EXPLICAÇÃO DA SANTA MISSA
Autor: pe.
Martinho de Cochem (1630-1712)
Fonte: Lista "Tradição Católica"
Digitalização: Carlos Melo
XV. A SANTA MISSA É O MAIS
PODEROSO SACRIFÍCIO DE RECONCILIAÇÃO
Depois de seus filhos se terem
banqueteado, Jó, levantando-se de madrugada, ofereceu um sacrifício por cada um
deles, dizendo: "Talvez meus filhos tivessem ofendido a Deus no
coração" (Jó, 1, 5).
Este proceder mostra que a razão
natural basta para reconhecer a necessidade do sacrifício expiatório. Já era
usado entre os antigos Patriarcas, antes de tornar-se uma lei no tempo de
Moisés. "Se alguém pecou, tome do rebanho uma ovelhinha ou uma cabra e a
ofereça, e o sacerdote reze por ele e pelo seu pecado. Se não tiver os meios
para oferecer uma ovelhinha ou uma cabra, que ofereça duas rolas ou dois
pombinhos: um pelo pecado e outro pelo holocausto. O sacerdote ore por este
homem e por seu pecado, e este ser-lhe-á perdoado" (Lev. 5, 6).
Possuindo o Antigo Testamento tal
sacrifício, a santa Igreja devia ter o seu; sacrifício tanto mais elevado,
acima do primeiro, quanto o cristianismo é superior ao judaísmo. Este
sacrifício expiatório é, evidentemente, o sacrifício sanguinolento da Cruz, pelo
qual o mundo foi reconciliado com a Justiça divina.
Diz, pois, com muita razão, um
grande mestre da vida espiritual, Marchant: "Como Nosso Senhor Jesus
Cristo, sofrendo, tomou sobre si os pecados do mundo para lavá-los com o seu
Sangue, assim colocamos, no altar, sobre ele, as nossas faltas como sobre uma
vítima conduzida à imolação, para que as expie em nosso lugar" (Candel.
myst. Tract. 4. 15, prop. d). É por isso que o sacerdote se inclina
profundamente, ao pé do altar, pois representa a vítima carregada de nossas
iniqüidades que se apresenta, humildemente, perante o Senhor, para obter o
perdão para todos. Prostrado assim, lembra ainda Jesus Cristo no jardim das
oliveiras, onde o peso de nossos crimes o prostrou, banhado em suor de sangue,
e lhe arrancou o mais comovente clamor de perdão. Como ele, em seu lugar, o
sacerdote intercede pelos pecados do mundo inteiro.
Belas e consoladoras palavras
para o coração arrependido, e muito próprias para nos estimular o zelo em
assistir à santa Missa, onde se opera o benefício de nossa reconciliação!
Na liturgia de São Tiago, lê-se:
"Nós vos oferecemos, Senhor, este Sacrifício incruento pelos pecados que
cometemos por ignorância". É certo que cometemos muitas faltas, das quais
não nos apercebemos, que não confessamos, de que, porém, havemos de dar contas
a Deus. O rei David pensava nestas faltas ignoradas, quando exclamou:
"Senhor, não vos lembreis dos pecados de minha juventude e de minhas
ignorâncias" (Sl. 24) e "Quem conhece seus desvios? perdoai-me os que
ignoro" (Sl. 18).
Por conseguinte, se não quisermos
comparecer diante de Deus cobertos destes pecados de ignorância e malícia, como
de uma veste abominável, aproveitemo-nos da santa Missa que serve de expiação
por nossos pecados que não conhecemos, apesar de um sincero exame de
consciência.
"Pela oblação do santo
Sacrifício, diz o santo Papa Alexandre I, o Senhor reconcilia-se conosco e
perdoa a multidão de nossos pecados".
Deveríamos muito alongar-nos, se
quiséssemos lembrar todos os textos dos santos Padres sobre este assunto.
Citaremos somente a doutrina da Santa Igreja, declarada no Concílio de Trento:
"O Sacrifício da Missa é, verdadeiramente, o sacrifício propiciatório, por
meio do qual, se nos apresentarmos a Deus com coração reto e fé sincera, com temor
e respeito, com contrição e arrependimento, obteremos misericórdia e
receberemos os socorros de que temos necessidade" (Sess. 22, c. 2).
