“Exatamente
por isto o cristãos agem de acordo com a Justiça quando invadem vossas terras e
vos combatem, porque vós blasfemais contra o Nome de Cristo e vos empenhais em
afastar de Sua religião todos os homens que podeis” – São Francisco de Assis
A verdadeira história das Cruzadas
Muitos
historiadores têm tentado há já algum tempo esclarecer os fatos em torno das
Cruzadas visto que as más-concepções que são demasiado comuns. Para eles, este
é um momento de ensinar sobre as Cruzadas no preciso momento em que as pessoas
estão a prestar atenção.
Com
a possível exceção de Umberto Eco, os estudiosos medievais não estão habituados
a tanta atenção; nós temos a tendência de sermos um grupo tranquilo (exceto
durante as bacchanalia anuais que nós damos o nome de "International
Congress on Medieval Studies" em Kalamazoo, Michigan, e logo aí),
estando absorvidos a ler crônicas empoeiradas e a escrever estudos
chatos e meticulosos que poucas pessoas irão ler. Imaginem, portanto, a
minha surpresa quando no espaço de alguns dias após o 11 de Setembro, a Idade
Média subitamente se tornou relevante.
Como
um historiador das Cruzadas, deparei-me com a reclusão tranquila da torre
de marfim a ser destruída pelos jornalistas, editores e apresentadores de talk-shows operando
contra tempo, ansiosos por publicar uma notícia antes dos outros. "O
que foram as Cruzadas?", perguntaram eles. "Quando foi
que aconteceram?" Quão insensível foi o Presidente Bush ao
usar o termo "cruzada" nos seus comentários?
Eu
fiquei com a impressão que algumas das pessoas que me ligaram já sabiam as
respostas para estas perguntas, ou pelo menos, pensavam que sabiam. O que elas
realmente queriam era que um perito lhes dissesse o que eles já defendiam e já
acreditavam. Por exemplo, fui frequentemente questionado que comentasse o fato
do mundo islâmico simplesmente ter uma mágoa contra o Ocidente. Não é a
violência atual, insistiram eles, algo que tem as suas raízes no ataque
brutal e não-provocado das Cruzadas contra o tolerante e sofisticado mundo
muçulmano? Dito de outra forma, não será essa violência [islâmica] culpa das
Cruzadas?
Isso
é o que Osama bin Laden parece pensar. Nas suas várias atuações em
vídeo, ele nunca se esquece de descrever a guerra Americana contra o
terrorismo como uma nova Cruzada contra o islão. O ex-presidente Bill Clinton
também apontou o seu dedo acusador às Cruzadas como causa primordial do atual conflito.
No seu discurso na Universidade Georgetown, Clinton recontou (e embelezou)
o massacre de Judeus depois dos Cruzados conquistarem Jerusalém em 1099, e
informou o seu público que esse episódio é lembrado de forma amarga no Médio
Oriente. (Não foi explicado o porquê dos muçulmanos ficarem perturbados com a
matança de Judeus.)
Clinton foi atacado de forma agressiva nos
editoriais jornalísticos por querer culpar tanto os Estados Unidos que estava
disposto a regressar até às Cruzadas. Mas ninguém colocou em causa a premissa
principal do ex-presidente.
Bem, quase ninguém.
Muito antes de Bill Clinton as ter descoberto, há
já muito tempo que os historiadores tentavam esclarecer os eventos em torno das
Cruzadas. Estes historiadores não são revisionistas, tais como os historiadores
Americanos que criaram a exibição em torno do Enola Gay, mas sim
estudiosos mainstream a disponibilizar os frutos de várias
décadas de trabalho acadêmico cuidadoso e sério. Para eles,
este é um "momento de aprendizagem", uma chance de explicar as
Cruzadas exatamente no momento em que as pessoas estão atentas.
Esta atenção não vai durar muito tempo, e como tal, aqui vai isto.
Os
equívocos em relação às Cruzadas são demasiado comuns; elas são geralmente
caracterizadas como uma série de guerras santas contra o islão, lideradas por
Papas sedentos de conflitos bélicos e combatidas por fanáticos
religiosos, para além de supostamente serem o epítome do farisaísmo e da
intolerância - uma mancha negra da história da Igreja Católica em particular, e
da civilização Ocidental no geral.
