"Criação do céu e da terra, e de tudo o que eles se contém. Depois cria Deus o homem e a mulher, e sujeita-lhes todas as outras criaturas."
GÊNESIS
Em hebreu Bereschith, que é a PALAVRA INICIAL TRADUZIDA NA Vulgata – in princípio. O Gênesis é por assim
dizer a introdução aos quatro restantes livros do Pentateuco e à história do
povo de Deus. Conta-nos a história da criação do mudo até a vocação de Abraão,
a história dos patriarcas, Abraão, Isaac, a vida e morte de Jacó, no Egito, a
história da sua descendência, narrando-nos Moisés o estabelecimento dos
israelitas no Egito. Consta de cinquenta capítulos e é um grande quadro
genealógico, como escreve Cosquin, Dans
le premier livre de Moises, la généalogie est le cadre de l´historie.
Podemos dividi-los em dez
seções, precedidas de um preâmbulo, pela seguinte ordem: Preâmbulo: - Criação
do mundo, 1, 2, 3. – 1º História das origens do mundo e da humanidade, 2, 4. 2º
História da descendência de Adão, 5-6, 8 – 3º História de Noé, 6, 9; 9, 29. –
4º História dos Filhos de Noé, 10; 11, 9. – 5º História de Sem, 11, 10-26. – 6º
História de Taré e de Abraão, 11, 27; 25, 11. – 7º História de Ismael, 25,
12-18. – 8º História de Isaac, 25,19; 35. – 9º História de Esaú, 36. – 10º
História de Jacó, 37-50. Por aqui se vê que a redação do Gênesis obedeceu a um
plano regular; é um grande quadro genealógico que nos dá notícia de todos
acontecimentos da história primitiva e a da história patriarcal, intercalada de
fatos e personagens secundários, dos quais dá notícia, mais ou menos
circunstanciais, conforme a importância que tiveram na história do povo de
Deus.
GÊNESIS
CAPÍTULO
I
Criação do céu e da terra, e de tudo o que
eles se contém. Depois cria Deus o homem e a mulher, e sujeita-lhes todas as
outras criaturas.
1.
No
princípio criou Deus o céu e a terra. (1)
2.
A
terra, porém, estava vazia e nua; e as trevas cobriam a face do abismo; e o
espírito de Deus era levado por cima das águas.
3.
Disse
Deus: faça-se a luz; e fez-se a luz. (2)
4.
E viu
Deus que a luz era boa; e dividiu a luz das trevas.
5.
E
chamou à luz dia, e às trevas noite; e da tarde, e da manhã se fez o dia
primeiro. (3)
6.
Disse
também Deus: Faça-se o firmamento no meio das águas, e separe umas águas das
outras águas. (4)
7.
E fez
Deus o firmamento, e dividiu as águas, que estavam por baixo do firmamento, das
que estavam por cima do firmamento.
8.
E
chamou Deus ao firmamento céu; e da tarde, e da manhã se fez o dia segundo.
9.
Disse
também Deus: As águas, que estão debaixo do céu, ajuntem-se num mesmo lugar, e
o elemento árido apareça. E assim se fez.
10. E chamou Deus ao elemento árido terra, e
ao agregado das águas mares. E viu Deus que isto era bom.
11. Disse também Deus: Produza a terra erva
verde, que dê a sua semente; e produza árvores frutíferas, que deem fruto, segundo
a sua espécie, e que contenham a sua semente em si mesmas, para reproduzirem
sobre a terra. E assim se fez. (5)
12. E produziu a terra erva verde, que dava
semente segundo a sua espécie; e produziu árvores frutíferas que continham a
sua semente em si mesmas. E viu Deus que isto era bom. (6)
13. E da tarde, e da manhã se fez o dia
terceiro.
14. Disse também Deus: Façam-se uns luzeiros
no firmamento do céu, que dividam o dia e a noite, e sirvam de sinalar os
tempos, as estações, os dias e os anos;
15. que luzam no firmamento do céu, e aluminem
a terra. E assim se fez.
16. Fez Deus, pois, dois grandes luzeiros, um
maior, que presidisse ao dia; outro mais pequeno, que presidisse à noite; e
criou também as estrelas. (7)
17. e pô-las no firmamento do céu para luzirem sobre a
terra.
18. e presidirem ao dia e à noite, e dividirem a luz, das
trevas. E viu Deus que isso era bom.
19. E da tarde, e da manhã se fez o dia quarto.
20. Disse também Deus: Produzam as águas animas viventes,
que nadem nas águas; e aves, que voem sobre a terra, e debaixo do firmamento do
céu. (8)
21. Criou Deus, pois, os grandes peixes e todos os animais
que tem vida e movimento, os quais foram produzidos pelas águas, cada um
segundo a sua espécie. Criou também todas as aves, segundo as suas espécies. E
viu Deus que isso era bom.