Perguntará, talvez, o piedoso
leitor: Para que um sacrifício de reconciliação, visto que podemos
reconciliar-nos com Deus por sincera contrição? Certamente, a contrição
"perfeita" nos põe em graça, porém, onde o pecador achará esta
contrição? Sentí-la por si mesmo, lhe é tão impossível quanto ao morto
ressuscitar por própria vontade. Com efeito, se cada um pudesse, pelas próprias
forças, provocar, em si sentimentos de penitência e arrependimento, o inferno
não estaria tão povoad
o, porque cada um aplicar-se-ia a
isto, na hora da morte, e morreria no estado de graça. E, se alguma vez
acontecer que se achem pecadores comovidos e penetrados de compunção, durante
um sermão ou uma leitura piedosa, ficai certos que tal efeito é de uma graça
particular da parte de Deus, e que não a concede, ordinariamente, sem ser pelo
menos solicitado. Ora, para abrir o tesouro das graças divinas, não há chave
mais segura do que o santo Sacrifício do Altar. A justiça severa do Pai
celestial muda-se em amor, em compaixão, em misericórdia. De que ternura para
os pobres pecadores não se sente comovido, durante sua imolação, Nosso Senhor
Jesus Cristo, a divina Vítima! Suas palavras a Santa Gertrudes, meditadas
atentamente, serão para nós de grande consolação. Foi, numa quinta-feira santa,
no momento em que se cantavam, no coro, as palavras: "Foi oferecido porque
quis", que Nosso Senhor disse à Santa: "Se acreditas que ofereci a
Deus, meu Pai, somente porque quis me oferecer, crê também que desejo agora
oferecer-me por cada pecador a Deus, meu Pai, tão prontamente como me ofereci
então pela salvação de todos os homens em geral. Assim não há ninguém, por carregado
de pecados que esteja, que não possa esperar o perdão, oferecendo a minha
Paixão e Morte, contanto que acredite poder, efetivamente, obter o fruto e o
dom da graça. Deve persuadir-se de que a memória de meus sofrimentos unida a
uma fé viva e verdadeira penitência é o mais poderoso remédio contra o
pecado" (Livro 4, c. 25).
Em outra ocasião, disse o divino
Mestre: "Minha filha, venho à Missa com tal mansidão que não há, entre os
assistentes, pecador tão pervertido que não suporte, perdoando-lhe com alegria,
se o desejar" (Lib. Revel. c. 18).
Oh!, admirável Sacrifício do
altar, quão grande é tua força! Quantos pecadores não convertestes da morte
eterna! Que gratidão não devemos a Jesus Cristo, que nos torna tão fácil a
reconciliação com Deus! Que loucura, pois, a de não aproveitar este grande
Sacrifício de Nosso Senhor Jesus Cristo!
"O homem, diz ele, perdoa a
injúria que recebeu, se o ofensor lhe oferece um presente equivalente ou lhe
presta um relevante serviço. Da mesma forma, Deus nos perdoa pela honra que lhe
rendemos, assistindo, piedosamente, à santa Missa, e pelo dom sublime que lhe
fazemos da oblação do Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo".
Se, na santa Missa, oferecermos a
Deus tão justamente irritado contra nós, as virtudes, os méritos, a Paixão e a
Morte de seu dileto Filho, mudamos-lhe os sentimentos a nosso respeito, mais
depressa do que Jacó mudou o coração de Esaú, visto que os nossos dons são mais
preciosos aos olhos de nosso Deus. "Toda a cólera e indignação de Deus,
diz Alberto Magno, dissipa-se diante desta oferta".
Convém fazer aqui uma pergunta:
Pela virtude da santa Missa um pecador "impenitente" será
reconciliado com Deus? Em outros termos, uma pessoa em estado de pecado mortal
que assistir à santa Missa, que a fizer celebrar, ou pela qual alguém a
mandasse celebrar, recobraria a graça por este simples fato? Não, porque a
graça somente se recupera por uma sincera contrição.
Então, perguntará alguém, que
fruto tira o pecador do Sacrifício? É-lhe muito útil, respondemos, tanto para o
temporal como para o espiritual. Preserva-o de muitas desgraças e atrai-lhe
bênçãos, porque Deus nunca "deixa o menor bem sem recompensa. Certamente a
recompensa da santa Missa é, antes de tudo, espiritual, porém, não sendo o
pecador susceptível desta graça superior, Deus, na infinita bondade,
concedeu-lhe, em primeiro lugar, o bem inferior dos favores temporais. Não
obstante, na ordem espiritual, a vantagem fica ainda mais preciosa. Ensinam os
Santos que a Santa Missa atrai, sobre a alma, a graça necessária, para
reconhecer e detestar os pecados mortais, dispondo-a para o arrependimento e a
confissão. Esta graça não opera, em todos, com a mesma eficácia. Este
converter-se-á logo, aquele não voltará senão lentamente, conforme a docilidade
do coração, para deixar agir as influências divinas".
