“A Igreja é, por instituição divina, uma
sociedade hierárquica, que não pode ser concebida à maneira das
democracias regidas pelo sufrágio universal, onde os governos, eleitos
pelo povo, são mandatários da comunidade”
O Apóstolo São
Pedro, ao exortar os primeiros cristãos a unirem-se a Cristo para
progredir na santidade, lembra-lhes os seus títulos de nobreza. Falando sobre
Cristo ele diz: “Chegai-vos para Ele, como para a pedra
viva que os homens tinham rejeitado, mas que Deus
escolheu e honrou; também sobre ela vós mesmos, como pedras vivas, sede
edificados em casa espiritual, em SACERDÓCIO SANTO, para oferecer SACRIFÍCIOS
ESPIRITUAIS, que sejam aceitos a Deus por Jesus Cristo… Vós sois a GERAÇÃO
ESCOLHIDA, O SACERDÓCIO REAL, A GENTE SANTA, UM POVO QUE DEUS CONQUISTOU, para
que publiqueis as grandezas d’Aquele que das trevas vos chamou à sua
maravilhosa luz” (1 São Pedro, II, 4 e 5-9).
São Pedro fala aí
de um sacerdócio, mas não no sentido próprio, em toda a extensão da palavra.
Fala no sentido lato. Sacerdote no sentido próprio é aquele que é conferido
pelo sacramento da Ordem. Este sacerdócio secundário vem do batismo que
nos enxerta em Cristo. E com Cristo formamos então um só organismo
sobrenatural.
Resumindo: O
Sacerdócio existe de maneira real mas diversa: 1º em Cristo; 2º no padre; 3º no
leigo. Em Cristo o Sacerdócio se realiza em sua plenitude; no padre, se realiza
de maneira própria pelo sacramento da Ordem mas como uma participação do
sacerdócio de Cristo; e no leigo o sacerdócio vem pelo batismo, mas de uma
maneira muito mais apagada e limitada. É deste último que estamos tratando.
Devemos explicar bem este ponto porque os protestantes que pregam que Jesus é o
ÚNICO sacerdote, curiosamente, baseados neste texto de São Pedro, dizem que
todos os fiéis são sacerdotes (!) E os progressistas também abusam desta
passagem para dizer que os fiéis concelebram com o padre, o que também não é
verdade como veremos depois.
Mas, antes de
continuarmos, vejamos bem o sentido verdadeiro do texto de São Pedro, na sua 1ª
Epístola, II, 9. Uma coisa logo atrapalha aquele que só tem em mãos o texto em
português, é que S. Pedro diz: ” Vós sois … UM SACERDÓCIO REAL. Mas, acontece
que a palavra REAL tem dois sentidos em
português: REAL no sentido = que existe de fato, que é verdadeiro. E REAL no
sentido = relativo ao rei, digno de rei, régio. E São Pedro emprega a palavra
neste segundo sentido. Ele escreveu esta sua 1ª epístola em grego, e a palavra
que ele empregou é: BASÍLEION que só tem este segundo sentido ( = régio).
Por isso São Jerônimo traduziu para o latim empregando a palavra REGALE. Se
fosse no 1º sentido teria empregado a palavra REALE. Mas que vem a ser um
SACERDÓCIO RÉGIO? Equivale a UM CORPO RÉGIO DE SACERDOTES; equivale a REINO
SACERDOTAL. São Pedro, neste versículo 9º de sua 1ª epístola, faz apenas
reproduzir, aplicando aos cristãos, aquilo que já havia sido dito aos judeus no
livro do Êxodo XIX, 5 e 6: “Se, portanto, ouvirdes a minha
voz e observardes o pacto que eu fiz convosco, sereis para mim a PORÇÃO
ESCOLHIDA dentre todos os povos, porque minha é toda terra; e vós sereis o meu
REINO SACERDOTAL e uma NAÇÃO SANTA”.
