Cardeal Billot S.J.: “O liberalismo dos católicos
liberais escapa a toda classificação e só tem uma nota distintiva e
característica: a perfeita e absoluta incoerência”
A tentativa de união conceitual e prática de
liberalismo e catolicismo foi chamada por D. Marcel Lefebvre de “a grande traição”.
Em sua obra “Do Liberalismo à Apostasia”, D. Lefebvre cita com insistência um
livro de Pe. A. Roussel intitulado “Libéralisme et Catholicisme”. Este pequeno
livro foi publicado em 1926, tendo recebido o Nihil Obstat em 12 de agosto e o
IMPRIMATUR em 28 de agosto de 1926.
O Pe. Roussel era Doutor em Filosofia e professor do
Seminário Maior de Rennes, França. O livro nasceu de uma série de conferências
proferidas pelo padre na Semaine Catholique em fevereiro de 1926.
Sobre a origem do Liberalismo, já no início do livro,
Pe. Roussel não nos deixa dúvida ao afirmar:
“O termo ‘Liberalismo’ é assaz recente. Parece ter
vindo de Mme. Stael, mas a coisa em si, ao contrário, é tão velha quanto as
montanhas. O pai do Liberalismo é naturalmente aquele que primeiro se revoltou,
o próprio Satã.
“Recusando orgulhosamente a graça sobrenatural e
necessária de forma a não mais depender de seu Criador e Benfeitor, alegando
consegui-la por seu próprio esforço, e complacentemente considerando a
excelência de sua própria natureza esplêndida, ele lançou, das alturas do céu,
o primeiro grito de rebelião, non serviam, não obedecerei.”
Mais adiante, Pe. Roussel faz uma tabela que ajuda o
leitor a entender qual a diferença conceitual que separa o liberal do católico.
Para o liberal
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Para o católico
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1. Razão, fonte e medida de tudo
2. Raciocínio individual e autônomo
3. Autonomia da vontade
4. Ateísmo e panteísmo
5. O homem é auto-suficiente
6. Liberdade, um fim em si mesmo
7. Liberdade, essencialmente independente
8. Independência exigida pela dignidade
9. Homem, essencialmente bom
10. Independência e fatalidade do progresso
11. Igualdade
12. Individualismo anárquico
13. Licença para fazer o que se quiser
14. Soberania do número, ou povo
15. Maçonaria, etc.
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1. Razão submetida ao seu objeto: natural e sobrenatural
2. Raciocínio a partir de anos de tradição
3. Dependência da lei, respeito ao bem comum
4. Um Deus, distinto do mundo
5. Apenas Deus é o Ser necessário
6. Somente um meio para obter o bem final
7. Ela depende da autoridade, lei e ordem
8. Submetida à lei, fonte da perfeição
9. Corrompido pelos pecados pessoais e Original
10. Pressupõe ordem na direção dos bens necessários
11. Hierarquia e organização
12. Laços sociais necessários
13. Liberdade regulada: para fazer o que é bom
14. Soberania de Deus e dos seus delegados
15. Igreja Católica, etc.
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Se o liberal e o católico são assim tão diferentes,
como então reconhecer que exista um ser humano que possa ser chamado de
“católico liberal”? Que poço de contradições conterá tal pessoa? No entanto,
Pe. Roussel não só afirma que existe tal pessoa, como descreve um esboço do que
seja um “católico liberal” em ação. A única concessão que ele faz a tão
contraditório ser é sempre colocar seu nome entre aspas.
Vale a pena acompanhar a descrição de Pe. Roussel. Ela
nos dá um triste retrato do comportamento de muitos padres, bispos e cardeais
destes tempos pós-conciliares. Ela nos ajuda a entender os caminhos trilhados
por estes homens que, falando em nome da Igreja, pregam uma doutrina
essencialmente anti-católica, cuja origem se encontra exatamente no principal
inimigo de Deus. Traduzo agora um trecho do livro do Pe. Roussel intitulado “O
católico liberal em sua prática geral”.
“Em princípio, o ‘católico liberal’ não gosta de falar
de princípios. Ele se atém ao campo dos fatos, pois aí ele pode mais facilmente
usar seus talentos. Mas já aqui somos obrigados a crer que a mediocridade de
seu discernimento da verdade naturalmente o levará a uma mediocridade na ação
(a menos que a real teoria de justificativa de sua atitude seja simplesmente seu
medo de agir e lutar).
