"Nada ficou de pé na nova civilização. Não somente a Igreja Católica foi alijada de qualquer influência no pensamento moderno, como a simples prática das virtudes naturais perdeu qualquer respaldo."
Se viver mergulhado no mundo não leva ninguém para
o inferno, pergunto: porque a porta do céu é tão estreita? Porque N. Senhor
insiste com essa ideia, ao dizer que é mais fácil um camelo entrar no fundo de
uma agulha do que um rico entrar no céu? É claro que não se trata aqui, apenas
de um homem que possui muitos bens. Rico é aquele apegado às coisas, aos bens
materiais, ao conforto, ao mundo. Um homem que centraliza sua vida nas coisas
desse mundo. Fica, de fato, quase impossível entrar no céu carregado de tantos
apegos, vaidades, orgulhos e vícios.
Do seu lado, os santos insistem
sempre: levem uma vida piedosa; o católico deve guardar sua vista, seus
sentidos para evitar todo pecado; vivam com modéstia, na castidade.
Não é bem esta a prática atual, onde
os católicos não diferem em nada dos mundanos. Assistem aos mesmos programas de
televisão, frequentam os mesmos shows, as mesmas festas; gastam seu dinheiro no
mesmo comércio anunciado pela mídia: Natal com Papai Noel, Páscoa com ovos e
coelhinhos, e essa gama impressionante de festas inventadas para ocupar o lugar
das tradicionais festas religiosas e dos santos: dia das mães, dia dos pais,
dia dos namorados, dia da criança, dia do zumbi, dia do black power, dia das bruxas...
Quando acabaram com os feriados nos dias santos de guarda, diziam que
atrapalhava o trabalho. Como mentem! Mentem e manipulam as cabeças de todos,
mesmo daqueles que leem jornais cults todos os dias e compram o "Código da
Vinci". Grandes culturas! São porquinhos mansos indo pelo curral em
direção à morte. E não percebem nada.
Naquele tempo se praticava virtudes
Houve época em que o mundo se pautava pela prática das virtudes. Que o homem
fosse católico ou não, o critério de sua vida seria o mesmo: cada qual
trabalhava para ser reconhecido pela sociedade como pessoa honesta, honrada,
homem de palavra, fiel. Virtudes como a coragem, a castidade, a piedade estava
na pauta do dia. Se era católico, praticava essas virtudes voltadas para a vida
eterna, virtudes sobrenaturais. Se não era católico, praticava essas mesmas
virtudes sem a marca divina, eram as virtudes naturais. Não diferem em si das
primeiras, apenas nessa qualidade divina que dá à virtude sobrenatural uma nova
força, vinda de Deus, que conduz o homem ao seu fim último, em Deus. Que ele
fosse um médico ou um jurista, soldado ou quitandeiro, dono de terras ou
colono, todos se gabavam de dar a seus filhos a boa educação, de corrigir seus
filhos malcriados, de ensinar aos filhos a prática das virtudes. Qual o pai que
não se orgulhava de ver sua filha prendada tomar bom marido, recomeçando assim
o ciclo virtuoso da família decente? Não eram santos, por certo. Mas quando
pecavam ficavam com a consciência culpada diante de Deus e tinham medo de serem
malvistos na sociedade.
O drama que estamos vivendo vem do
fato de que o mundo atual não se pauta por estes critérios de vida. Homens
"iluminados" introduziram um novo eixo no pensamento da humanidade.
Este novo eixo levou Gustavo Corção a entender o mundo moderno como
"antropo-excêntrico", ou seja, um mundo que trocou o seu eixo1.
Hoje se pratica a liberdade
O polo desarticulador do mundo veio da falsificação da liberdade. A prática da
virtude passou a ser vista como obstáculo à liberdade. No pensamento
greco-católico, a liberdade é uma faculdade do espírito inteligente que o faz
mover-se para o bem por um movimento interior da própria pessoa, e não
empurrada por alguma outra força. Ora, só existe verdadeira liberdade quando
nos inclinamos para o bem. Quando os homens passam a ensinar que a inclinação
para o mal também é válida, estabelecem as bases para uma nova civilização: o
mundo sem Deus, o mundo sem virtudes, sem piedade.
