro, estarei contra a Lei do Senhor... Se a denuncio ao povo de Israel e o que lhe aconteceu foi devido à intervenção de anjos, estarei condenando uma inocente à morte. O que farei? Irei mandá-la embora às escondidas..." E logo veio a noite.
2. Mas um anjo do Senhor apareceu-lhe em sonho e disse-lhe: "Não se preocupe com esta menina. O que ela traz em seu ventre é devido ao Espírito Santo. Ela dará à luz um filho e colocar-lhe-ás o nome de 'Jesus', porque Ele salvará seu povo do pecado". Levantando-se, José glorificou ao Deus de Israel por conceder tamanha graça e continuou com Maria.
XV
1. Entretanto, Anás, o escriba, veio até sua casa e lhe disse: "Por que deixaste de comparecer à reunião?" Respondeu José: "Estava exausto da viagem e resolvi descansar o primeiro dia". Virando-se, Anás percebeu a gravidez de Maria.
2. Então correu até o sacerdote e disse-lhe: "José cometeu falta grave e tu respondes por ele". Perguntou o sumo sacerdote: "O que estás dizendo?". Respondeu Anás: "Ele violou a virgem que recebeu do Templo de Deus e fraudou seu casamento, não declarando-o ao povo de Israel". Disse o sacerdote: "Estás certo de que realmente José fez isso?" Respondeu Anás: "Manda a comissão e confirmará a gravidez da menina". Então os enviados saíram e encontraram [Maria] tal como Anás dissera. E a levaram ao Tribunal, juntamente com José.
3. O sacerdote tomou a palavra e disse: "Por que fizeste isso, Maria? Por que manchaste tua alma, esquecendo do Senhor, teu Deus? Tu, que foste criada no santo dos santos e recebias o sustento das mãos do anjo, que ouviste os hinos e dançaste diante de Deus: por que fizeste isso?" Ela passou a chorar amargamente e disse: "Juro pelo Senhor, meu Deus, que permaneço pura diante Dele! Não conheci varão algum!"
4. Então o sacerdote disse a José: "Por que fizeste isso?" Respondeu José: "Juro pelo Senhor, meu Deus, que permaneço puro perante ela". Esbravejou o sacerdote: "Não jures em falso! Fala a verdade: fraudaste o teu matrimônio, não declarando-o ao povo de Israel; e não inclinaste tua cabeça sob o braço forte de Deus, que bendisse a tua descendência". E José se calou.
XVI
1. O sacerdote disse [a José]: "Devolve a virgem que recebeste do Templo de Deus". Os olhos de José encheram-se de lágrimas. O sacerdote disse ainda: "Bebereis da água da prova do Senhor e esta te mostrará aos olhos os teus pecados".
2. E fez José beber a água e o enviou para a montanha. Porém, retornou são e salvo. Fez o mesmo com Maria, enviando-a também para a montanha. Também ela retornou sã e salva. Então a cidade toda se admirou, por não encontrar pecado neles.
3. Disse o sacerdote: "Visto que o Senhor não indicou o vosso pecado, também eu não vos condenarei". A seguir, os liberou. José tomou Maria e a levou de volta para sua casa, alegre e louvando a Deus de Israel.
XVII
1. Chegou, então, uma ordem do imperador Augusto, obrigando que todos os habitantes de Belém da Judéia participassem do censo. Disse José: "Posso recensear os meus filhos, mas e esta menina? O que informarei no censo? Que é minha esposa? É vergonhoso. Que é minha filha? Todos os filhos de Israel sabem que não é. Faça-se a vontade do Senhor, pois este é o seu dia".
2. Colocou a sela na jumenta e acomodou Maria sobre ela. Um de seus filhos ia conduzindo o animal pelo cabresto enquanto José simplesmente os acompanhava. Ao chegarem a três milhas [de Belém], José notou que Maria estava triste e disse a si mesmo: "Deve ser porque a gravidez a incomoda". Olhando novamente, porém, viu que ela sorria e disse-lhe: "Maria: o que está acontecendo? Às vezes te vejo triste, outras sorridente..." Ela respondeu: "Dois povos foram-me apresentados aos olhos: um que chora e se desespera; e outro que se alegra e rejubila".
3. Atingindo a metade do caminho, Maria disse a José: "Desça-me porque o fruto de meu ventre anseia por vir à luz". Então [José] ajudou-a a descer da jumenta e disse-lhe: "Para onde te levarei para esconder a tua nudez, uma vez que nos encontramos em campo aberto?"