Deus chamou aos
judeus uma REINO SACERDOTAL. Que se segue daí? Que entre os judeus todos eram
sacerdotes? Não. Porque este sacerdócio efetivo da lei judaica era privativo
dos descendentes de Arão. Confira: Ex. XXVIII, 1; Números, XVI, 39 e 40 e
muitos outros textos.
Uma NAÇÃO
SACERDOTAL, portanto, não quer dizer uma nação em que todos são sacerdotes, no
sentido rigoroso da palavra, mas uma nação que é toda consagrada a Deus, assim
como os sacerdotes são a Ele consagrados e é neste sentido que São Pedro chama
um REAL SACERDÓCIO o povo cristão.
Depois, basta a
gente ver como Jesus separou do meio do povo os seus Apóstolos, educou-os
carinhosamente, revelando só a eles os mistérios do reino de Deus (Mat.XIII,
11) dando-lhes só a eles na intimidade da última Ceia o poder de realizar o
mistério eucarístico (S. Luc. XII, 19), dando a eles numa casa de portas
fechadas, o poder de perdoar pecados (S. João, XX, 23), enviando-os só a eles a
ENSINAR e a batizar (S. Mat. XXVIII, 19), fazendo deles uns ministros de Cristo
e dispensadores dos mistérios de Deus (1 Cor. IV, 1). Depois o próprio São
Pedro nesta mesma epístola fala de rebanhos e pastores. Portanto não tem o
mínimo cabimento para interpretar esta passagem de São Pedro no sentido de
dizer que todos os fiéis são sacerdotes.
Concluo, então,
repetindo o que já disse no início: O sacerdócio existe de maneira REAL porém
essencialmente DIVERSA: ou seja, JESUS CRISTO É O SACERDOTE SUPREMO EM TODA SUA
PLENITUDE; O SACERDÓCIO REALIZA-SE DE MANEIRA PRÓPRIA, EMBORA PARTICIPADA
NO SACERDÓCIO HIERÁRQUICO, OU SEJA NOS PADRES. O SACERDÓCIO EXISTE TAMBÉM NOS LEIGOS
MAS DE UMA MANEIRA LIMITADA, POR VIRTUDE DO SACRAMENTO DO BATISMO.
Portanto, só o
Sacramento da Ordem confere o poder e a capacidade para operar a
transubstanciação no Sacrifício da Santa Missa. O simples fiel, ou leigo, é
pois incapaz de o fazer. Vamos mostrar melhor em que consiste, então ESTE
SACERDÓCIO COMUM DOS FIÉIS.
Como vimos, São
Pedro (1ª Pedro, II, 9) chama o povo cristão de “regale sacerdotium”, isto
é, “sacerdócio régio”. O próprio Apóstolo mostra que
se trata do sacerdócio que dá aos fiéis o poder e dever de apresentar a Deus
vítimas espirituais, e em primeiro lugar a si mesmos, transformados em vítimas
pela imitação de Jesus Cristo, renúncia do amor próprio, mortificação, prática
das virtudes.
Santo Tomás de
Aquino declara que o caráter batismal confere ao que se batiza uma assimilação
ao sacerdócio de Jesus Cristo. Eis o que ensina o doutor
Angélico: “O leigo justo está unido a Cristo pela união espiritual da fé e da
caridade, mas não pelo poder sacramental. Por isso tem o sacerdócio espiritual
para oferecer hóstias espirituais, das quais diz a Escritura: “Sacrifício
para Deus é o espírito atribulado” (Salmo 50, 19); e “Oferecei os
vossos corpos como uma hóstia viva” (Rom. XII, 1); e ainda 1 Petr. II, 6: “Em
sacerdócio santo, para oferecer sacrifícios espirituais” (Cf. S.