Sendo uma raça de proto-imperialistas, os Cruzados
deram início à agressão Ocidental a um Médio Oriente pacífico, e deformaram uma
erudita cultura muçulmana, o que causou a que esta ficasse em ruínas. Para
tomarmos conhecimento de variações deste tema, não é preciso olhar muito longe.
Por exemplo, vejam o épico de três volumes de Steven Runciman com o nome
de History of the Crusades,
ou vejam o documentário BBC/A&E com o título de, The Crusades,
apresentado por Terry Jones. Ambos são historicamente terríveis mas
maravilhosamente divertidos.
O que a História diz sobre as Cruzadas
Então,
qual é a verdade em torno das Cruzadas? Os acadêmicos ainda estão
averiguando algumas coisas em relação a isso, mas muito pode já ser dito
com elevado grau de certeza. Para começar, as Cruzadas ao Oriente foram de
todas as formas possíveis guerras defensivas. Elas foram uma resposta direta à
agressão muçulmana - uma tentativa de retornar ou criar uma linha defensiva
contra as conquistas muçulmanas de terras Cristãs.
Os
Cristãos do século 11 não eram fanáticos paranoicos; os muçulmanos queriam
mesmo acabar com eles. Embora os muçulmanos possam ser pessoas pacíficas,
o islão nasceu no meio da guerra e cresceu da mesma forma. Desde os tempos de
Maomé, a forma de expansão do islão sempre foi a espada. O pensamento muçulmano
divide o mundo em duas esferas: A Morada do islão [Dar ar-islam] e a Morada da
Guerra [Dar al-Harb]. O Cristianismo - e, diga-se de passagem, todas as outras
religiões não-islâmicas - não tem essas moradas.
Os
Cristãos e os Judeus podem ser tolerados dentro dum estado muçulmano, sob o
domínio muçulmano, mas no islão tradicional, os estados Cristãos e Judaicos têm
que ser destruídos e as suas terras conquistadas.
Quando Maomé estava a levar a cabo uma guerra
contra Meca no século 7, o Cristianismo era a religião dominante em termos de
poder e de riqueza. Como a fé do Império Romano, ela espalhava-se por todo o
Mediterrâneo, incluindo o Médio Oriente onde havia nascido. Portanto, o mundo
Cristão era um alvo importante para os califas iniciais e aos olhos dos líderes
muçulmanos, isto ficou assim durante os 1000 anos que se seguiram.
Com
um vigor enorme, os guerreiros do islão atacaram o Cristianismo pouco depois da
morte de Maomé. Eles foram muito bem sucedidos; a Palestina, a Síria e o Egito -
que foram a dada altura as áreas mais Cristãs do mundo - rapidamente
caíram. Por volta do 8º século, os exércitos islâmicos haviam conquistado o
Norte da África Cristão e a Espanha.
Por volta do século 11, os Turcos Seljúcidas
conquistaram a Ásia Menor (a Grécia atual), que já era Cristã desde os dias do
apóstolo Paulo. O antigo Império Romano, conhecido pelos historiadores modernos
como o Império Bizantino, foi reduzido a pouco mais que a Grécia. Em desespero,
o imperador de Constantinopla enviou um pedido de ajuda à Europa ocidental como
forma de ajudar os seus irmãos e as suas irmãs do Este.
Foi isto que deu início às Cruzadas; elas não foram
idealizadas por um Papa ambicioso ou por cavaleiros ["knights"] vorazes,
mas sim programadas como resposta a mais de 400 anos de conquistas onde os
muçulmanos já haviam capturado dois-terços do antigo mundo Cristão. A dada
altura, a fé e a cultura Cristã teriam que se defender ou ser sub-sumida pelo
islão. As Cruzadas foram guerras defensivas.
Durante o Concílio de Clermont, em 1095, o Papa
Urbano II (A convocação da Primeira Cruzada)
apelou aos cavaleiros da Cristandade que empurrassem de volta as
conquistas do islão. A resposta foi tremenda: muitos milhares de guerreiros
fizeram o juramento da cruz, e prepararam-se para a guerra. Porque é que eles o
fizeram? A resposta a essa pergunta tem sido muito equivocada. Com o aproximar
do Iluminismo era normalmente afirmado que os Cruzados nada mais eram
ignorantes sem-terra que se aproveitaram da oportunidade para pilhar uma terra
distante. Os sentimentos de piedade, auto-sacrifício e amor a Deus manifestos
pelos Cruzados obviamente que não eram para serem levados a sério visto que
estes sentimentos [supostamente] nada mais foram que uma fachada para intenções
mais sombrias.