A fim de tornar ainda mais clara
esta doutrina, dizemos: Na Missa, Nosso Senhor derrama uma bálsamo salutar
sobre o coração ulcerado do pecador. Este bálsamo Jesus o compôs, sobre a Cruz,
de seus sofrimentos, de suas lágrimas, de seu Sangue. Se o pecador deixar agir
este remédio precioso, a cura é certa; se em sua malícia infernal, arrancá-lo
da chaga, a morte eterna também é certa. A malícia humana não tira ao santo
Sacrifício o caráter de reconciliação, tem, porém, o terrível poder de recusar
esta reconciliação que Deus lhe oferece.
Entre os pecadores que se achavam
ao pé da Cruz, alguns somente se converteram batendo no peito e dizendo:
"Na verdade, este era Filho de Deus" (Mt. 27, 54). Os outros,
obstinados na malícia, repeliram o raio de luz e misericórdia que brotava do
Coração traspassado de Jesus. Entretanto, no dia de Pentecostes, a palavra de
São Pedro achou o terreno preparado, e três mil pessoas tornaram-se, pelo seu
convite, discípulos do divino Mestre.
Diz ainda Marchant: "A santa
Missa excita-nos ao arrependimento ou faz-lhe nascer o desejo. Isto acontece,
às vezes, durante a celebração do santo Sacrifício, outras vezes, mais tarde.
Muitos pecadores converteram-se por graça especial, sem pensar que a devem à
virtude da santa Missa, outros permaneciam impenitentes, porque rejeitam a
graça ou abusam dela" (Candel. myst. tract. lect. 15, prop. 4).
A alma, porém, que suspira por
ver-se livre de seus pecados, obterá, pela santa Missa, a graça de
reconciliar-se com Deus por uma sincera contrição e confissão, porque a santa
Igreja ensina: "Se assistirmos à santa Missa com sentimentos ou desejos de
contrição, Deus reconcilia-se conosco, concede-nos a graça da penitência e
perdoa-nos os crimes, por abomináveis que sejam" (Concílio de Trento,
Sess. 22).
Que palavras consoladoras para
todos os pecadores e almas desanimadas! Digam, pois, todos, na santa Missa, a
Deus: "Senhor, por este augusto Sacrifício, deixai-Vos aplacar e atraí,
para Vós, a minha vontade rebelde". Deus escutará esta oração, e, pelo
amor de seu Filho imolado sobre o altar, inundará vossa pobre alma com uma
chuva de graças.
Objetar-nos-á alguém com a
Sagrada Escritura: "A própria oração de quem não cumpre a lei será
execrável aos ouvidos de Deus" (Prov. 21, 14). A isto responde São Tomás
de Aquino: "Ainda que a Sagrada Escritura nos diga, em várias passagens,
que a oração de uma alma, em estado de pecado mortal, não agrada ao Senhor,
Deus não rejeita a que sai de um coração sincero".
Supondo mesmo que Deus despreza a
oração do pecador, quando este lhe oferece o Sacrifício da Missa, não pode
deixar de aceitá-lo com prazer. Repara bem: não dizemos que a oração do
pecador, durante a santa Missa, é agradável a Deus, mas, sim, o próprio
Sacrifício da Missa que o pecador oferece à divina Majestade. Se te achasses em
extrema necessidade, e se um inimigo te mandasse dez mil reais por intermédio
de seu servo, sem dúvida alguma, aceitarias este presente, dizendo contigo:
Apesar de vir de meu pior inimigo, muito me servirá. - Da mesma maneira Deus,
em presença do Corpo e do Sangue de seu Filho, oferecido por um pecador,
estremecerá de emoção e dirá: Ainda que este presente me venha de um inimigo de
quem tenho horror, não posso deixar de estimá-lo e aceitá-lo. E, como o
pecador, por esta oferta, me dá grande honra, quero recompensá-lo com a oferta
de minha graça; se aceitá-la, esquecerei todas as suas injúrias e dar-lhe-ei
minha amizade.