22. E ele os abençoou, e lhes disse: Crescei e
multiplicai-vos, e enchei as águas do mar: e as aves se multipliquem sobre a
terra.
23. E da tarde, e da manhã se fez o dia quinto.
24. Disse também Deus: Produza a terra animais viventes,
cada um segundo a sua espécie: animais domésticos, répteis e animais selvagens,
segundo as suas espécies. E assim se fez. (9)
25. E criou Deus os animais selvagens, segundo as suas
espécies: os animais domésticos, e todos os répteis da terra, cada um segundo a
sua espécie. E viu Deus que isto era bom.
26. Disse também Deus: Façamos o homem à nossa imagem e
semelhança, o qual presida aos peixes do mar, às aves do céu, às bestas, e a
todos os répteis, que se movem sobre a terra, e domine em toda terra.
27. E criou Deus o homem à sua imagem: fê-lo à imagem de
Deus, e criou-os macho e fêmea.
28. Deus os abençoou, e lhes disse: Crescei e
multiplicai-vos, e enchei a terra, e tende-a sujeita a vós, e dominai sobre os
peixes domar, sobre as aves do céu, e sobre todos os animais que se movem sobre
a terra.
29. Disse-lhes também Deus: Eis aí vos dei eu todas as
ervas, que dão suas sementes sobre a terra; e todas as árvores, que tem as suas
sementes em si mesmas, cada uma segundo a sua espécie, para vos servirem de
sustento a vós.
30. e a todos os animais da terra, a todas as aves do céu
e a tudo o que tem vida e movimento sobre a terra, para terem de que se
sustentar. E assim se fez.
31. E viu Deus todas as coisas que tinha feito, e eram
muito boas. E da tarde, e da manhã se fez o dia sexto.
NOTAS:
(1)
NO PRINCÍPIO – O valor do
termo hebraico do original é – “antes de existir coisa alguma criada”. Segundo
a opinião de Febre d’Envieu, Origines de
la terra et de l´homme (1873), este versículo inicial refere-se à criação
primordial da matéria (período ante-hexamérico), enquanto que os seguintes
contam a organização da matéria criada, em seis épocas.
CRIOU – No original
emprega-se o termo barra, que
significa crear ex nihilo, enquanto
que nos versículos seguintes a Vulgata traduziu por criar o termo hebraico hasah,
que significa organizar a matéria preexistente. Com esta interpretação
concordam os modernos Owen, Herschell, Wallace, Naudim, Jousset e outros
insignes naturalistas.
(2)
FAÇA-SE A LUZ – Os
modernos comentadores entendem que a expressão faça-se em latim fiat, não indica necessariamente a
criação de uma coisa que não exista, mas sim que se lhe deve ligar a
significação de aparecer, e assim entendem que Moisés quis exprimir a aparição
da luz onde ela ainda não penetrava, conforme ensina Lestrade no seu livro Accord de la Science avec le premier
chapitre de la Génèse (1885)
(3)
O DIA PRIMEIRO – A organização do mundo
é dividida por Moisés em seis atos, que ele designa pela palavra yôm, e que a Vulgata traduziu por dia, quando é certo que em hebreu esta
palavra designa espaço de tempo, época ou período; mas ainda mesmo que
significasse apenas o espaço de vinte e quatro horas, nunca se devia entender
no sentido próprio, mas em sentido figurado, o que perfeitamente na índole da
linguagem oriental, tão fértil no emprego de metáforas, que a cada passo se
encontram. Esta opinião não é nova; já a seguiu Santo Agostinho. Não se deve
deixar de atender também à intenção litúrgica, que Moisés tinha em vista
querendo consagrar a semana hebraica. Vejam-se os artigos da Dublin Review e Revue des questions
scientifiques.
(4)
FIRMAMENTO – Por esta
palavra traduziu S. Jerônimo o termo hebraico râqi’a, que significa extensão, expansão, e por isso os exegetas de
hoje dão-lhe a significação de atmosfera, que não somente divide as águas das
nuvens que os vapores aí formam, das da terra, mas que, exercendo pressão sobre
as águas dos mares, se conservam em seu estado líquido e dentro dos limites,
como ensina Vigouroux, La sainte Bible
polyglotte (1900). Este é o segundo período da criação, cuja narração vai
até o versículo oitavo.