Durante as últimas duas décadas, estudos às
cartas-régias com o apoio informático têm demolido essa invenção; os estudiosos
descobriram que os cavaleiros cruzados eram, de maneira geral, homens ricos com
bastantes terras suas na Europa. Mais mesmo assim, eles voluntariamente abdicaram
de tudo para levar a cabo a missão sagrada. Ser um cruzado não era barato; até
mesmo os senhores ricos poderiam empobrecer rapidamente (e com eles as suas
famílias) ao tomarem parte numa Cruzada.
No entanto, eles avançaram com isso não porque esperavam
algum tipo de riqueza material (algo que muitos deles já tinham) mas sim porque
esperavam amontoar um tesouro "onde onde a traça e a ferrugem não
consomem" [Mateus 6:19]. Eles estavam bem conscientes da sua
natureza pecaminosa e desejosos de tomar parte nas dificuldades da Cruzada como
um ato de penitência, de caridade e de amor.
A Europa encontra-se cheia de milhares de
cartas-régias medievais atestando para este sentimento - cartas onde estes
homens ainda nos falam, se nós prestarmos atenção. Claro que eles não se
opunham à captura do saque se isso fosse possível. Mas a realidade dos fatos é
que as Cruzadas eram um mau sítio para se obter lucro. Algumas poucas pessoas
enriqueceram, mas a larga maioria veio sem nada.
O Papa Urbano II deu aos Cruzados dois objetivos, e
esses objetivos mantiveram-se centrais para as Cruzadas no Oriente durante
séculos. O primeiro era o de salvar os Cristãos do Este. Tal como o seu
sucessor, Papa Inocêncio III, mais tarde escreveu:
Como é que um homem que ama o seu próximo segundo
os preceitos divinos, sabendo que os Cristãos seus irmãos na fé e no nome, são
retidos pelos pérfidos muçulmanos em reclusão estrita, e subjugados pelo jugo
mais pesado da servidão, não se dedica à missão de os livrar? … É por acaso que
vocês não sabem que muitos milhares de Cristãos se encontram escravizados e
aprisionados pelos muçulmanos, torturados com tormentos inumeráveis?
“Ir para uma Cruzada,” alegou corretamente o
Professor Jonathan Riley-Smith, era entendido como um "gesto de amor"
- neste caso, amor pelo próximo. A Cruzada era vista como uma missão de
misericórdia como forma de corrigir uma mal terrível. Tal como o Papa Inocêncio
III escreveu aos Cavaleiros Templários:
Vocês executam as obras das palavras do Evangelho,
"Ninguém tem maior amor do que este, de dar alguém a sua vida pelos seus
amigos."
O segundo objetivo era o da libertação de Jerusalém
e de outros locais tornados santos pela Vida de Cristo. A palavra
"cruzada" é uma palavra moderna; os Cruzados Medievais olhavam para
si como peregrinos, levando a cabo atos de justiça a caminho do Santo Sepulcro.
A indulgência da Cruzada que eles recebiam estava canonicamente relacionada com
a indulgência da peregrinação. O objetivo era frequentemente descrito em termos
feudais. Apelando para a Quinta Cruzada em 1215, Inocêncio III escreveu:
Levemos em consideração, meus queridos filhos, que
se algum rei temporário fosse lançado para fora dos seus domínios, e talvez
capturado, não iria ele, depois de ver restaurada a sua liberdade cristalina, e
o tempo tivesse chegado para que ele executasse um olhar justo sobre os seus
vassalos, classificá-los de desleais e traidores a menos que eles não só
tivessem comprometido as suas posses mas também as suas pessoas para o
libertar? Semelhantemente, não irá Jesus Cristo, o Rei dos reis e o Senhor dos
senhores, cujos servos deles vocês não podem negar ser, que uniu a vossa alma
com o vosso o corpo, que vos remiu com o Seu Precioso Sangue .... vos condenar
pelo vício da ingratidão e pelos crime de infidelidade, se por acaso vocês
negligenciarem prestar-Lhe ajuda?
