"Que maioria-católica é essa, tão insensível, quando leis, governos, literatura, escolas, imprensa, indústria, comércio e todas as demais funções da vida nacional se revelam contrárias ou alheias aos princípios e práticas do catolicismo?"
Ora, da grande maioria dos nossos católicos, quantos são os que se
empenham em cumprir os mandamentos de Deus e da Igreja? É certo que os sacramentos são caudais
divinos por onde corre a seiva vivificadora da fé. E, no entanto, parte
avultada dos nossos católicos vive afastada dos sacramentos. A Penitência e a
Eucaristia, focos de luz divina, são sacramentos conhecidos tão somente da
maioria eleita dos nossos irmãos. E os outros? Não carecem do perdão magnânimo
do Cristo? Não precisam, quem sabe, das luzes, do conforto e das inenerráveis
graças do Pão Eucarístico? Não são católicos! É que são
católicos de nome, católicos por tradição e por hábito, católicos só de
sentimento. Ensinou-lhes
uma santa mãe a beijar a cruz e a Virgem. Eles ainda o fazem. Mas, das práticas
cristãs, dessas que purificam e salvam, eles se apartaram desde os primeiros
dias da mocidade. (…)
Somos a maioria absoluta da nação.
Direitos inconcussos nos assistem com relação à sociedade civil e política, de
que somos a maioria. Defendê-los, reclamá-los,
fazê-los acatados, é dever inalienável. E nós não o temos cumprido. Na
verdade, os católicos, somos a maioria do Brasil e, no entanto, católicos não
são os princípios e os órgãos da nossa vida política. Não é católica a lei que
nos rege. Da nossa fé prescindem os depositários da autoridade. Leigas são as
nossas escolas; leigo, o ensino. Na força armada da República, não se cuida da
Religião. Enfim, na engrenagem do Brasil oficial não vemos uma só manifestação
de vida católica. O mesmo se pode dizer de todos os ramos da vida pública.
Anticatólicos ou indiferentes são as
obras da nossa literatura. Vivem a achincalhar-nos os
jornais que assinamos. Foge
de todo à ação da Igreja a indústria, onde no meio de suas fábricas inúmeras, a
religião deixa de exercer a sua missão moralizadora. O comércio de que nos
provemos parece timbrar em fazer conhecido que não respeita as leis sagradas do
descanso festivo. Hábitos novos, irrazoáveis e até ridículos, vai introduzindo
no povo o esnobismo cosmopolita. Carnavais transferidos para tempos de orações
e penitência, danças exóticas e tudo o mais que o morfinismo inventou para
distração de raças envelhecidas na saturação do prazer.
Que maioria-católica é essa, tão insensível, quando leis,
governos, literatura, escolas, imprensa, indústria, comércio e todas as demais
funções da vida nacional se revelam contrárias ou alheias aos princípios e
práticas do catolicismo? É evidente, pois, que, apesar de sermos a maioria absoluta do Brasil, como nação, não
temos e não vivemos vida católica. (…)
Os deveres religiosos, como não
cumpri-los? Ou cremos em Deus e na sua Igreja ou não cremos. Sim? Então não
podemos recusar obediência ampla e incondicional às suas leis sagradas. Não
cremos em Deus e na Igreja? Nesse caso, não queiramos esconder a nossa
descrença. Digamo-lo francamente: não somos católicos. Se, porém, temos a dita
de o ser, não há tergiversação possível. Pautando a vida pelos ditames
do Credo e dos Mandamentos, deles não nos é permitido selecionar o que nos
agrada e o que nos contraria as paixões. Seria ofender a consciência e faltar à
coerência. Dessa incoerência, menos rara
do que se pensa, resulta a quase nenhuma influência dos princípios
regeneradores do cristianismo nos atos da vida individual. E não é só. Privados do influxo
benéfico e incomparável do Cristo, privamos a família, a sociedade e a pátria
da nossa influência salvadora. Se Cristo não atua sobre a
nossa vida individual, como poderemos atuar sobre o meio social?
E, no entanto, da influência social dos
católicos é certo que muitos precisa a nossa pátria amada. Ela tem o direito
indiscutível a exigir de nós uma floração de virtudes privadas e cívicas que,
estimulando a todos no cumprimento do dever, em todos se infiltrem para germe
de probidade e são patriotismo.
Da nossa parte, a consciência nos impele
a nos desobrigarmos dos deveres que temos para com a sociedade e a pátria. Eles
nascem da fé que nos anima e vivifica. Temos fé, somos possuidores da
verdade! Como não querer propagá-la? Como não difundi-la? Seria desumano que pretendêssemos
insular a nossa fé nas inebriações de perene doçura extática.
É natural, é cristão, é lógico que devo pôr todo o empenho em que
meu Deus seja conhecido e amado. Devo esforçar-me para que se dilate o
seu reinado e ele – o meu Jesus – viva e reine, impere e domine
nos indivíduos, na família e na sociedade. Devo esforçar-me, em tudo e por tudo,
para que o meu Deus, Mestre e Senhor, viva e reine, principalmente, nos
indivíduos, na família e na sociedade que, irmanadas comigo nos laços do mesmo
sangue, da mesma língua, das mesmas tradições, da mesma história e do mesmo
porvir, comigo vivem sobre a mesma terra, debaixo do mesmo céu.
Sim, ao católico não pode ser
indiferente que a sua pátria seja ou não aliada de Jesus Cristo.
Seria trair a Jesus; seria trair a pátria! Eis por que, com todas as energias
de nossa alma de católicos e brasileiros, urge rompamos com o marasmo
atrofiante com que nos habituamos a ser uma maioria nominal, esquecida dos seus
deveres, sem consciência dos seus direitos. É grande o mal, urgente é a cura.
Tentá-lo – é obra de fé e ato de patriotismo.
Fonte: Deus e a
pátria: Igreja e Estado no processo de Romanização na Paraíba (1894-1930) /
Roberto Barros Dias. – João Pessoa, 2008.
Fonte: http://www.deuslovult.org/2009/11/18/carta-aos-fies-de-olinda-e-recife-dom-leme/
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