Coragem, pois, oh pecador
desanimado! tua salvação não é impossível; vê Jesus quebrar as cadeias de teus
maus costumes enquanto assistes ao santo Sacrifício; segue-lhe as divinas
inspirações e tua alma tornar-se-á mais branca do que a neve.
Talvez pergunte o benévolo
leitor: Se uma pessoa piedosa assiste à Missa e a oferece em louvor de um
pecador, que fruto lucra este?
Santa Gertrudes no-lo ensina. Um
dia ela pediu a Deus, durante a santa Missa, que comovesse os pecadores com sua
divina graça, para que se convertessem mais cedo, mas não ousou rezar pelos que
morrem na impenitência. Nosso Senhor, porém, repreendeu-a, dizendo: "A
dignidade e a presença de meu Corpo Imaculado e de meu Sangue precioso não
merecem conduzir à vida melhor aqueles que estão no caminho da perdição?".
Animada por estas palavras, a Santa pediu logo: "Suplico a Vossa divina
Majestade, disse, conceder o estado de graça também às pessoas que vivem em
pecado e estão em perigo de perecer". A estas palavras Nosso Senhor, cheio
de bondade, respondeu: "A confiança pode facilmente obter tudo" e, em
seguida, assegurou-lhe ter tirado diversas almas do caminho da perdição (Lib.
III, c. 9).
Pais cristãos, não esmoreçais
jamais, se vossas exortações, vossos bons exemplos ficam, aparentemente, sem
resultado para as almas que vos são confiadas; recorrei à santa Missa e
oferecei-a pelos que vos são caros, e a hora do triunfo virá, tanto mais
depressa quanto mais completa for a vossa confiança.
Outro bem inestimável que
recolhemos do santo Sacrifício da Missa é a expiação dos pecados veniais, que
ofendem a Deus muito mais do que se pensa.
São Basílio torna saliente a malícia
deste pecado em uma parábola: "Que se diria, pergunta ele, de um filho que
racionasse assim: Acautelar-me-ei para não trair meu pai ou cometer contra ele
um atentado qualquer que o obrigue a deserdar-me; fora disso farei como me
agradar, quer meu procedimento lhe agrade quer não!"
Eis a nossa atitude para Deus,
quando cometemos o pecado venial de caso pensado. É como se disséssemos: Sei
perfeitamente, que dependo, inteiramente, de Deus, que tudo lhe devo, que me
cumula de benefícios todos os dias; também não quero ofende-lo gravemente,
porém, enquanto se trata de pequenas imperfeições, deve suportá-las. Minha
vaidade lhe desagrada, entretanto não estou disposto a renunciá-la; meus
movimentos de cólera lhe são desagradáveis, não quero, porém, aplicar-me a
domá-los; contrário à sua vontade, sei muito bem, é perder horas inteiras na
ociosidade, falar a torto e a direito, rezar com indolência, apegar tão
estreitamente meu coração às coisas mundanas, perder as ocasiões de fazer o
bem, contudo não tenho vontade de combater estes defeitos.
Oh Deus, que terrível seria o
nosso julgamento, se não tivéssemos para apaziguar Vossa indignação, em face de
um tal procedimento, um sacrifício de reconciliação, "a fim de que, por
sua virtude, nos obtenha a remissão das faltas quotidianas" (Concílio de
Trento, sess. 22. c. 1). Estas faltas quotidianas são, evidentemente, os
pecados veniais.
Diz um escritor, eclesiástico
muito explícito a respeito deste assunto: "O santo Sacrifício se renova
cada dia, porque pecamos cada dia e cometemos faltas inerentes à fraqueza
humana". Nosso Senhor, é verdade, deu-nos outros meios para reparar essas
faltas diárias, como a oração, o jejum, a esmola; nenhuma, entretanto, é tão
eficaz como a santa Missa.
Teologicamente falando, também o
pecado venial não obtém perdão sem a contrição. Mas é certo que, assistindo à
santa Missa, para obtermos a expiação de nossos pecados, aí trazemos, pelo
menos implicitamente, a contrição e o desejo de sermos purificados. Segundo o
padre Gobat, os que assistem à santa Missa obtêm o perdão dos pecados veniais,
mesmo quando a contrição é imperfeita.