O resultado é catastrófico. Nada
ficou de pé na nova civilização. Não somente a Igreja Católica foi alijada de
qualquer influência no pensamento moderno2, como a simples prática das virtudes
naturais perdeu qualquer respaldo. Se perguntarmos como vivem os homens deste
nosso século, logo teremos uma lista das novas atitudes:
- o reino do sexo livre, sem
qualquer tipo de limite tanto pela natureza quanto pela cultura. Forma-se uma
pressão sobre todos para que se acostumem a romper com os limites da própria
consciência. Esta pressão vem pelos programas de televisão, pelos filmes, pela
presença constante diante dos olhos, de imagens sensuais espalhadas pelas
cidades. É um dado positivo (no sentido de afirmativo) que vem somar a uma
impressionante propaganda negativa que há décadas faz uma verdadeira lavagem
cerebral, convencendo a todos que a castidade seria uma doença.
- o reino do erro livre, onde todos têm razão e ninguém é dono da verdade
porque expulsaram a verdade. Expulsaram das suas vidas a autoridade divina,
pois todas as religiões passam a se valer; expulsaram a autoridade paterna,
pois um pai não pode mais corrigir seu filho, educá-lo na prática das virtudes
condenando seus erros. O mundo onde cada qual constrói sua própria verdade é um
mundo esquizofrênico. Como a inteligência humana se alimenta da verdade dos
objetos que conhece, entra em colapso quando é forçada a criar verdades de
dentro para fora, sua própria consciência passando a dar vida às coisas, o que
é propriamente “tornar-se como deuses”.3
- o reino da desonestidade livre,
pois é evidente que não cabe no mundo tantas verdades individuais opondo-se
umas às outras. Por isso o colapso da verdade gera o ódio, a guerra,
inimizades. Não pensem que algum tipo de governo ou de partido poderá escapar
da corrupção. Ela é endêmica, faz parte essencial da vida onde a liberdade é
deusa. Lá onde a verdade movia os homens ao amor, temos hoje o erro movendo os
homens ao ódio. Na política como dentro das empresas, nas famílias como no
mundo jurídico.
- o reino da infidelidade livre, pois
a falsa noção de verdade e o falso amor geram uma relação social evolutiva,
chacoalhante, em constante movimento. Nada fica de pé, nada tem aparência de
duração, de solidez, de eternidade. Neste mundo não há lugar para a família.
Por isso podemos dizer que o Divórcio foi a bomba de retardo lançada no mundo
todo, que detonou a seu tempo sobre os alicerces da família, base da antiga
sociedade.
Tudo isso está invadindo as casas há
mais de cinquenta anos, sem que os católicos reajam. O liberalismo já tinha
minado as bases da família. Poderíamos dizer que o liberalismo fez o trabalho
de sapa e a liberdade enlouquecida fez o trabalho de restauração da casa
destruída, com novas bases. O pior de tudo não é o mundo ser assim; o pior é
ver os católicos vivendo no meio disto sem enxergar; cegos, surdos, sem forças,
marionetes burrificadas por cinquenta anos de estupidez televisiva.
Na formação deste impressionante
“Reino” do mal, algumas armas foram usadas de modo mais constante:
- a imagem, essa rainha da falsidade
que escraviza a nossa imaginação, marca, fere, choca, tirando dela toda reação
possível.
- o som, que trouxe ao mundo vários
tipos de música que simplesmente destrói na alma qualquer capacidade de
raciocínio, de concentração.
- a ocupação, escravizando o homem
numa avalanche de preocupações, de trabalhos, de excitações que o obriga a
estar 24 horas por dia "ligado" na coisa material. Ao mesmo tempo,
através de décadas de mentiras, arrancaram a mulher do seu trabalho materno, do
seu lar, onde sua presença era a maior garantia da boa educação dos filhos.
- a diversão, que vem preencher o
resto de tempo que os pobre-coitados ainda poderiam dispor: agora é hora de
malhar, de correr, de praticar esportes cada dia mais exigentes. E tem o show
alucinante, a festa que termina pela manhã, a praia, a viagem, o carnaval.
Pobre gente. Já não conseguem
entender as coisas mais banais. Já não percebem que os frutos dessa nova
civilização já estão estabelecidos como práticas consagradas:
- o aborto que mata a criança
inocente, contraponto dos famigerados "estatutos" da criança que
protege o marginal de baixa idade.