XVIII
1. Descobrindo uma caverna, conduziu-a para dentro e a deixou com seus filhos enquanto se dirigiu para Belém a fim de buscar uma parteira hebréia.
2. E eu, José, andava mas não avançava; olhei para o espaço e o ar parece-me assombroso; olhei para o céu e tudo estava parado, inclusive os pássaros do céu; olhei para a terra e vi um vasilhame no chão e uns trabalhadores sentados, como se estivessem comendo já que suas mãos estavam sobre o vasilhame; porém, embora parecessem comer, não mastigavam e quem parecia pegar a comida, não a retirava do prato e, ainda, os que pareciam levar os manjares à boca, não o faziam porque olhavam para o alto. Havia também ovelhas sendo capturadas, mas não fugiam e o pastor levantou seu cajado para bater-lhes, porém, manteve sua mão no ar. Então olhei para o rio e notei que os cabritos punham seus focinhos nele mas não bebiam da água. Por certo tempo tudo parou.
XIX
1. Então a mulher que descia a montanha me perguntou: "Onde vais?" Respondi: "Procuro por uma parteira hebréia". Ela disse: "Sois de Israel?" Respondi: "Sim". Então ela disse: "Quem está dando à luz na caverna?" Disse-lhe: "Minha esposa". Ela replicou: "Mas não é tua mulher?" Respondi-lhe: "É Maria: aquela que foi criada no Templo do Senhor. De fato, foi-me dada por mulher, mas não o é, e agora concebe por obra do Espírito Santo". Disse a parteira: "Isso é verdade?" José respondeu: "Vinde e vede". Então a parteira foi com ele.
2. Chegando à caverna, pararam, pois estava coberta por uma nuvem luminosa. Disse a parteira: "Minha alma foi agraciada pois meus olhos viram coisas incríveis e a salvação para Israel nasceu!" Então a nuvem saiu da caverna e de dentro brilhou uma forte luz, de forma que nossos olhos não conseguiam ficar abertos. E [a luz] começou a diminuir e viu-se que o menino mamava no peito de sua mãe, Maria. E a parteira gritou: "Hoje é meu grande dia! Vi com os meus olhos um novo milagre".
3. E, saindo da gruta, veio ao seu encontro Salomé. Disse a parteira: "Salomé, Salomé! Preciso contar-lhe uma maravilha jamais vista: uma virgem deu à luz. Como sabes, isso é impossível para a natureza humana". Respondeu-lhe Salomé: "Pelo Senhor, meu Deus, não acreditarei enquanto não puder tocar os meus dedos em sua natureza para examinar-lhe".
XX
1. Então a parteira entrou [na caverna] e disse a Maria: "Prepara-te porque existe uma dúvida sobre ti entre nós". E Salomé pôs seu dedo na natureza [de Maria] e soltou um grande grito: "Ai de mim! Minha malícia e incredulidade são culpadas! Eis que minha mão foi carbonizada e desprendeu-se do meu corpo por tentar ao Deus vivo!"
2. E, se ajoelhando diante de Deus, pediu: "Ó Deus de nossos pais: recorda-te de mim, pois sou descendente de Abraão, Isaac e Jacó! Não me tornes exemplo para os filhos de Israel! Cura-me para que possa continuar a me dedicar aos pobres, pois bem sabes, Senhor, que curava em teu Nome e recebia diretamente de Ti o meu salário".
3. Então um anjo do céu apareceu-lhe e disse: "Salomé, Salomé! Deus te ouviu! Toque o menino e terás alegria e prazer".
4. E Salomé se aproximou e pegou o menino. E disse: "Adoro-te porque nasceste para ser o Grandioso Rei de Israel". Sentiu-se, então, curada e pode sair em paz da caverna. E ouviu-se uma voz que dizia: "Salomé, Salomé! Não digas a ninguém as maravilhas que presenciaste até que o menino vá para Jerusalém".
XXI
1. E José partiu para a Judéia. Ocorreu então grande tumulto em Belém pois chegaram um magos dizendo: "Onde está o Rei dos judeus recém-nascido, pois vimos sua estrela nascer no Oriente e viemos adorá-lo".