Soares é da mesma opinião:
"Jesus Cristo instituiu, escreve ele, o santo Sacrifício da Missa e lhe
apropriou os méritos de sua morte, para que, em virtude de seus merecimentos,
os pecados quotidianos nos sejam perdoados" (Tom. 3 dist. 79, sect. 5).
São João Damasco escreve: "O
Sacrifício imaculado da Missa é a reparação de todo o dano, e a purificação de
todas as manchas" (Lib. 4 c. 14). Isto Nosso Senhor o prometera pelo
profeta Ezequiel: "Derramarei sobre vós água pura e sereis purificados de
todas as vossas culpas" (Ez. 36, 25). Esta água purificadora brotou do
Sagrado Coração de Jesus, donde jorra, sob o golpe da lança do soldado, segundo
estas palavras proféticas: "Neste dia haverá uma fonte aberta na cada de
David, para lavar as manchas do pecador" (Ez. 12, 7). Desta fonte sagrada,
irrompe, na santa Missa em borbotões, o precioso Sangue, a água simbólica, da
qual todos podem aproximar-se e purificar-se. Sua abundância é inesgotável.
Nunca a sua entrada está vedada.
Oh, quantos pecadores já vieram e
beberam, com alegria, das águas da salvação! A todos convida São João, dizendo:
"O que tem sede venha; e o que quiser receba, gratuitamente, a água da
vida" (Ap. 22, 17).
Poderias ficar afastado de uma
fonte tão maravilhosa, cujo movimento salutar se faz sentir em cada Missa? De
hora em diante, não te apressarás em chegar ao pé do altar, animado dum ardente
desejo de reaver, para tua alma, as vestes brilhantes da pureza batismal?
XVI. A SANTA MISSA É O MAIS
DIGNO SACRIFÍCIO DE SATISFAÇÃO
Bem
que o sacrifício de satisfação esteja compreendido no sacrifício de
conciliação, existe, entretanto, uma notável diferença entre os dois: o
sacrifício de reconciliação torna Deus favorável ao pecador, ao passo que, pelo
sacrifício de satisfação, resgatamos as penas temporais. Parece, pois,
conveniente tratar de cada um em capítulo particular.
O
pecado produz um duplo mal: o da "culpa" e o da "pena". A
"culpa" faz-nos perder o favor de Deus e é perdoada pelo sacramento
da Penitência. A "pena" poderia ser também remida, inteiramente, pela
Confissão, mas, em geral, por causa da imperfeição com a qual se recebe este
Sacramento e, talvez, devido a certas circunstâncias produzidas por nossos pecados,
é somente remida em parte.
Ora,
tudo o que fica da pena devida ao pecado, podemos expiar, neste mundo, pela
oração, por vigílias, jejuns, esmolas, peregrinações, recepção freqüente dos
santos Sacramentos, e sobretudo, ganhando indulgências. Se morremos sem ter,
completamente, satisfeito nossa dívida, iremos expiá-la no purgatório.
As
penitências da vida presente custam muito à pobre natureza, e a lembrança do
purgatório nos aterra com razão. Não haverá pois, um meio de satisfazer,
inteiramente, neste mundo, e não podemos evitar o purgatório, ou pelo menos,
abreviar-lhe a duração e diminuir a intensidade de suas chamas?
Sim,
existe um meio, - e esse meio de pagar toda a dívida é fácil: oferecendo o
santo Sacrifício da Missa, o divino Criador ficará satisfeito. Lembra-te,
porém, quando assistes ao santo Sacrifício da Missa, que é tua propriedade,
conforme a vontade de Deus. É o que afirma o sacerdote em cada santa Missa,
quando, voltando-se para os assistentes, lhes diz: "Orai, meus irmãos,
para que o meu e o vosso sacrifício seja agradável a Deus, o Pai
onipotente".
Compenetrado,
pois, do valor do tesouro que se acha em teu poder, dize ao teu Criador:
"Quanto vos devo, Senhor? cem? mil? dez mil talentos? Reconheço minha
grande dívida e estou pronto a satisfazê-la, não por mim, mas pelos ricos
méritos de vosso divino Filho, presente aqui sobre o altar. Ofereço-vos este
tesouro, tirai daí quanto for preciso para satisfazer minha dívida".
Que
todos se apliquem a fazer valer este tesouro, e os pobres pecadores se
apressem, logo que caírem, a assistir à santa Missa, a oferecer este santo
Sacrifício em expiação de sua falta! Deus lhes ajudará a fazer uma boa
Confissão, apagando-lhes as penas temporais e preservando-os das reincidências.
