“Procurai os santos do protestantismo em quatro séculos de existência, inquiri do heroísmo dos seus filhos, investigai-lhes os milagres que são sigilo da divindade; não encontrareis, sob estes títulos, senão páginas em branco.”
Por Mª Virginia Olivera de Gristelli
Em 1999 o Bispo de
Ávila e membro do Conselho Pontifício para a Promoção da Unidade dos cristãos,
Adolfo González Montes, afirmava: "Não existe abdicação de Trento nem
levantamento da excomunhão de Lutero".
No entanto, o Cardeal
Koch, presidente do Conselho Pontifício para a Promoção da Unidade dos
cristãos, que há alguns anos declarou, de forma clara, que "não
podemos celebrar um pecado" e que "os acontecimentos que dividem
a Igreja não podem ser chamados um dia de festa", tratou logo de amenizar o
escândalo que significa para uma imensidão de católicos a comemoração conjunta
da Reforma, assinalando a diferença entre "comemorar" e
"festejar", esclarecendo que o primeiro é o termo a ser usado,
referindo-se a um "acordo solene".
Por outro lado, disse
também que "existem coisas que se pode aprender de Lutero"
(sic), e da leitura do documento "Do conflito à comunhão"
(2013) surge a impressão de que toda a história de divisão entre luteranos e
católicos não foi mais do que uma lamentável sucessão de maus entendidos. No
número 45 do referido documento, por exemplo, se diz que:
"Roma estava
preocupada em que o ensinamento de Lutero solaparia a doutrina da Igreja e a
autoridade do Papa. Por conseguinte, Lutero foi chamado a Roma para responder
ao tribunal da Cúria a respeito de sua teologia (...) Após o encontro, Caetano
redigiu um pronunciamento oficial e o Papa promulgou-o imediatamente após o
interrogatório de Augsburg, sem nenhuma resposta aos argumentos de
Lutero."
O fato é que palavras
a mais, palavras a menos (e sem deixar de registrar o que as palavras não
dizem, mas que dão a entender....), vamos chegando lentamente até os disparates
do Cardeal Kasper - propõe Lutero como membro da "grande tradição da
Igreja" - e de muitos outros, prontos para aproveitar o clima "de
encontro" para iniciar cedo ou tarde um processo de reabilitação, ao que
seguramente seguir-se-ia de uma canonização do monge alemão... Cabe-nos então
duas opções: cair na gargalhada ou chorar amargamente. Optamos pela
oração e reparação, não tanto pelas "culpas da Igreja" nos tempos da
Reforma, mas pela ambiguidade, confusão e tibieza de nossos dias.
Contudo, além das
tratativas ecumênicas legítimas ou ilegítimas (pois o ecumenismo
somente pode ter sentido quando se busca a unidade na verdade, e não quando se
tem a união a qualquer preço, inclusive da própria verdade revelada),
pensamos que pelo menos estes parágrafos devem ser levados em consideração,
meditados e pesados na hora de considerar o que significa unidade, e quais são
suas efetivas possibilidades de realização.
Se o próprio Papa
Francisco disse que "devemos colocar-nos na história desse tempo...",
o mínimo que podemos pedir é atenção à voz da Igreja na tal história. Ou acaso
teremos que olhar tudo "assepticamente", sem considerar que aquelas
bulas nasceram do coração do "doce Cristo na terra", quando um
heresiarca desgarrava de dentro da unidade da Igreja, com incomum violência?
É justo - pergunto-me
como filha dessa mesma Igreja (que não tem nem 500 nem 50 anos, mas que já
possui 21 séculos) - focar toda nossa boa vontade nas intenções do herege,
dizendo que "não eram equivocadas", e partir do pressuposto de que,
pelo contrário, do lado católico tudo ou quase tudo estava corrompido? Não é
isso julgar intenções e negar a evidência das obras - nefastas - que a Reforma
trouxe? Isto nos recorda o que assinalava o historiador ateu Leo Moulin:
"... a obra mestra da propaganda anticristã é ter conseguido criar
nos cristãos, sobretudo nos católicos, uma má consciência, lhes infundindo a
inquietação, quando não a vergonha, por sua própria história. À força de
insistir, da Reforma até nossos dias, conseguiram lhes convencer de que são os
responsáveis por todos ou quase todos os males do mundo. Paralisaram-lhes
na autocrítica masoquista para neutralizar a crítica do que ocupou seu lugar."
É lícito
"desperdiçar" a boa vontade, atribuindo obstinadamente "boa
intenção" a um homem que uma beata - Sóror Maria Serafina Micheli - tenha
visto no inferno e que admitiria ter diálogo com o demônio? Que coincidência...
talvez alguns que "celebrem" Halloween possam este ano vestirem-se de
Lutero!