(5)
PRODUZA A
TERRA – Santo Agostinho, no seu tratado sobre o Gênesis,
espraia-se em largas considerações sobre estas palavras para sustentar a teoria
da criação secundária e derivada, doutrina perfilhada pelo Doutor Exímio o Padre
Suarez, na qual se firma o moderno e notável naturalista católico Saint Georges
Mivart, que sustenta haver no Gênesis, claramente evidencias, as duas criações:
(a) imediata, no ato pelo qual Deus do nada criou a matéria;
ao que chama criação primordial e absoluta;
e b) criação mediata, quando
Deus, depois de ter criado diretamente a matéria, imprimiu-lhe a força para se
desenvolver sob certas e determinadas leis, impostas pela sua Onipotência
Infinita e Onisciência Indefectível. Assim ficaram criadas, não em ato, mas em
potência, todas as formas que mais tarde surgiram da matéria, sob a ação das
forças e propriedades que a esta são inerentes. Veja-se o livro do Padre Zahm: Science catholique et savants catholique
(1895).
(6)
ERVA – No primeiro e
no segundo períodos não se fala em manifestação alguma da vida, o que
corresponde fielmente ao período azóico
geologia; mas neste terceiro período já se alude a uma, embora rudimentar,
flora – a erva e as árvores. Que vegetais eram estes? Fetos, musgos, o equisetum, os ginospermas. Mas,
objeta-se, como se podiam desenvolver estas plantas sem a ação dos raios
solares? Pfaff responde a estas perguntas com toda a precisão: “Não é o sol que
as plantas necessitam, mas de luz e calor”. Ora, a luz e o calor, é cientificamente
certo, existiram antes do sol. Outra objeção, que se levanta, é: que pelos
dados de geologia sabemos existirem neste mesmo período, que corresponde à
idade paleozoica, alguns batráquios, anfíbios e peixes; a isto respondem os
exegetas dizendo, e com razão, que Moisés não estava escrevendo tratado
científico, e por isso só menciona, em cada época, os seres que a
caracterizavam. Vigouroux, ob. cit.; Lapparent, Traité de géologie; Pozzy, La
terre et le recit biblique, L’oeuvre.
(7)
DOIS GRANDES
LUZIEIROS – Não esquecendo que Moisés não escrevia um tratado
astronomia (Pioger, L’oeuvre des six
jours), devemos notar que neste quarto período se assinala a organização do
nosso sistema solar. Basta que se note que entre a narração bíblica e os dados
da astronomia, em que pese a Drapper e White, não existe contradição real, pois
todos sabem que M. Faye sustenta que a terra foi criada antes do sol, do que
facilmente nos convencemos estudando as várias hipóteses cósmicas, e lendo
Kant, Herschell, Laplace, Faxe e Wolf. Cf. Estienne, Comment c’est formê l’Univers.
(8)
ANIMAIS
VIVENTES – Deste versículo ao 23 vai o quinto período que
corresponde à idade mesozoica ou
secundária, que é caracterizada por uma abundância prodigiosa da vida animal.
Destacam-se os enormes répteis, armados de terríveis meios de destruição e por
isso os geólogos lhe chamaram “a era dos répteis”. Os dados geológicos estão em
perfeito acordo com a narração mosaica. Nesta camada geológica encontra-se os
fósseis desses gigantescos sáurios, e os ictiossáurios de formas
extraordinárias, anfíbios de enormes dimensões, cete grandia, belluinas marinas, como diz o texto sagrado. Depois
vem as aves, das quais se encontram os vestígios nos terrenos jurássico e cretáceo,
e aí temos nós os pterodátilos, os répteis alados e os grandes pássaros, do
gênero do avestruz. Grosselet, Cours de
Géologie.
(9)
ANIMAIS
SELVAGENS - É a tradução à
letra do texto hebreu. Neste versículo começa a decorrer o sexto período. Até
aqui Moisés não nos falou dos mamíferos, também na idade geológica anterior
eles não apareceram; agora fala-nos dos animais domésticos e dos selvagens; mas
a este período pertencem a idade cenozoica
ou terciária, e a idade quaternária, nas quais aparecem os vestígios dos mamíferos.
“Por isso, diz Pfaff, se nós compararmos os dados dos mamíferos com a História
Bíblica, vemos que está em perfeita harmonia com aqueles... Assim a sequência
cronológica de Moisés é rigorosa; o caos, a terra emergindo coberta pelas
águas; a formação do reino inorgânico, depois vegetal, a seguir o animal, tendo
por primeiros representantes os aquáticos, após os terrestres, e por fim o
homem, o último e o mais perfeito – tal é, na verdade, a sucessão dos seres.
BÍBLIA SAGRADA, reedição da versão do Padre
Antônio Pereira de Figueiredo, EDITORA DAS AMÉRICAS, São Paulo, 1950.
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