A
compreensão e meditação das verdades que acabamos de expor, despertará, sem
dúvida, em teu espírito, legítima curiosidade de saber em que medida as penas
temporais nos são perdoadas pela piedosa audição da santa Missa.
Não
podemos responder melhor a esta pergunta do que lembrando, novamente, o
infinito valor do Sacrifício de nossos altares. Escuta o que diz o Padre
Lancício: "O valor do santo Sacrifício da Missa é infinito pela própria
virtude. Apesar de ser agora oferecido pelas mãos dos sacerdotes, o preço lhe é
tão elevado como quando, a última ceia, Jesus Cristo em pessoa o oferecia a seu
Pai, visto que ele fica sendo Sacrificador e Vítima. Este primeiro Sacrifício,
como todas as obras que Jesus Cristo praticou sobre a terra, eram de um valor
infinito em virtude da dignidade de sua divina Pessoa. Segue-se daí que o santo
Sacrifício da Missa é ainda e será sempre de um valor infinito" (Lib. II
de Missa, n. 294).
O
Padre Lancício demonstra, em seguida, como, apesar desse valor infinito da
santa Missa, seu mérito não se aplica aos fiéis de maneira infinita. Não fosse
assim, uma única Missa seria suficiente para obter-nos a remissão de tudo
quanto devemos à eterna justiça e toda penitência tornar-se-ia desnecessária.
Concorda isto com o ensino da santa Igreja afirmando que, pela virtude do santo
Sacrifício, muitas das penas podem ser remidas e até todas, se nossa devoção
for muito grande.
Entretanto,
não se deve interpretar falsamente estas explicações e dizer: Visto que a santa
Missa é de valor infinito e constitui o meio mais fácil de ficar quite com a
divina Justiça, ouvi-la-ei da melhor forma possível, dispensando-me de fazer
penitência: isto seria querer enganar-se a si próprio, visto que as penas
temporais não são remidas senão quando nos tornamos dignos da remissão, por um
coração contrito e humilhado; ora, a contrição, o arrependimento sincero do
pecado levar-te-á sempre às diversas práticas da penitência.
A
santa Missa não torna, pois, inúteis as outras boas obras, antes nos obriga a
fazê-las, para nos tornar mais dignos de obter, pelo santo Sacrifício do Altar,
a remissão de uma grande parte de nossas penas. Por isso, diz o venerável Luis
de Argentina: "As obras de penitência não são supérfluas. Pelo contrário,
são muito necessárias, pois contribuem para a correção dos defeitos e a emenda
da vida". Sim, as penitências afastam-nos do pecado, pondo um freio às
nossas paixões, tornam-nos mais prudentes e mais vigilantes, fazem desaparecer
os maus costumes pelos atos das virtudes contrárias.
Aqui
te ouvimos perguntar: "Qual é, pois, a eficácia da santa Missa pelo alívio
das almas do purgatório?". Caro leitor, Deus não julgou necessário
revelá-lo à sua Igreja, como também não revelou a extensão da pena aplicada a
este ou aquele pecado. Mas, quando consideramos que nada de impuro entra no céu
e que o purgatório é um cárcere donde ninguém sai sem ter pago até o último
ceitil, e se, de outro lado, rememoramos o caráter e a duração das penas
impostas outrora pela santa Igreja, devemos concluir que a demora das almas no
purgatório é prolongada. A incerteza neste ponto estabeleceu o uso dos
aniversários, cerimônias que podem ser mantidas durante séculos. O que sabemos
infalivelmente é que podemos socorrer às almas do purgatório pela oração e,
sobretudo, pelo santo Sacrifício da Missa. Logo, se amamos estas almas, - e
quem não as amaria? - façamos celebrar por elas a santa Missa, ou assistamo-la
em sua intenção.
Os
teólogos acreditam, comumente, que as almas do purgatório tiram tanto mais
fruto do santo Sacrifício quanto maior lhe foi o zelo em assistí-lo sobre a
terra. Sê, pois, esperto, caro leitor, e diminui à tua alma, quanto for
possível, a duração das chamas do purgatório. Supõe que, tendo cometido um
grande crime, te condenassem a ficar estendido meia hora sobre uma grelha em
brasa, ou a ouvir uma santa Missa. Sem dúvida, precipitar-te-ias para a igreja,
para aí ouvir não uma, mas diversas missas, a fim de não incorreres no suplício
do fogo.