Theol. 3ª p., q. 82. a. 1 ad 1). E Santo Tomás explica o porquê: “Todos os
sacramentos tornam o homem participante do sacerdócio de Cristo, porque recebe
assim um certo efeito dele. Mas nem por todos os sacramentos somos destinados a
fazer alguma coisa ou a receber o que pertença ao culto do sacerdócio de
Cristo. O que, porém, se exige para isso é que o sacramento imprima caráter”
(Cf. S. Theol., 3ª p., q. 63, a. VI ad 1). Este sacerdócio
comum a todos os membros da Igreja, dá-lhes a capacidade de se beneficiarem das
graças com que Jesus enriqueceu a sua Igreja, especialmente os sacramentos que
os não batizados não podem receber. Neste sentido, são eles passíveis de se
beneficiarem dos frutos do Sacrifício Eucarístico, que é o Sacrifício da
Igreja. Os leigos batizados, além disso, têm a possibilidade de participar
ativamente neste mesmo sacrifício da Santa Missa, enquanto são membros da
Igreja, e portanto fazem parte do Corpo Místico de Cristo, em cujo nome Jesus
oferece sua oblação sacrifical na Santa Missa. Os fiéis leigos tomam assim
parte no Sacrifício do Altar. Diz o Papa Pio XII na “Mediator Dei”: “Pelo sacramento do batismo, os cristãos tornam-se, por título
comum, membros do Corpo Místico de Cristo Sacerdote e, em virtude do “caráter”
que se lhes imprime na alma, são deputados para o culto divino, participando
assim, de modo conveniente ao seu estado, no sacerdócio de Cristo”.
Na Igreja há uma
razão especial que justifica a intervenção do sacerdócio hierárquico nos atos
do culto divino. É que o centro para o qual converge o culto católico, e a
fonte de onde dimana a vitalidade da Igreja, é a Santíssima Eucaristia,
Sacrifício que renova a oblação reparadora do Filho de Deus, e o Sacramento que
O contém real e verdadeiramente como está no Céu. Se no Antigo Testamento,
a Arca da Aliança, mera figura das realidades futuras, exigia mãos santificadas
para nela tocarem, que diremos da Santíssima Eucaristia?
Para os fiéis
participarem da Missa segundo “o modo conveniente ao seu estado”
mostraremos o que não podem fazer, por lhes faltar o poder. E o que podem e
devem fazer na qualidade de membros do Corpo Místico de Cristo.
O padre na
Missa, imola e oferece a vítima; o
fiel não imola, só oferece. Falta-lhe,
como já dissemos, a capacidade para transubstanciar. O fiel não é ministro do
Sacrifício da Missa. Em compensação o fiel oferece o Sacrifício
em virtude do seu sacerdócio batismal. E oferece num sentido real, e não
simplesmente metafórico. Ele oferece como “membro”, nunca como “instrumento de
Cristo”. Só o sacerdote pelo sacramento da Ordem pode ser ministro e
instrumento de Cristo.
Diz Pio XII: “Que
os fiéis oferecem o Sacrifício pelas mãos do sacerdote, claramente se deduz do
fato de que o ministro do Sacrifício do Altar age como representante de Cristo,
enquanto Cabeça, que oferece em nome dos membros todos; é por isso que com razão
se diz que toda a Igreja, por meio de Cristo, faz a oblação da vítima”.
(Mediator Dei).
Para ilustrar a
estreita união dos fiéis com o Sumo Sacerdote, no Sacrifício da Missa, recorre
São Cipriano ao simbolismo do vinho e da água misturados no cálice, o vinho
figurando a Cristo, a água figurando os fiéis.
Santo Tomás faz uma
explanação mostrando que na Missa há a consagração que o Sacerdote realiza como
representante de Jesus Cristo, e há as preces sacerdotais, especialmente as do
cânon, que ele recita sozinho, mas como representante da Igreja, dos
fiéis.
