“O freio então, imaginado
pela sociedade moderna contra o abuso da liberdade de pensamento, de palavra e
de imprensa não respondendo a natureza, a extensão, e aos efeitos do mal que
quer frear, é um freio completamente nulo e nominal.”
Padre Bonfiglio Mura, O.S.M.
[Tradução:
Gederson Falcometa]
Gênese e nexo desta liberdade
A liberdade que é a absoluta
independência da razão humana em fato de religião proclamada por Lutero,
gerando logicamente a liberdade e a independência da própria razão proclamada
por Rousseau em fato de política, devia também gerar por rigorosa consequência
a liberdade, e a independência do pensamento e por isso de palavra que lhe é a
expressão. Ninguém em efeito pode estimar-se plenamente livre e independente em
fato de religião como de política onde lhe venha subjugado o pensamento, ou a
palavra que o exprime, obrigando a um e a outro a depender de uma autoridade
qualquer diversa daquela da própria razão e do arbítrio. A sociedade moderna
então, querendo e proclamando com Lutero e com Rousseau a independência
religiosa e política do homem, devia também querer e proclamar a independência
de pensamento e de palavra, e por consequência lógica àquela de imprensa que
também essa é a expressão do pensamento, e antes mais durável porque palavra
escrita, e mais perniciosa ou salutar nos seus efeitos, porque a palavra
articulada pode sentir-se por poucos, e a escrita pode ser lida por muitos, ou
mesmo todos. A sociedade moderna longe de renegar estas inferências, as
aceita com êxtase, as estima como uma conquista preciosa de quem se arroga todo
o mérito, e faria qualquer sacrifício para conservar nesse elemento vital, e a
arma mais poderosa da sua vida e da sedução. Renegando tais inferências
renegaria Lutero, a independência religiosa e política da razão individual; e
esta negação destruiria desde as bases o edifício da sociedade moderna, e seria
para a mesma um verdadeiro suicídio. Uma lógica que por isso decide pela sua
vida ou pela sua morte a condenação a admitir a liberdade de pensamento, de
palavra e de imprensa; e é verdadeiramente um pecado que esta lógica renegue a
si mesma onde se fala de liberdade de pensamento, de palavra e de imprensa
católica, contra a qual não encontra sofismas, vilanias e rigores que bastem,
enquanto faz boa vista a todos os erros mesmo os mais absurdos. Disto não
maravilhará a ninguém que recorde a sociedade moderna ser filha da Reforma, e
ter desta aprendido a gritar liberdade para todos e em todo gênero, menos para
a Igreja e para a consciência católica. Então, a liberdade de pensamento, de
palavra e de imprensa é um lógico derivado do princípio luterano aplicado a
religião e a política, e as três vozes com as quais ordinariamente vem expressa
esta liberdade se podem reduzir a uma só, ou a duas, vale dizer a liberdade de
pensamento e da sua manifestação falada ou escrita. O porque as mesmas
significam uma só e idêntica liberdade de pensamento, atuada e desenvolvida
objetivamente em dois modos diversos, a saber com a palavra ou com o escrito,
modos que dão a este desenvolvimento uma diferença de grau e de extensão
porque, como observamos agora, a palavra escrita é mais durável e capaz de
maior extensão que a falada, ou articulada que se queira chamar. Nós então
empregamos estas palavras promiscuamente para significar uma só e mesma coisa,
a saber o desenvolvimento prático da liberdade de pensamento.
Sua natureza e freio vão
A natureza desta liberdade retira o seu
ser e a essência da plena e absoluta independência concedida ao individuo e a
sua razão, na dupla aplicação religiosa, e social ou política feita-lhe por
Lutero, e por Rousseau. O porque, serem em ambos os casos absoluta e sem
limites a liberdade e a independência da razão e do individuo, absoluta deve
também ser a liberdade de pensamento e da sua manifestação; e por isso a
impor-lhe um freio e um limite qualquer é uma rigorosa contradição, e um dizer
não livre e não independente aquilo que na hipótese é livre e independente por
natureza. Os discípulos de Lutero podem dizer que este limite se encontra na
autoridade das S. Escrituras, e aqueles de Rousseau que também eles admitem um
obstáculo a estas liberdades na lei repressiva da imprensa, e no juízo do assim
chamado juri: mas nós questionaremos se este freio é lógico, e se pode
limitar-se àquilo que a natureza, na sua sentença, concedeu ao homem sem
condições e sem limites. Porém, calando sobre esta inconsequência, e do ser e
não ser dado e negado as concessões de natureza, o freio em questão nos parece
um jogo de vãs palavras e nada mais. Em efeito, a autoridade das S. Escrituras
entre os protestantes, não é se não a autoridade de uma letra morta porque é
totalmente sujeita ao juízo e a interpretação da razão humana que deu origem as
inumeráveis seitas que dividem a Reforma, e que torna esta eminentemente
contraditória quando por órgão dos seus ministros, dos catecismos, dos sermões
e das reuniões pretende ensinar aos seus sequazes aquilo que devem crer e
operar, depois de terem declarado a razão individual dos mesmos juízes supremos