De toda a forma, sabemos que qualquer ação ou vigoroso
combate humano necessariamente pressupõe a percepção de um bem a ser obtido ou
conservado. Esta é a única razão para o esforço; caso contrário, reagiríamos
apenas um pouco, ou nem mesmo o faríamos. O mundo moderno chama isso de ‘lei da
motivação’. É preciso amar profundamente para estar fortemente motivado; mas só
se ama na medida em que se compreende a importância ou valor de um determinado
bem. Não é então difícil de entender que haverá apenas uma fria indiferença, ou
pelo menos, uma convicção muito fraca a respeito da verdade. Isto, por sua vez,
produz uma pusilanimidade e uma covardia na ação. Este é freqüentemente o caso
do ‘católico liberal’. Adicionemos a isto que o fato de seu exagerado desejo de
conciliação, além de sua fé enfraquecida, o faz correr o risco de se meter em
transações ambíguas e firmar lamentáveis compromissos. Isto tem como
conseqüências recuos vergonhosos, capitulações e uma irreparável traição. As
últimas poucas décadas testemunharam tudo isso. Mesmo assim, o ‘católico
liberal’ não acredita em nada disso. Ele continua, ao contrário, expressando
seu orgulho em sua solicitude para o que chama de ‘um desejo de paz’, ‘conduta
prudente’, ‘atitude caridosa’, ‘sentido de realidade’, ‘política de
resultados’. Observemos isso mais cuidadosamente.
Desejo de paz – O ‘católico
liberal’ deseja a paz a qualquer custo. Contudo, esse custo é freqüentemente
muito alto, pois ele acaba sendo, na concepção do ‘católico liberal’, o custo
da verdade, dos direitos de Deus e da Igreja. Certamente todo católico deve
trabalhar para a paz, isto é, para a tranqüilidade da ordem em todos os
domínios. ‘Bem-aventurados os pacíficos ...’ Mas, como explica o Cardeal Pie, a
paz é somente possível na verdade, pois a ordem é somente possível se as coisas
estiverem dispostas de acordo com as exigências de suas relações mútuas. A paz
entre os homens é portanto obtida quando suas atividades são ordenadas de
acordo com a virtude. Em particular, as virtudes da justiça e caridade
asseguram um respeito a todas as leis e poderes legítimos. Ora, a paz entre a
Igreja e o mundo é impossível aqui embaixo: ‘Meu filho, quando entrares no
serviço de Deus ... prepara a tua alma para a tentação’ (Eclo 2:1), ‘Todos os
que querem viver piamente em Jesus Cristo, padecerão perseguição’ (II Tim
3:12).
Nosso Senhor claramente previu isso quando disse:
‘vocês serão odiados por causa de meu nome.’ Este é, de fato, o privilégio do
católico, que sempre e em todo lugar atrai um ódio violento e é acusado de
hipocrisia pelo próprio mundo que ele condena. A Igreja militante continuará a
declarar guerra enquanto houver almas a salvar. Como resultado, o pacífico é
sempre chamado a estar preparado para a guerra contra os destruidores da ordem
na batalha contra a concupiscência, o mundo e o demônio. É por causa do amor à
ordem e à paz que o pacífico ataca a ignorância, o erro e as paixões, a fim de
salvar almas. O ‘católico liberal’ ao contrário não entende as verdadeiras
condições para a paz, que é a permanência na ordem, pois a desordem invade sua
mente, desordem que está presente até mesmo em seu nome. É a concordância de
vontades o que ele deseja acima até, e apesar da, divergência e oposição de
mentes. A única coisa que ele obtém é uma tolerância superficial e provisória
em que o católico tem tudo a perder e nada a ganhar. Ele não obtém nem a
verdadeira paz nem a estima de seus adversários. Repetidamente você o vê
estendendo a mão com uma irritante insistência, oferecimento que estamos
dispostos a recusar com desprezo! Não, o ‘católico liberal’ não é um pacífico,
mas sim um pacifista. Ele tem duas características principais: uma aversão
pelos seus irmãos católicos e um perfeito entendimento com o inimigo.
Atitude caridosa – Caridade!