A reconquista de Jerusalém, portanto, não era
colonialismo mas sim um ato de restauração e de declaração aberta de amor por
Deus. Os homens medievais sabiam, obviamente, que Deus tinha o Poder para
restaurar Ele mesmo Jerusalém - de fato, Ele tinha o poder
para restaurar todo o mundo para o Seu governo. Mas tal como São
Bernardo de Clairvaux pregou, a Sua recusa em fazer as coisas assim
eram uma bênção para o Seu povo:
Volto a dizer, consideremos a bondade do Todo
Poderoso e levemos em conta os Seus planos de misericórdia. Ele coloca-Se sob a
vossa obrigação, ou melhor, finge que faz isso, de modo a que Ele vos possa
ajudar a satisfazer as vossas obrigações para com Ele... Eu qualifico de
abençoada a geração que pode agarrar uma oportunidade de tão rica indulgência
como esta.
É
frequentemente assumido que o propósito central das Cruzadas era o de converter
à força o mundo islâmico; nada poderia estar mais longe da verdade.
Do ponto de vista dos Cristãos Medievais, os muçulmanos eram os inimigos de
Cristo e da Sua Igreja. Era a função dos Cruzados derrotá-los e levar a
cabo atos defensivos contra eles. Nada mais. Os muçulmanos que viviam
em terras conquistadas pelos Cruzadas eram geralmente permitidos que
retivessem as suas posses, o seu modo de vida, e sempre a sua religião.
De
fato, durante a história do Reino Cruzado de Jerusalém, o número de habitantes
muçulmanos era superior ao número de Católicos. Foi só a partir do século 13
que os Franciscanos deram início aos esforços de conversão entre os muçulmanos,
mas estes foram na sua maioria infrutíferos e, por fim, abandonados. De
qualquer das formas, tais esforços consistiam na persuasão pacífica e
não em esforços com base na ameaça de violência.
As Cruzadas foram guerras, e como tal, seria um
erro caracterizá-las como algo mais que piedade e boas intenções. Tal como em
todas as guerras, a violência foi brutal (embora não tão brutal como as guerras
modernas). Houve percalços, asneiras, e crimes. Estes são normalmente muito bem
lembrados nos dias atuais.
Durante os dias iniciais da Primeira Cruzada, em
1095, um indesejável grupo que se encontrava entre os Cruzados, liderado
pelo Conde Emicho de Leiningen, atravessou o Reno, roubando e
assassinando todos os Judeus que conseguiram encontrar. Sem sucesso, os bispos
locais tentaram colocar um ponto final na carnificina.
Aos olhos desses guerreiros, os Judeus, tal como os
muçulmanos, eram inimigos de Cristo, e como tal, matá-los e ficar com as suas
posses não era visto com maus olhos. De fato, eles viam isso como um ato justo
uma vez que o dinheiro dos Judeus poderia ser usado para financiar a Cruzada
para Jerusalém.
Mas eles estavam errados e a Igreja
condenou de modo firme os ataques dirigidos aos Judeus. Cinquenta anos mais
tarde, quando a Segunda Cruzada estava a ser preparada, São Bernardo pregava
frequentemente que os Judeus não deveriam ser perseguidos:
Perguntem a qualquer pessoa que conheça as Sagradas
Escrituras o que ele encontra profetizado sobre os Judeus no Livro dos
Salmos: “Não para a sua destruição eu oro", diz o Salmo. Os Judeus
são para nós as palavras vivas das Escrituras ,visto que eles nos lembram
sempre o que o Nosso Senhor sofreu.... Sob os príncipes Cristãos, eles suportam
um cativeiro severo mas "eles esperam o momento da sua
libertação."
Mesmo assim, um Cisterciense , companheiro e
igualmente monge, chamado Radulf agitou as pessoas contra os Judeus do Reno,
apesar das inúmeras cartas de Bernardo a exigir que ele parasse. Por fim,
Bernardo foi forçado a ir ele mesmo para a Alemanha, onde se encontrou com
Radulf, enviou-o de volta para o seu convento, e colocou um ponto final nos
massacres.