em matéria de fé e de moral. O porque, a Escritura que se quer dar por freio a
razão protestante, ou é um freio nominal, como é verdadeiramente, em virtude da
sua independência da razão individual, ou se é um freio real, a razão não é
mais independente. Menos da Escritura se pode dizer-se limite da liberdade a
lei repressiva da imprensa, e o consequente juízo do júri. Esta lei realmente
não combate em si a liberdade de pensamento, mas a sua manifestação; não veta
esta, mas a pune em um caso concreto e particular; não toma de mira a razão e a
natureza da coisa, mas um fato; não combate diretamente o erro e o mal, mas
pretende prende-lo quando já é mandado a efeito. A lei então, não tira a causa
do mal e do erro, mas julga o fato, e o julga quando já produziu o seu efeito,
quando o veneno já propinou a tantas mentes e a tantas corações, quando é
impossível cancela-lo em si e nos seus efeitos, e por isso quando o juízo e a
pena não são, nem podem mais ser proporcionados ao mal social que consiste não
no fato parcial tomado de aspiração da lei se não remotamente. As repressões
então de que falamos não são proporcionais ao mal que se deveria frear e punir,
e deixando isto em todo o seu vigor, se resolve na punição de um fato
particular, ou, para falar mais claro, na pena infligida a um cretino que com
uma discreta dose de audácia, de paciência e de dinheiro, se ri da pena e
daqueles que a decretam. Neste caso, porém, é dito, sim existe pelo menos uma
sombra de repressão de uma parte do mal; mas se a lei e os seus intérpretes,
que nos modernos júris não são sempre os mais sapientes, favorecem o mal e o
erro, ou animados pelo espírito de parte e de privado interesse são indulgentes
e tolerantes com os mesmos, que será então da repressão? Esta repressão em tal
caso será uma arma potente de política e de partido nas mãos do governo, e ao
invés de combater o mal e o erro, combaterá a verdade e o bem, será uma guerra
obstinada e desleal a quanto e a quantos não se venderam de corpo e alma ao
partido dominante, e fará também pesar a espada de Dâmocles sobre qualquer um
que tenha a coragem de proclamar o verdadeiro, enquanto deixará blasfemar
impunemente as penas amigas, se também não recompensar estes com canetas de
ouro, com empregos lucrativos e com decorações cavalheirescas prostituídas a
blasfêmia, a traição, a impiedade. Neste caso a repressão legal pode definir-se
a licença do mal, o triunfo do erro e a escravidão do verdadeiro e do bem. Quem
conhece a história do moderno jornalismo católico e do heterodoxo, e sabe que é
perseguido o primeiro, e levado as estrelas o segundo pela sociedade moderna,
encontrará facilmente no nosso raciocinar uma verdade demonstrada pela
experiência, pela história e pelos fatos que a cada dia acontecem em muitos
países. Que se esta repressão se está contente em tutelar a política e o
interesse do governo, e deixa em baila da liberdade de pensamento e política o
interesse do governo, e da religião, então a mesma será uma zombaria e um
escárnio, antes que uma lei tutelar do público verdadeiro, e do bem, e
assemelhará, como assemelha em efeito, a uma lei que permita de vender
publicamente o veneno, e depois queira punir aqueles que o vêem, esperando de
curar, com esta punição de poucos, os muitos desventurados e infelizes que são
subornados. Nem mais e nem menos, tal é a lei repressiva da liberdade de
pensamento e de imprensa. Essa autoriza o comércio do veneno, permite a
universal propinação do mesmo: mas pune quem o vende, e só em certos casos,
deixando um pleno arbítrio dos singulares de compra-lo, bebe-lo e o morrer.
Quem não vê então a contradição e a nulidade desta lei que deixa matar ou corromper
livremente um povo, e que sonha colocar um obstáculo a tanto mal mandando ao
ócio por alguns meses em uma fortaleza e em uma sala muito cômoda não, para
além disso, o verdadeiro autor da pública miséria, mas o bode expiatório
inventado pela sociedade moderna para lhe fazer as vezes? Nem o assim
chamado júri, ou juiz do fato remediando a nulidade e a natureza
desta lei: pois que, coloca também a parte a natureza heterogênea dos mesmos e
a impotência de julgar com conhecimento de causa de todos, ou de muitos desses,
vossa senhoria é coisa clara que o seu juízo é limitado ao puro fato, não ao
inteiro mal social; e que por essa razão, ainda que o bom senso prevaleça
algumas vezes nos mesmos o espírito de parte, as paixões dos governantes, e a
sede de cargos e do ouro, todavia, não poderá jamais tirar a natureza do mal,
nem estender-se a grandeza indefinida do mesmo que é mal social, apesar de
derivado da própria pessoa. O freio então, imaginado pela sociedade moderna
contra o abuso da liberdade de pensamento, de palavra e de imprensa não
respondendo a natureza, a extensão, e aos efeitos do mal que quer frear, é um
freio completamente nulo e nominal.
Fonte: Estudos
filosóficos-polêmicos sobre a sociedade moderna, Capítulo IX, Da liberdade
na sociedade moderna, Artigo II: Da Liberdade de pensamento, de palavra, e de
imprensa na sociedade moderna, Roma 1863. pag. 223-260.
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