De maneira que, na
realização do ato sacrifical da Missa, os fiéis não tomam parte, É executado só
pelo Sacerdote que, no momento representa a pessoa de Jesus Cristo. E para que
se tornasse capaz desse ato, recebeu o Sacerdote a unção sagrada no Sacramento
da Ordem. E de fato, a Igreja é, por instituição divina, uma sociedade
hierárquica, que não pode ser concebida à maneira das democracias regidas
pelo sufrágio universal, onde os governos, eleitos pelo povo, são mandatários
da comunidade.
Os fiéis, no
entanto, devem considerar elemento essencial de suas vidas, participar
ativamente no Santo Sacrifício da Missa. A Santa Missa deve ocupar o centro de
toda a nossa existência.
Nas palavras de
Inocêncio III, temos a norma da participação ativa dos fiéis no Santo
Sacrifício do Altar: o que realizam em particular os Sacerdotes, o povo deve
realizá-lo universalmente em voto. E no ato mesmo sacrifical, isto é, na
consagração, a participação do povo fiel não pode ir além do voto, ou seja, da
aprovação interna, da união de sentimentos aos do Sacerdote que celebra, e aos
do próprio Jesus Cristo, que é imolado sobre o altar.
Aliás, em toda a
Missa, o elemento essencial da participação do fiel consiste em unir os
próprios sentimentos da adoração, ação de graças, expiação e impetração ao que
teve Jesus Cristo ao morrer por nós, e que devem animar o Sacerdote que
oferece o Sacrifício da Missa. Esta união do culto interno, é que torna
proveitosa a participação do fiel na Santa Missa. É um grande erro achar
que participar da Missa é apenas seguir os gestos e repetir as palavras. Pio
XII considera isto: “rito vão e formalismo sem sentido”.
O Papa Pio XII
insiste na “Mediator Dei” sobre a importância do culto interno. “É necessário,
diz ele, que os fiéis se imolem a si mesmos como vítimas”. Em que consista esta
imolação, declara o papa em outro lugar da mesma encíclica: “Considerem os
fiéis suma honra participar no Sacrifício Eucarístico de maneira que a “união como o Sumo Sacerdote não possa ser mais íntima, conforme a
palavra do Apóstolo: “Tende em vós os mesmos sentimentos de Jesus Cristo.”
(Fil. II, 5), o que “exige de todo cristão que
reproduza em si, quanto, está nas possibilidades humanas, o mesmo estado de
alma que tinha o Divino Redentor quando realizava o Sacrifício de si mesmo: a
humilde submissão do espírito e a adoração, honra, louvor e ação de graças à
Suprema Majestade de Deus; mais, reproduza em si mesmo a condição de vítima, a
abnegação segundo os preceitos do Evangelho, o voluntário e espontâneo
exercício da penitência, a dor e expiação dos próprios pecados; numa palavra:
que todos espiritualmente morramos com Cristo na Cruz, de modo a podermos dizer
com São Paulo: “Estou pregado na Cruz com Cristo” (Mediator Dei).
Não é despropósito
dizer que na patena, ao lado da hóstia, estão as almas do celebrante e dos
assistentes.
Dignou-se o Senhor,
na sua misericórdia, fazer de nós “cooperadores de Deus” (1 Cor. III, 9). Ora
bem, a obra de Cristo foi a Redenção; cooperar nela é sofrer, como ele sofreu,
para remir as almas. Não por indigência, mas por bondade, Ele aceita que unamos
nossos padecimentos aos d’Ele, por nossos irmãos, “Alegro-me nos sofrimentos por
vós, e que complete o que falta aos sofrimentos de Cristo, pelo seu Corpo que é
a Igreja” (Col, I, 12).
Oh! se os fiéis
compreendessem profundamente e perfeitamente praticassem a participação no
Santo Sacrifício da Missa. Mais do que assistir à Missa, participar da Missa no
seu decurso, mais do que tudo isto é prolongar a Missa na sua vida, é viver a
Santa Missa!!!
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