É normalmente dito que as raízes do Holocausto
podem ser vistas nestes pogroms medievais. Até pode ser que
sim. Mas se isto é assim, essas raízes são muito mais profundas e muito mais
difundidas que as Cruzadas. Os Judeus foram mortos durante as Cruzadas, mas o
propósito das Cruzadas não era matar Judeus. Pelo contrário, Papas, bispos e
pregadores deixaram bem claro que os Judeus da Europa não deveriam ser
perturbados. Numa guerra atual, chamamos a estas mortes de "danos
colaterais". Mesmo com as tecnologias modernas, os Estados Unidos mataram
mais inocentes com as nossas guerras do que as Cruzadas alguma vez poderiam.
Mas ninguém iria alegar que o propósito das guerras Americanas é matar mulheres
e crianças.
Independentemente da forma que se olhe para
ela, a Primeira Cruzada foi um tiro no escuro; não havia líder, não havia linha
de comando, não havia linhas de abastecimento e nem uma estratégia detalhada.
Ela apenas era um conjunto de milhares de guerreiros a marchar bem para dentro
do território do inimigo, unidos por uma causa comum. Muitos deles morreram,
quer tenha sido através da doença ou da fome.
A Primeira Cruzada foi uma campanha dura, uma que
parecia sempre estar à beira do desastre, no entanto ela foi milagrosamente bem
sucedida. Por volta de 1098 os Cruzadas haviam restaurado a Niceia e a
Antioquia ao domínio Cristão. A alegria da Europa encontrava-se desenfreada;
parecia que o rumo da História, que havia elevado os muçulmanos para tal
posição exaltada, estava agora a virar.
Mas não estava.
Quando pensamos na Idade Média, é fácil olhar para
a Europa para aquilo que ela se tornou e não naquilo que ela era. O colosso do
mundo medieval era o islão e não a Cristandade. As Cruzadas são interessantes
principalmente porque elas foram uma tentativa de contrariar essa tendência,
mas em cinco séculos de cruzadas, só a Primeira Cruzada conseguiu retornar de
forma significativa o progresso militar islâmico. A partir daí, foi sempre a
cair [para a Europa].
Quando o Condado Cruzado de Edessa caiu para
as mãos dos Turcos e Curdos em 1144, houve, na Europa, uma vaga de fundo
enorme em apoio para uma nova Cruzada. Esta foi liderada por Luis VII de
França e Conrado III da Alemanha, e pregada pelo próprio
Bernardo. Ela foi um fracasso total. A maior parte dos Cruzados foi morta
durante o percurso e aqueles que sobreviveram até Jerusalém, pioraram as coisas
atacando Damasco muçulmana, que havia sido previamente uma forte aliada dos
Cristãos.
No seguimento deste desastre, os Cristãos Europeus
foram forçados a aceitar não só o crescimento contínuo do poder muçulmano, mas
a certeza de que Deus estava a castigar o Ocidente pelos seus pecados.
Movimentos piedosos leigos emergiram por toda a Europa, enraizados no desejo de
purificar a sociedade Cristã de modo a que ela pudesse ser mais bem sucedida no
Este.
Devido a isto, levar a cabo uma Cruzada na parte
final do século 13 tornou-se portanto um esforço total de guerra. Todas as
pessoas, independentemente da pobreza ou fraqueza, foram chamadas a ajudar.
Pediu-se aos guerreiros que sacrificassem a sua riqueza e, se fosse preciso, as
suas vidas na defesa do Este Cristão. A nível doméstico, os Cristãos foram
chamados para apoiar as Cruzadas através da oração, do jejum e das esmolas.
Mas mesmo assim, os muçulmanos cresceram em
força. Saladino, o grande unificador, havia forjado o Médio Oriente
islâmico numa única entidade, ao mesmo tempo que pregava a jihad contra os
Cristãos. Por volta de 1187, na Batalha de Hattin, as suas forças derrotaram as
forças combinadas dos Reino Cristão de Jerusalém e capturaram a preciosa
relíquia da Santa Cruz. Indefensáveis, as cidades Cristãs começaram a render
uma a uma, culminando na rendição de Jerusalém no dia 2 de Outubro. Só uma
pequena lista de portos se manteve firme.