Caridade! Esta é a desculpa que o ‘católico liberal’ tenta apresentar. A
verdadeira caridade é amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo por amor a
Deus. Esses dois amores não são separáveis. Amamos a Deus e ao próximo como
Deus deseja, isto é, visando a um fim e de uma forma que Ele quer, i.e., por e
em Jesus Cristo e a Igreja. A verdadeira caridade sabe que o primeiro bem é a
verdade; propagar isto é pois a primeira obrigação. Porque amamos
fervorosamente, odiamos vigorosamente; juramos nosso inexplicável ódio ao mal,
ao erro e ao pecado, e procuramos destruir cada obstáculo que se opõe à missão
apostólica da Igreja. Comentando sobre a passagem de São Paulo, facientes
veritatem in caritate, praticando a verdade na caridade, Cardeal Pie escreve:
‘A caridade implica antes de tudo o amor a Deus e à verdade. Ela não hesita em
puxar a espada por uma causa divina, sabendo que somente com golpes duros e
incisões salutares pode se vencer ou converter o inimigo.’ Será que o ‘católico
liberal’ ama a Deus sobre todas as coisas quando desconsidera Suas verdades e
ridiculariza Suas leis imprescritíveis? Amará ele seu próximo quando não o
auxilia a se libertar dos erros e o ajuda através de verdades sobrenaturais? É
possível amar o doente ignorando sua doença ao invés de curá-la? As almas são
amadas quando mesmo as verdades elementares, que são necessárias para a
salvação, são recusadas a elas para não lhes causar ansiedade? Não, a caridade
do ‘católico liberal’ é mal orientada, quando e se não completamente deformada.
Ele é mais um pregador hipócrita da caridade do que verdadeiramente caridoso,
pois é todo doce com o incrédulo, mas amargo como fel com o católico. Seu
coração está voltado para a ‘esquerda’, como suas idéias. Ele não tem nada para
dar aos verdadeiros católicos senão amargura e violência. ‘Seu ardor é amargo,
suas discussões ríspidas, sua caridade agressiva’ (Dom Sarda).
Conduta prudente – Pelo menos, o
‘católico liberal’ é ‘prudente’! Ele na prática assume a definição que criou:
não é ela a virtude par excellence do ‘justo meio’ e aquela que regula todas as
outras virtudes? Com uma modéstia que lhe causa satisfação, repete sem cessar
que ele não compromete o bom objetivando idioticamente o perfeito. Em vez
disso, ele sabiamente se contenta como o ‘possível’. Mas isso o faz mais justo?
A prudência é definida como: recta ratio agibilium, que pode ser traduzida como
a ‘arte de obter êxito,’ isto é, a habilidade de atingir o objetivo. A
prudência nunca perde sua perspectiva que é o fim último do homem e do
universo. Portanto, ela analisa todos os meios que auxiliarão na sua obtenção.
Ela procura o maior bem possível numa dada circunstância, e, entretanto,
considera isso apenas como um degrau para o fim último, e não como um fim em si
mesmo. Ela cuida do doente de uma maneira útil, nunca todavia cedendo ao mal, a
menos que seja obrigada a tolerá-lo por enquanto, aguardando um momento
favorável para triunfar ainda mais completamente. A prudência certamente se
dobra às circunstâncias, mas sempre para obter um bem maior. Ela trabalha incansavelmente
em sua direção, intensificando todo bem possível. Ela nunca se senta resignada
em ser conquistada, mas sempre acaba sendo o conquistador. Ela procura o
sucesso, nunca desdenhando da força, mas controlando-a e usando-a para obter o
fim em vista. A prudência do ‘católico liberal’, por outro lado, é sempre
vulgar porque é míope, nunca vendo muito alto ou muito longe. Falta-lhe
sabedoria que é o ‘conhecimento das mais altas causas’. Ele é débil e hesitante
pois não há convicção na fé. Toda a confiança é colocada nas modestas e
limitadas condições humanas, e nenhuma em Deus e Sua graça. Esta não é senão a
prudência do mundo ou a ‘prudência carnal’. Ela não deseja nenhum tipo de
batalha; ela desdenha a força em vez de colocá-la a serviço da verdade. Esse
tipo de prudência somente sabe como capitular. Fundamentalmente, ela não é
senão medo e mesmo covardia.