- a eutanásia, que é o aborto dos
velhos, tão indesejados pelo "custo" quanto os filhos. Temos como
exemplo gritante desta prática o assassinato de Terri Schiavo no início de
2005, executada pela fome e pela sede com carimbos dos juízes e da polícia.
- o casamento homossexual, que choca
a natureza, contraponto das vantagens que a lei outorga aos concubinatos.
Chegamos ao ponto mais baixo na destruição da sociedade.
- vários detalhes da chamada
bio-(sem)ética, onde homens levam o delírio até experimentos com genética
humana, verdadeiros alucinados brincando de Deus. Seria o caso de perguntarmos:
porque querem matar as crianças inocentes e, ao mesmo tempo, gerar artificialmente
seres humanos? Não podemos deixar de incluir aqui a aberração dos embriões
congelados que ninguém quer, seres humanos que sofrem sem piedade e que serão
destruídos cruelmente.
Em todos esses exemplos a família
aparece destruída. Já não é mais a base da sociedade. Os homens que construíram
isto que está aí detestam a família, odeiam qualquer cheiro de tradição
familiar, de fidelidade conjugal, de casa cheia de crianças.
Ora, se esses são os critérios e as
práticas da nova civilização anticristã, então somos obrigados a constatar: o
mundo está pronto para o Anticristo!
O mundo está pronto para o Anticristo
Sempre me pareceu impressionante a facilidade com que a humanidade segue
apaixonadamente o Anticristo, que é uma das bestas, no relato divino do
Apocalipse.4 Dizia-me: como pode
ser que os homens se entreguem a uma vida completamente enganadora e
destruidora de tudo? Hoje ficou mais claro para mim. E muito me impressionou ao
encontrar no Pe. Castellani, grande pensador argentino, uma descrição feita em
1953 disso tudo que só hoje estamos vivendo:
“... porque o Homem do Pecado
tolerará e se aproveitará de um cristianismo adulterado...Imporá por todas as
partes o reino da iniquidade e da mentira, o governo puramente exterior e
tirânico, a “Liberdade” desenfreada dos prazeres e diversões, a exploração do
homem; e seu modo de proceder hipócrita e sem misericórdia. Haverá em seu Reino
uma estrondosa alegria falsa e exterior, cobrindo o mais profundo desespero.
Em seu tempo acontecerão os mais estranhos distúrbios cósmicos, como se os
elementos se houvessem revoltado. A humanidade estará numa grande expectativa e
reinará grande confusão e dissipação entre os homens. Rompidos os laços de
família, de amizade, de lealdade e bom relacionamento, os homens não poderão
confiar em ninguém, e correrá no mundo como um tremor frio, um universal e
ímpio “salve-se quem puder”. Será atropelado o que há de mais sagrado e nenhuma
palavra terá mais fé, nem pacto algum terá vigor, senão pela força. A caridade
heroica de alguns fiéis, transformada em amizade até a morte, manterá no mundo
ilhotas de fé; porém mesmo ali, ela estará continuamente ameaçada pela traição
e pela espionagem. Ser virtuoso será um castigo em si mesmo e como uma espécie
de suicídio”.5
Parece-me evidente que os processos
políticos atuais geraram um mundo sem lideranças. Não há verdadeira liderança
nos atuais países porque todo o jogo político local obedece a ordens que não
entendemos nem ouvimos. E não há, também, uma liderança mundial, porque o lugar
ainda está vago. É o lugar dele, do Anticristo. Quando este homem do pecado
determinar que chegou a hora de aparecer, será certamente ovacionado por toda a
humanidade, pois falará a mesma linguagem, terá o mesmo pensamento de todos,
sobre tudo isso que citei acima. Sua ideologia, sua política, sua ciência, tudo
corresponderá ao que os homens pensam e praticam já hoje. Por isso podemos
dizer sem medo de errar. O mundo está pronto.