Ou eles nos dirão que
para ser bons católicos devemos tentar ser "objetivos" e pensar como
"não católicos" todo este assunto? Eu esclareço que nesse jogo não me
envolvo, porque negar o princípio da não contradição atenta contra a
saúde mental.
Por acaso podemos
falar de caridade, sem violar a ordem que a mesma caridade exige, atendendo os
mais distantes com a negligência aos mais próximos? Por
exemplo, temos ouvido alguns que se lançam contra o Papa Leão X, invalidando
suas condenações. Mas, por mais que conheçamos as desordens pessoais do
pontificado de Leão X, não é absurdo desprezar toda sua obra, fazendo Lutero
ficar um pouco menos que um mártir, porque o tenha condenado, e não um santo
pontífice?
Creio que se nos fosse
concedido eleger entre um papa anto, mas débil na defesa da fé, e um com
grandes pecados pessoais, mas zeloso neste último ponto, qual seria mais
benéfico para o bem comum da Igreja? Não será que, de um tempo para cá, não
ficamos acostumados ao culto da personalidade, descuidando, no entanto, das
exigências do devido cumprimento de seu principal dever?
De minha parte não
duvido que é a Esposa de Cristo quem exorta, pela boca de S.S. Papa Leão X, na
bula Decet Romanum Pontificem:
Portanto, compete
ao Pontífice, por temor de que a barca de Pedro pareça navegar sem piloto
ou remador, tomar severas medidas contra tais homens e seus sequazes e,
mediante o aumento de medidas punitivas e outros oportunos remédios, fazer com
que esses mesmos homens prepotentes, dedicados como são a fins perversos,
juntamente com os seus apoiadores, não enganem a multidão dos simples
com as suas mentiras e mecanismos enganadores, nem os arrastem juntos na adesão
ao seu erro e à sua própria ruína, contaminando-os com o que equivale a uma
contagiosa doença.
Corresponde também ao
Pontífice, depois de ter condenado os cismáticos, para evitar uma ainda maior
perdição e confusão deles, mostrar e declarar pública e abertamente a todos os
fiéis cristãos como são tremendas as censuras e penas às quais tal culpa pode
levar, para que, por meio de tal declaração pública, aqueles possam, com
contrição e remorso, voltar em si, fazendo retratação irrestrita das
conversações proibidas, da amizade e, sobretudo, da obediência para com tais
réprobos excomungados, de maneira que possam evitar os castigos divinos e
qualquer grau de participação nas condenações deles.
Os nossos seguintes
decretos são emitidos contra Martinho e os demais que o seguem na obstinação do
seu propósito depravado e execrável, assim como contra aqueles que o defendem e
protegem com escolta militar e não temem apoiá-lo com recursos próprios ou de
qualquer outra forma, e têm a pretensão de lhe oferecer e custear ajuda,
conselho e favor. Os seus nomes, sobrenomes e graus ― por mais elevada e
fulgurante que seja a sua dignidade ― desejamos que se considerem incluídos
nestes decretos com o mesmo efeito que se estivessem elencados individualmente
e listados na sua publicação (...)
Sobre todos estes,
decretamos as sentenças de excomunhão, de anátema, de nossa perpétua condenação
e interdito, de privação de dignidades, honras e propriedades sobre eles e seus
descendentes, de declarada inidoneidade para os próprios bens, de confisco dos
seus bens e de traição; nestas e nas demais sentenças, censuras e penas que são
infligidas pelo direito canônico aos hereges (...)
Queremos tornar
conhecido de todos o mesquinho comércio que Martinho, os seus sequazes e os
demais rebeldes estabeleceram, pela sua temeridade obstinada e sem vergonha,
sobre Deus e sua Igreja. Queremos proteger o rebanho de um animal
infeccioso, para que a sua infecção não se espalhe para as ovelhas saudáveis.
(...) desde já, mandamos a todo e cada um dos patriarcas, arcebispos e todos os
demais prelados, em virtude do seu voto de obediência, que, sendo eles
precisamente encarregados de dissipar cismas com a autoridade de São Jerônimo,
devem, na atual crise, como lhes obriga o seu ofício, erguer uma
muralha de defesa para o seu povo cristão. Estes não devem calar-se, como cães
mudos que não podem latir [Isaías 56,10], mas incessantemente clamar e levantar
a voz da pregação, fazendo com que seja anunciada a palavra de Deus e a verdade
da fé católica contra os artigos condenados e heréticos citados acima.