A resposta foi a Terceira Cruzada, liderada pelo
Imperador Frederico I Barbarossa do Império Alemão, e
pelo Rei Ricardo I Coração de Leão ( Heróis medievais - Ricardo I de Inglaterra, Coração de Leão, quebrou Saladino). Qualquer que seja a forma que
esta Cruzada seja analisada, ela foi um empreendimento enorme, embora não tão
grandiosa como os Cristãos haviam desejado. O envelhecido Frederico afogou-se
quando atravessava um rio montado no seu cavalo, e consequentemente, o seu
exército regressou para casa antes de chegar à Terra Santa.
Filipe e Ricardo vieram de barco, mas as suas lutas
incessantes apenas acrescentaram mais problemas à já de si situação divisiva na
Palestina. Depois de reconquistar Acre, o rei de França regressou para casa,
onde ele ocupou o seu tempo com a repartição das posses Francesas de Ricardo
Coração de Leão. A Cruzada, portanto, ficou totalmente sob a responsabilidade
de Ricardo.
Um guerreiro talentoso, um líder dotado, e um
tático soberbo, Ricardo levou as forças Cristãs a vitória atrás de vitória,
eventualmente reconquistando toda a costa. Mas Jerusalém não era na costa, e
depois de duas tentativas abortadas de assegurar linhas de abastecimento para a
Cidade Santa, Ricardo por fim desistiu. Prometendo um dia regressar, ele fez um
pacto de tréguas com Saladino que assegurava paz na região e acesso livre a
Jerusalém por parte de peregrinos desarmados. Mas isto foi um remédio difícil
de engolir. O desejo de restaurar Jerusalém para o domínio Cristão, e re-obter
a Verdadeira Cruz, permaneceu intenso por toda a Europa.
As Cruzadas do 13º Século foram maiores, com melhor
financiamento, e com melhor organização, mas também elas falharam.
A Quarta Cruzada (1201-1204) caiu por terra quando
se deixou seduzir pela rede da política Bizantina, que os Ocidentais não
entendiam na plenitude. Eles fizeram um desvio para Constantinopla como forma
de dar o seu apoio a um pretendente imperial que lhes prometeu recompensas e
apoio para a Terra Santa. Mas mal ele se encontrou no trono dos Césares, o seu
benfeitor descobriu que ele não conseguiria pagar o que havia prometido.
Traídos, portanto, pelos seus amigos Gregos, em
1205 os Cruzados atacaram, capturaram e saquearam de modo brutal a cidade de
Constantinopla, a maior cidade Cristã do mundo. O Papa Inocêncio III, que havia
previamente excomungado toda a Cruzada, condenou fortemente os Cruzados, mas
não havia muito que ele poderia fazer.
Os
eventos trágicos de 1204 fecharam uma porta de ferro entre os Católicos Romanos
e os Gregos Ortodoxos - porta essa que nem o atual [ed: na altura em que
o artigo foi escrito] Papa João Paulo II tem sido incapaz de reabrir. É uma
ironia terrível que as Cruzadas, que eram um resultado direto do
desejo Católico de salvar o povo Ortodoxo, tenham afastado ainda mais os
dois grupos - e talvez irrevogavelmente.
As restantes Cruzadas do 13º Século não fizeram
muito melhor. A Quinta Cruzada (1217-1221) capturou durante pouco tempo
Damietta no Egito, mas os muçulmanos eventualmente derrotaram o exército e
reocuparam a cidade.
São Luis XI de França liderou duas
Cruzadas durante a sua vida. A primeira também capturou Damietta, mas Luís foi
rapidamente superado pelos Egípcios e forçado a abandonar a cidade. Embora Luís
tenha estado na Terra Santa durante vários anos, gastando livremente em obras
defensivas, ele nunca atingiu o seu desejo mais profundo: libertar
Jerusalém. Por volta de 1270 ele era um homem mais velho quando liderou
outra Cruzada contra Tunis, onde morreu com uma doença que devastou o seu
acampamento militar.
Depois da morte de Luís, os impiedosos líderes
maometanos Baibars e Qalawun levaram a cabo uma jihad brutal contra os Cristãos
na Palestina. Por volta de 1291, as forças muçulmanas haviam sido bem sucedidas
na matança ou na erradicação do último dos Cruzados, e desde logo, apagando o
Reino Cruzado do mapa. Apesar de numerosas tentativas e de muitos outros
planos, as forças Cristãs nunca mais conseguiram obter um ponto de apoio na
região até ao século 19.