Ora,
não é provável que, na tua morte, tua alma vá diretamente para as alegrias do
céu; é quase certo que, antes de chegar ao gozo eterno, deverás purificar-te
pelas penas do purgatório. Que leviandade, pois, descuidares-te da santa Missa
que diminui, suaviza e apaga, tão eficazmente, as chamas do purgatório.
Se
insistires ainda para saber qual a eficácia de uma Missa que fazes celebrar por
tua alma, responderemos: Quem faz celebrar o santo Sacrifício obtém,
naturalmente, mais graça para expiação de suas penas temporais do que o que se
limita a assistí-lo, porque os frutos do santo Sacrifício lhe pertencem, em
grande parte, por direito, quer da parte de Deus, quer da parte do sacerdote. A
soma exata, porém, que se lhe concede, Deus não a revelou. Quem, não contente
de mandar celebrar a santa Missa, também a vai assistir, receberá lucro
aumentado, porque, ainda que obtenha ausente, a parte de graças que o sacerdote
lhe aplica, ficará privado da vantagem que lhe seria atribuída se a assistisse.
Segue-se
uma conseqüência geralmente ignorada. Quando mandares celebrar uma Missa, seja
para honrar um Santo, seja para obter uma graça, sem determinar a quem as
graças "satisfatórias" deverão ser aplicadas, estas voltarão ao
tesouro da Igreja, salvo se Deus, por compaixão pela ignorância, muitas vezes
involuntária, dispõe delas em teu favor. Seja, portanto, bem determinada tua
intenção, e dize a Nosso Senhor: Desejo mandar celebrar esta Missa em honra de
tal Santo... para obter a graça ... e vos peço que apliqueis as graças
satisfatórias do santo Sacrifício a mim ou a tal alma... Desta maneira teu
proveito será duplo, pois honras o Santo de tua devoção e favoreces a própria
alma, pagando as dívidas das penas temporais, como também qualquer outra, em
cujo favor aplicares a virtude satisfatória da santa Missa.
Estas
considerações são muito próprias para inflamar nosso amor pela santa Missa:
sendo possível, ouçamo-la todos os dias. Tenhamos, nos domingos e dias santos,
a devoção de, além da Missa de obrigação, assistir ainda a outras.
Deus
não esquece nenhuma das nossas faltas, portanto hás de escolher: "aut
poenitendum aut ardendum - ou expiar ou queimar". Não será melhor
satisfazer aqui, do que cair, carregado de dívidas, nas mãos da divina Justiça?
Se, pois, as mortificações das almas heróicas te espantam, procura supri-las
pelo meio agradável e fácil da piedosa assistência à santa Missa.
XVII. A SANTA MISSA É A OBRA
MAIS EXCELENTE DO ESPÍRITO SANTO
Quase
em cada página deste livro, entrevimos alguma relação da santa Missa com Deus
Pai e Deus Filho. Estudemos agora a parte que toma a terceira Pessoa divina no
santo Sacrifício.
Os
dons e graças, com que o Espírito Santo cumula a Igreja e a alma cristã, são
inumeráveis: não há língua que possa especificá-los. O Espírito Santo é amor e
misericórdia: aplica-se, continuadamente, em acalmar a Justiça divina e em
preservar os pecadores da condenação eterna. É quem começou e há de acabar a
obra de nossa santificação. Começou-a, quando, por sua operação, o Verbo divino
se fez carne no seio imaculado de Maria Santíssima, que a alma de Jesus Cristo
uniu a seu corpo, a divindade à humanidade. Terminou-a, comunicando-se, no dia
de Pentecostes, aos apóstolos e discípulos, e pela conversão das almas que
ficaram insensíveis ao espetáculo de Cristo moribundo. Hoje, este mesmo
Espírito habita no coração dos verdadeiros fiéis. Não abandona, inteiramente,
aqueles que o ofendem, mas fica-lhes à porta do coração e esforça-se para
reconquistá-los.
Esta
operação à redenção, quem não chamará uma obra grande e magnífica? Não obstante
mantemos o título do presente capítulo e dizemos: a santa Missa é a obra mais
excelente do Espírito Santo.