Não estou aqui a dizer que o fim do
mundo está próximo, ou que o Anticristo seja tal ou tal pessoa. O que me
interessa nestas linhas é que os verdadeiros católicos tenham consciência do
perigo que correm se mergulharem no mundo. Se acharem que podem viver com estes
critérios que lhes são impostos, correm o grave risco de serem enganados pelo
grande líder, quando este chegar. Algumas pessoas poderiam objetar que podemos
conviver com todos e permanecermos católicos. Mas eu os alerto para essa diferença
radical entre o mundo de hoje e o mundo de cinquenta anos atrás: lá, no final
da civilização cristã, ainda era possível viver assim porque os homens tinham
aquele critério da prática das virtudes, para suas próprias vidas e para os
seus filhos. Mas hoje já não é assim. Portanto, estejam armados, de espada em
punho, pois aquele que não combater, que não desviar seu pensamento das falsas
ideias, que não fugir das práticas absurdas, blasfematórias, ultrajantes para
Deus e sua Igreja, pode enredar-se na fina malha que já foi lançada sobre os
homens e que os arrasta para o reino do Anticristo, que não é outro que o reino
das trevas. Está na hora de reler algumas páginas dos santos e doutores da
Igreja:
“Estas são as marcas da vinda do Anticristo:
Quando os velhos não tiverem nem bom senso nem prudência,
Quando os cristãos estiverem sem fé,
Quando o povo estiver sem amor,
Quando os ricos forem sem misericórdia.
Quando os jovens não tiverem respeito,
Quando os pobres forem sem humildade,
Quando as mulheres tiverem perdido o pudor,
Quando, no casamento, não houver mais continência,
Quando os clérigos forem sem honra e sem santidade,
Quando os religiosos não tiverem verdade nem austeridade,
Quando os bispos não se inquietarem de sua administração e não tiverem piedade,
Quando os mestres da terra não tiverem misericórdia nem liberdade”.6
E o Padre Emmanuel, grande espiritual do sec. XIX:
“Apresentar-se-á como cheio de respeito pela liberdade dos cultos, uma das
máximas e uma das mentiras da besta revolucionária. Dirá aos budistas que é um
Buda; aos muçulmanos, que Maomé é um grande profeta... Talvez até irá dizer, em
sua hipocrisia, como Herodes seu precursor, que quer adorar Jesus Cristo. Mas
isso não passará de uma zombaria amarga. Malditos os cristãos que suportam sem
indignação que seu adorável Salvador seja posto lado a lado com Buda e Maomé em
não sei que panteon de falsos deuses”7.
Impotentes que somos diante de tal situação, só podemos olhar para a Virgem
Maria, para seu Coração Imaculado, e suplicar a ela que nos proteja contra toda
influência do maligno. Que nos dê a mão, que nos acolha em seu Coração. É
preciso fincar o pé, recusar ser arrastado como um cordeirinho para a
destruição de nossa personalidade, de nossa fé, de nosso espírito. É preciso ler,
estudar, conhecer a verdade objetiva, clara, de Deus, do mundo, do pensamento.
É preciso amar. Amar na ordem da Caridade, ou seja, amar como Deus nos ordena,
praticando os mandamentos, cumprindo nosso dever. E nossos deveres são de três
ordens: para com Deus, para nós mesmos, para com o próximo.
É preciso, com toda urgência,
praticar a devoção reparadora dos pecados cometidos contra o Imaculado Coração
de Maria. Fazer os Primeiros sábados do mês, rezar o Terço todos os dias, para
que, ao chegar o Anticristo, estejamos recolhidos e protegidos por nossa Mãe do
Céu. Com a espada em punho, lançaremos contra o rosto tenebroso do homem do
pecado o grito de Viva Cristo Rei! Imaculado Coração de Maria, salvai-nos! E
Jesus Cristo o vencerá “com o sopro da sua boca”.
1. Corção, Gustavo, Dois Amores, Duas Cidades,
Agir, 1967, Tomo II, parte 3 – A civilização do Homem-Exterior
2. Diga-se de passagem que o Concílio
Vaticano II amordaçou a Igreja, retirando o último obstáculo para conter a
avalanche.
3. Foi a primeira mentira proferida na
face da terra, do demônio a Eva. “Sereis como deuses” se desobedecerem a Deus.
4. “E toda a terra, cheia de admiração,
seguiu a besta” (Apoc. XIII, 3)
5. Castellani, Leonardo, Los Papeles de
Benjamin Benavides, Buenos Aires, 1953, Caderno 4, cap. 2.
6. São Boaventura
7. Pe. Emmanuel-André, O drama do fim
dos tempos, Revista Permanência 198-199.
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