Seria de pensar que três séculos de derrotas
Cristãs tivessem azedado os Europeus contra a ideia das Cruzadas, mas nada
disso aconteceu. De qualquer forma, eles não tinham outra alternativa.
Por volta dos séculos 14, 15 e 16, os reinados
muçulmanos estavam a ficar mais - e não menos - poderosos. Os Turcos Otomanos
não só conquistaram os seus companheiros muçulmanos, unificando ainda mais o
islão, mas continuaram a avançar para o ocidente, capturando Constantinopla e
mergulhando profundamente bem dentro da Europa.
Por volta do século 15, as Cruzadas já não eram
obras de misericórdia para com pessoas distantes, mas tentativas desesperadas
de sobrevivência do último reduto do Cristianismo. Os Europeus começaram a
ponderar a possibilidade real do islão poder finalmente atingir os seus objetivos de
conquistar todo o mundo Cristão. Um dos maiores best-sellers da
altura, The Ship of Fools,
por parte de Sebastian Brant, deu voz a este sentimento num capítulo com o
título de “Of the Decline of the Faith”:
Nossa fé foi forte no Oriente ,
Ela governou em toda a Ásia ,
Em terras mouriscas e África.
Mas, agora, para nós estas terras sumiram
Podemos sequer ainda lamentar a pedra mais dura ... .
Quatro irmãs de nossa Igreja que você encontrar ,
Elas são do tipo patriarcal :
Constantinopla , Alexandria,
Jerusalém , Antioquia .
Mas elas já foram confiscados e saqueadas
E logo a cabeça vai ser atacada.
Claro que isto não aconteceu, mas quase aconteceu.
Por volta de 1480, o Sultão Mehmed II capturou Otranto como uma praça de armas
para a sua invasão da Itália. Roma foi evacuada, mas o sultão morreu pouco
depois, e os seus planos morreram com ele. Em 1529, Suleiman o Magnífico sitiou
Viena. e se não fossem chuvas anormais que atrasaram o seu progresso e
forçaram-no a deixar para trás a maior parte da sua artilharia, é virtualmente
certo que os Turcos teriam tomado a cidade. A Alemanha estaria, então, à sua
mercê.
No entanto, ao mesmo tempo que estes encontros
próximos estavam a ocorrer, outra coisas estavam a acontecer na Europa - algo
sem precedentes na história humana. O Renascimento, nascido dos valores
Romanos, piedade medieval, e um respeito único pelo comércio e pelo
empreendedorismo, haviam levado a outros movimentos tais como o humanismo, a
Revolução Científica e à Idade da Exploração.
A
ameaça muçulmana foi economicamente neutralizada. À medida que a Europa cresceu
em riqueza e poder, os outrora soberbos e sofisticados Turcos começaram a
parecer retrógrados e patéticos - não mais dignos duma Cruzada.
O "Homem Doente da Europa" coxeou até ao século 20,
quando finalmente expirou, deixando para trás a confusão atual que é
o Médio Oriente.
Da
segura distância de muitos séculos, é muito fácil olhar com repulsa para
as Cruzadas. Afinal, a religião não é para se combater guerras. Mas não nos
devemos esquecer que os nossos ancestrais medievais ficariam igualmente
enojados com as nossas guerras infinitivamente mais destrutivas, combatidas em
nome de ideologias políticas. No entanto, tanto o soldado medieval como o
soldado atual lutam principalmente em prol do seu próprio mundo e
tudo o que o compõe. Ambos estão dispostos a sofrer um sacrifício enorme,
desde que seja em nome de algo que eles consideram válido - algo maior que eles
mesmos.
Quer nós admiremos as Cruzadas ou não, é um fato
que o mundo de hoje não existiria sem os seus esforços. A Fé antiga que é o
Cristianismo, com o seu respeito pelas mulheres e antipatia pela escravatura,
não só sobreviveu como floresceu. Sem as Cruzadas, era bem possível que ela
tivesse seguido os passos do Zoroastrismo - outra fé rival do islão - à
extinção.
Autor: Thomas F. Madden
Fonte: http://goo.gl/QdaFYG
Tradução: Darwinismo
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