Todos
os teólogos consideram o mistério da Encarnação, isto é, a união da divindade
com a humanidade em uma pessoa, como a maior das maravilhas. Esta maravilha,
como todas as obras exteriores de Deus, é comum às três Pessoas divinas. A
santa Igreja, porém, e o ensino dos santos Padres, atribuem-na, com
especialidade, ao divino Espírito Santo, a quem se deve atribuir, com maioria
de razão, a obra prima do amor.
Apesar
disso, o milagre que se efetua sobre o altar ultrapassa o primeiro, porque o
Homem-Deus aí se aniquila até ocultar-se na menor partícula da Hóstia sagrada.
Ora, na liturgia de São Tiago, lê-se, expressamente, antes da fórmula da
consagração: "Mandai, Senhor, sobre estes dons, o Verificador, o Divino, o
Eterno, que, um convosco, Deus Pai, e com o vosso Filho único, reina, a fim de
que, por sua santa, salutar e gloriosa presença, este pão seja santificado e
transubstanciado no Corpo, e este vinho, no Sangue precioso do vosso
Cristo".
Oração
semelhante encontra-se na liturgia de São João Crisóstomo: "Abençoai,
Senhor, este pão, mudai-o no Corpo adorável do vosso Cristo. Abençoai o santo
cálice e transformai, pelo Espírito Santo, o que contém, no precioso Sangue de
Cristo".
Nos
primeiros missais, a transubstanciação é sempre atribuída ao Espírito Santo,
que se invoca, que se chama para efetuar esta obra, como efetuou a obra da
Encarnação, segundo a palavra do Anjo Gabriel dirigida a Maria Santíssima:
"O Espírito Santo descerá sobre ti e a virtude do Altíssimo te cobrirá de
sua sombra" (Lc. 1, 35). O sacerdote indica esta participação da terceira
Pessoa divina, quando, erguendo os braços, suplica-lhe que desça do céu,
dizendo: "Vinde, Santificador onipotente, Deus eterno, e abençoai este
sacrifício preparado em honra de vosso santo nome" (Missal Romano:
Ofertório).
Santo
Ambrósio ora da mesma maneira antes da Missa: "Fazei, Senhor, que a
invisível Majestade de vosso Santo Espírito desça sobre ele, como desceu,
outrora, sobre as vítimas dos nossos antepassados". Esta descida do
Espírito Santo é claramente descrita por Santa Hildegardes: "Enquanto o
sacerdote, diz ela, ornado de vestes sacerdotais, caminhava para o altar, vi
descer do céu uma claridade deslumbrante que cercou o altar, durante a
celebração da Missa. Ao "Sanctus" uma chama muito forte caiu sobre o
pão e o vinho, penetrando-os como os raios do sol penetram o vidro. Entretanto,
elevou as duas espécies ao céu para trazê-las em breve; não houve mais então
senão a Carne e o Sangue de Jesus Cristo, se bem que permanecessem,
aparentemente, o pão e o vinho. Enquanto considerava as santas espécies, vi
passar, diante de meus olhos, tais quais se cumpriram na terra, a Encarnação, o
Nascimento, a Paixão e Morte do Filho de Deus.
O
antigo Testamento possuía duas belas figuras deste mistério; uma, o sacrifício
de Arão: "A glória do Senhor, diz a Sagrada Escritura, apareceu a toda a
assembléia do povo e um fogo que saiu, devorou o holocausto e as gorduras que
estavam sobre o altar, e o povo, vendo-o, louvou ao Senhor, prostrando-se com o
rosto em terra" (Lev. 1, 23).
A
outra se realizou na consagração do templo: "Salomão, ao acabar a prece,
viu o fogo descer do céu e consumir os holocaustos e as vítimas, e a Majestade
de Deus encheu toda a casa. Os filhos de Israel, vendo descer o fogo e a glória
do Senhor, sobre esse Templo, prostravam-se, a face em terra, adorando e
louvando o Altíssimo, e diziam: "Quanto é bom o Senhor! sua misericórdia é
eterna" (II Paralip. 7, 1 e 3).
Compreendes
bem, agora, a infinita bondade do Espírito Santo? Não é uma prece que dirige
por nós a Deus Padre, são gemidos inenarráveis. Confia, pois, em um amigo tão
fiel, retribuindo-lhe, e visto que ora por ti, sobretudo na santa Missa,
assiste-a, algumas vezes, também em sua honra e em ação de graças por seus
benefícios.
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