Sentido de
realidade
– O ‘católico liberal’ crê e mesmo proclama que é dotado de um ‘senso de
realidade’, na falta de um ‘senso católico’. Ele não se interessa por teoria,
mas se considera prático. Alega conhecer seu tempo, suas aspirações e
necessidades. Para ele, a verdade deve ser apresentada numa forma inteiramente
diferente às pessoas agora amadurecidamente impregnadas de liberdade. Ele pressiona
a Igreja a levar em conta o progresso e Se colocar à sua disposição. Contudo,
este infeliz indivíduo não tem o senso da realidade especulativa, nem natural
nem sobrenatural, dado seu amor incrivelmente fraco pela verdade. Tampouco tem
ele o senso da realidade prática, pois, surpreendentemente, falta-lhe
psicologia. Ele pensa que conhece as aspirações de seu tempo, mas na realidade
é totalmente ignorante das profundas aspirações de todos os tempos; por
exemplo, a da inteligência por verdades universais e a da vontade pelo bem
soberano. Ele não entende a invencível atração que a verdade exerce sobre toda
e qualquer alma. Tendo uma excessiva confiança nos meios humanos, ele se
esquece de se socorrer Naquele que fez o céu e a terra. Ele despreza a graça onipotente
de Jesus Cristo, e tem em particular uma fé muito superficial na profunda
afinidade entre a alma sacerdotal e a alma batizada. Por isso, seus sermões, se
ele é padre, são ineficazes e enfadonhos, pois coloca ênfase na eloqüência e
persuasão, em vez de na virtus Christi. Em vez de falar com autoridade de
representante de Deus e embaixador de Cristo, ele se faz pequeno, humilde e
suplicante. Conseqüentemente, obtém somente o sucesso humano e às vezes até
mesmo indiferença e desprezo. Falta-lhe também psicologia frente a um
adversário obstinado. Ele pensa que, com a capitulação freqüente ante ao
adversário, ele receberá em troca mais, mas de fato, ele perde terreno a cada
dia. Isto é o que ele chama de o ‘possível’, de ‘mal menor’. Mesmo assim,
quando ele faz dessa atitude um sistema, o ‘mal menor’ se torna o maior de
todos os males, e o ‘possível’ se encolhe sem cessar, pois quanto mais ele
recua, mais o adversário avança e conquista o seu terreno. Essa é a história da
resistência do ‘católico liberal’ nos últimos 50 anos. Assim, hoje chegamos a
aceitar e respeitar a lei do secularismo! Este é o resultado de tal política e
é enormemente triste!
Assim, esse dissimulado ‘justo meio’ se move sem
cessar, sempre na direção do mal maior. É surpreendente ver como o ‘católico
liberal’ se colocou entre a Igreja e a Revolução. Ele continuamente se aproxima
do lado da revolução e se distancia cada vez mais da Igreja. Realmente, nesse
sentido ele avança continuamente na direção da conformidade com o povo. Assim,
o ‘católico liberal’, cuja intenção era a de conciliar a Igreja com a
Revolução, tornou realmente possível a vitória da Revolução. Ele não ganhou
nada da esquerda, perdeu muito da direita, não conseguiu nenhuma conversão,
facilitou muita perversão e causou até mesmo uma multidão de apostasias. Ele
nos acusa de colocar a Igreja em perigo, e ainda assim é Ela sozinha que se
defende perante um mundo hostil, simplesmente anunciando o que Ela acredita e
deseja. Ao contrário então, nós o acusamos de trair a Igreja. Ele coloca a fé
em perigo ao destruir a resistência católica ou, por covardia, ao fazer um
pacto com o próprio adversário.
Ao ‘católico liberal’ não falta inteligência. Ele tem
uma eloqüência, um talento e um conhecimento mais perfeitos que qualquer um. É
contudo sua posição que é imbecillus, segundo o significado latino. Em lugar de
construir sobre a pedra, fundatus supra firmam petram, ele constrói sobre a
areia movediça da liberdade em que ele é engolido. Sua posição é totalmente
contraditória, pois ele deplora os próprios efeitos das causas que ama, e
deseja combater a impiedade, a imoralidade e a heresia sem perceber que seu
próprio liberalismo o conduz para essas conclusões.”
(Pe. Augustin
Roussel, Libéralisme et Catholicisme)
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