“Cunhaú e Uruaçu são os mais abençoados
pedaços de chão que temos. A guerra revirou essa terra misturando o suor do
trabalho, as lagrimas da revolta e o sangue dos mártires fertilizando o solo
onde se plantou sementes de esperança”. (O Soveral)
Massacre do Ferreiro Torto, Cunhaú,
Angico Torto, João Navarro e Uruaçu.
Em 1631 os holandeses tentaram
conquistar Natal, mas não conseguiram. Somente em 08 de dezembro de 1633 com
uma expedição composta de onze navios e 800 homens e a rendição em 12 dezembro
dos portugueses da Fortaleza dos Reis Magos que estava sob o comando de Pero
Mendes de Couveia a capitânia passou a ser dos holandeses. A fortaleza
dos Reis Magos, núcleo de resistência militar, foi tomada e seu nome mudado
para Forte Keulen e seus principais engenhos cobiçados: o Ferreiro Torto e o
Cunhaú.
O nome Natal foi rebatizado pra Nova
Amenstedan ou Potengi. O primeiro comandante holandês do forte foi o
sargento-mor Jores Garstmam von Werve a sua posse ocorreu em 15 de dezembro de
1633. A conquista do Forte deu a oportunidade aos holandeses de conquistar
Paraíba e a destruição da resistência pernambucana e anexando esses territórios
ao seu domínio que ia de Sergipe e partes do Ceará. Esse domínio ficou
conhecido por Nova Holanda.
Após essa batalha a principal
preocupação dos invasores era assumir o quanto antes a principal fonte de
economia da região. Contudo na Capitania do Rio Grande havia apenas dois
engenhos: o Ferreiro Torto e o Cunhaú. O primeiro a ser invadido pelos holandeses
foi o Ferreiro Torto, por estar mais próximo de Natal.
O primeiro engenho a ser invadido pelos
holandeses foi o Ferreiro Torto, por estar mais próximo da fortaleza. Ele foi
atacado em 14 de dezembro após deixarem o Forte Keulen em 3 grandes botes a
vela que iam rio acima e por terra ate o engenho que já não representava muito
pra economia do Rio Grande, pois estava encravado em terras pouco férteis, já
estava quase desativado de “fogo morto”. Quando lá chegara tinha ajuda dos
índios tapuias da tribo dos Janduís, que estes mataram o dono do engenho que
era Francisco Rodrigues Coelho, sua mulher e seus 6 filhos. E outras 60 pessoas
importantes da Capitânia que ali estavam na esperança de reforços vindos da
Paraíba e de Pernambuco. E foi atacado pela segunda vez em 08 de março de 1634.
Esse foi o primeiro grande massacre ocasionado pelos flamengos (holandeses) em
solo potiguar. Data, porém, a ausência de motivação religiosa, esta chacina não
apresenta as características de um verdadeiro martírio de fé.
Mas a principal preocupação dos
invasores só se realizou em 1634 na conquista do Fortim da Barra do Rio Cunhaú,
mas sua guarnição de sobreaviso reagiu eficazmente desse assalto que ocorreu no
começo de abril, tendo os holandeses degolados alguns moradores. Mas
informado o comandante do fortim o capitão Álvaro Fragoso de Albuquerque,
dirigiu-se ao local, mas o inimigo não esperou o ajuste de contas [...].
Na segunda vez saíram do Forte Keulen,
o conselheiro Stachouwer, rico homem de negócios, comandante das forças do mar
e o Coronel Cristóforos Arciszewshi, militar brilhantíssimo por terra com 228 soldados
e 50 índios. O conselheiro Stachouwer que vinha por mar não chegou ao Fortim
que protegia o Engenho Cunhaú que era a fonte de alimentos, sobretudo de carne
bovina aos moradores de Pernambuco, do que por sua produção açucareira e também
os interessava a exploração de metais preciosos. O fortim foi assediado durante
a madrugada de 21 para 22 de outubro, mais a ladrido da cachorrada advertiu:
“Dentro do forte asseverou Southey: os cães fizeram seu dever” [...]. Houve
crueldades inomináveis, “levando tudo a ferro e fogo” os despojos, que devem
ter sido poucos foram transportados para um barco que, entretanto foi a pique
para sair da barra.