Está escrito que o
amor perfeito expulsa o medo. Que cada um de vós assuma o encargo desse
meritório dever com completa devoção; mostrai-vos tão escrupulosos na sua
execução, tão zelosos e solícitos em palavras e atos que, por meio dos vossos
trabalhos, com o auxílio da divina graça, venha a esperada colheita e, pela
vossa devoção, vós não somente ganheis aquela coroa de glória que é a
recompensa devida a todos os que promovem a defesa da fé, mas também obtenhais
de Nós e da Santa Sé o elogio irrestrito que a vossa diligência merece.
Nada obste a nossa
vontade em constituições apostólicas, em decretos, na nossa já referida missiva
precedente ou em quaisquer outros pronunciamentos em contrário.
Ninguém em absoluto
pode infringir esta nossa decisão escrita, declaração, preceito, injunção,
designação, vontade, decreto ou temerariamente contrariá-los.Se
alguém se atrever a tentar tal coisa, saiba que incorrerá na ira de Deus
Todo-Poderoso e dos Bem-Aventurados Apóstolos Pedro e Paulo.
(Papa Leão X, Bula
Decet Romanum Pontificem 3 de janeiro de 1521) *
Embora sem pretensão
alguma de exaustão para trata este problema, que apresenta vários aspectos a
serem considerados e sobre os que me limito a confiar preocupações, pergunto-me
sinceramente se podemos ignorar ou contradizer absolutamente estes
parágrafos, enaltecendo uma figura tão longa e justificadamente criticada,
omitindo as sanções e anátemas, considerando-os desatualizados ou completamente
fora de moda, sem temer com isso incorrer em uma espécie de zombaria de Cristo,
Cabeça da Igreja, de quem "ninguém zomba" (Gl 6, 7)? Por
mais voltas que se dê, distinguindo o que se comemora, o que se agradece (???)
e o que se lamenta, o fato é que o heresiarca e sua descendência acabam sendo
objeto de aplausos e serpentinas.
Com esta unidade - que
não é verdadeira - que bradam e desejam, se quer saber onde fica a
unidade da Igreja consiga mesma, se se vai manchando o princípio de sua
identidade. Devemos que sepultar também definitivamente "no baú de
memórias" estas palavras do Papa Pio XI?
"Estes
pancristãos, que empenham o seu espírito na união das igrejas, pareceriam
seguir, por certo, o nobilíssimo conselho da caridade que deve ser promovida
entre os cristãos. Mas, dado que a caridade se desvia em detrimento da
fé, o que pode ser feito? Ninguém ignora por certo que o próprio João,
o Apóstolo da Caridade, que em seu Evangelho parece ter manifestado os segredos
do Coração Sacratíssimo de Jesus e que permanentemente costumavas inculcar à
memória dos seus o mandamento novo: "Amai-vos uns aos outros", vetou
inteiramente até mesmo manter relações com os que professavam de forma não
íntegra e incorrupta a doutrina de Cristo: "Se alguém vem a vós e não
traz esta doutrina, não o recebais em casa, nem digais a ele uma saudação"
(2 Jo 10). Pelo que, como a caridade se apoia na fé íntegra e sincera como que
em um fundamento, então é necessário unir os discípulos de Cristo pela unidade
de fé (...), por quanto não é lícito promover a união dos cristãos de
outro modo senão promovendo o retorno dos dissidentes à única verdadeira Igreja
de Cristo, dado que outrora, infelizmente, eles se apartaram dela."
(S.S. Pio XI, Encíclica Mortalium Animos, 6 de janeiro de 1928)
Aplicamos o que dizia
o Cardeal Ruini - sobre uma possível mudança sobre o matrimônio: está
em jogo a credibilidade da Igreja. Perguntamo-nos honestamentecomo se
crê que possamos participar desta comemoração da Reforma, a separando da
heresia em que se funda e sem separarmo-nos do sentire cum ecclesiam?
De nossa parte, damos
as boas vindas, sem hesitar, a recomendação do Apóstolo:
"Ó Timóteo, guarda
o depósito. Evita o palavreado irreverente e as objecções dessa falsa
ciência, pois alguns professaram-na e desviaram-se da fé." (1Tm 6, 20).
_____
Fonte: Blog
Infocatolica, tradução e adaptação nossa.
* A tradução que
usamos da Bula pode ser encontrada integralmente aqui.
“Procurai os santos
do protestantismo em quatro séculos de existência, inquiri do heroísmo dos seus
filhos, investigai-lhes os milagres que são sigilo da divindade; não
encontrareis, sob estes títulos, senão páginas em branco.” - Padre
Leonel Franca, S.J.
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