2. Ouvindo isto, Herodes ficou perturbado e enviou seus mensageiros aos magos. Convocou os príncipes e os sacerdotes e fez-lhes a pergunta: "O que está escrito sobre o Messias? Onde deverá nascer?" Eles responderam: "Em Belém da Judéia, conforme as Escrituras". Dispensou-os e perguntou aos magos: "Que sinal vistes indicando o nascimento desse rei?" Responderam os magos: "Um grande astro brilhou entre as demais estrelas de forma a ocultar-lhes [a luz]. Soubemos, então, que em Israel havia nascido um rei e viemos para adorá-lo". Disse Herodes: "Ide e buscai-o para que também eu possa adorá-lo".
3. Nesse mesmo instante a estrela que haviam visto no Oriente voltou a brilhar e foram guiados até a caverna; [e a estrela] parou sobre a entrada [da caverna]. Então os magos se aproximaram do menino e de sua mãe e ofertaram-lhe presentes: ouro, incenso e mirra.
4. Porém, foram advertidos por um anjo para que não retornassem à Judéia e voltaram para suas terras por outro caminho.
XXII
1. Quando Herodes percebeu que fora enganado pelos magos, encheu-se de fúria e mandou que seus soldados assassinassem todos os meninos com menos de dois anos.
2. Chegando à Maria a notícia da matança das criança, encheu-se de medo e, envolvendo seu filho em panos, colocou-o numa manjedoura.
3. Quando Isabel ficou sabendo que também procuravam seu filho João, pegou-o e foi para as montanhas, procurando esconderijo. Como não encontrava nenhum lugar ideal, em soluços orou em alta voz: "Ó Montanha de Deus: recebe em teu seio uma mãe com seu filho".
4. Nesse momento, a montanha se abriu para recebê-los. Uma grande luz os acompanhou pois um anjo do Senhor foi guardá-los.
XXIII
1. Como Herodes continua perseguindo João, mandou seus mensageiros interrogarem Zacarias: "Onde escondeste teu filho?" Mas ele respondeu: "Cuido do serviço de Deus e por isso estou sempre no Templo. Não sei onde se encontra meu filho".
2. Os mensageiros informaram o ocorrido a Herodes e ele, furioso, disse para si mesmo: "Provavelmente será seu filho que reinará em Israel". E enviou outro recado [a Zacarias]: "Diga-nos a verdade. Onde se encontra o teu filho? Do contrário, sabes muito bem que o teu sangue está sob as minhas mãos".
3. Mas Zacarias respondeu: "Então serei mártir do Senhor porque te atreves a derramar o meu sangue. Mas a minha alma será recolhida pelo Senhor já que uma vida inocente será ceifada no vestíbulo do santuário". E Zacarias foi assassinado quando veio a aurora, mas os filhos de Israel não perceberam o crime.
XXIV
1. Quando os sacerdotes se reuniram à hora da saudação notaram que Zacarias não veio ao encontro deles para abençoá-los, como era de costume. Ficaram, porém, esperando-o para saudá-lo na oração e para glorificar o Altíssimo.
2. Como demorava muito, passaram a ficar amedrontados. Um deles, tomando a iniciativa, entrou e viu sangue já coagulado ao lado do altar. Então ouviu uma voz que dizia: "Zacarias foi morto e seu sangue não deverá ser limpo até que chegue o vingador". Ao ouvir a voz, encheu-se de medo e saiu para contar aos sacerdotes.
3. Tomando coragem, estes entraram e testemunharam o ocorrido. Então os fundamentos do Templo rangeram e rasgaram as vestes de alto a baixo. Porém, o corpo [de Zacarias] não foi encontrado, mas apenas o sangue já coagulado. Cheios de medo, saíram e contaram a todo povo que Zacarias fora assassinado. E a notícia se espalhou por todas as tribos de Israel, que choraram e guardaram luto por três dias e três noites.
4. Terminado o tempo [de luto], os sacerdotes se reuniram para decidir quem ocuparia o lugar [de Zacarias]. A sorte caiu sobre Simeão, aquele que o Espírito Santo lhe dissera que não provaria a morte até que visse o Messias Encarnado.
XXV
1. E eu, Tiago, escrevi esta narrativa quando surgiu um grande tumulto em Jerusalém em virtude da morte de Herodes. Retiro-me para o deserto até que cesse o tumulto e glorifico ao Senhor, meu Deus, que me concedeu a graça e a sabedoria para escrever esta narração.
2. Que a graça esteja com todos os homens que temem a Nosso Senhor Jesus Cristo, a quem deve ser dada glória por todos os séculos dos séculos. Amém.
Tradução: Carlos Martins Nabeto
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