Quando saiu da Barra, para tomar o rumo
do mar, um dos seus barco naufragou e o comandante desse navio teria sido cruel
na tomada do Fortim, sendo responsável pela degola de muitos inocentes. Ele, no
desespero de perder tudo quanto tinha saqueado, resolveu juntar os objetos de
maior valor e se jogar ao mar, ao nadar para a praia, foi ficando cada vez mais
fraco e os objetos caiam de suas mãos, um a um. O último lhe caiu da mão a
poucos metros da areia, e pouco depois seu corpo foi jogado para fora da água.
Vivendo como um zumbi, estaria condenado a não entrar na água até devolver o
que roubou. Depois disto poderia voltar ao seu navio e descansar em paz.
Desde então ele oferece o tesouro para
se redimir dos pecados. Porém sua oferta só pode ser feita a mulheres, pois os
homens não o vê, nem o escuta. Ao abordar as mulheres, ele mostra seu tesouro e
pede que elas façam segredo do caso por três dias. As moças descuidadas sempre
deixam escapar o que viram e o holandês sendo assim continua a sua penúria. Nas
noites de céu limpo e água clara, uma trilha de objetos brilhantes é vista na
“boca da barra”. É “o tesouro do holandês” ou “a corrente de ouro do pontal”
que o mar guarda e o holandês vigia sempre imóvel e de pé com os olhos fixos na
água.
Por sua posição estratégica a meio
caminho da Paraíba o Cunhaú só foi conquistado em 1634, após 11 meses da
captura da cidade de Natal. O qual pertencia tanto a Antônio como a
Mathias Maranhão, mas somente Antônio se encontrava no engenho que em seguida
fugiu pra Portugal e sua propriedade foi confiscado e vendido ao sargento-mor
Jores Garstmam e ao seu conselheiro político Balthasar Wintegs por 60.000
florins em 05 de junho de 1637. Posteriormente foi vendido aos flamengos
holandeses [1] Willem
Beck e Hugo Graswinckel, mas em agosto de 1642, Matias Bequel, Coronel da
burguesia do Recife, comprou a parte de Hugo Graswinckel, mas quando ocorreu o
martírio o engenho pertencia novamente a um português, conhecido por Gonçalo de
Oliveira que adquirira por suas ligações de amizades com os holandeses.
Em 15 de junho de 1637 o engenho
possuía uma área de aproximadamente de 500 braças quadradas na várzea do Cunhaú
e mais duas léguas em Canguaretama, 30 escravos e 20 juntas de boi.
No poder os holandeses garantiram o
comercio pacifico aos moradores, mas sobre o acordo de que o transporte seria
somente feito pelos seus navios e os que não aceitassem seriam expulsos e seus
bens confiscados. A expulsão deles da Capitania ocorreu em 26 de janeiro de
1654, após a assinatura do termo de rendição de Campina do Taborda, sendo então
entregue aos portugueses todas as fortalezas do nordeste brasileiro, após vinte
e um ano, um mês e quatorze dias de controle holandês. Contudo querendo um
título de compensação pela perda do nordeste os holandeses atravessaram duas
vezes suas armadas no rio Tejo, e conseguiram assim a assinatura do Tratado de
Haia, que garantia a eles a posse de Ceilão e as Ilhas Molucas e ainda mais uma
indenização de 4 milhões de cruzados ou 64 toneladas de ouros. Levando 15 anos,
ou seja, somente em 1669 para os portugueses aceitassem esse acordo, sobre
constantes ameaças de ataques. Tendo esse acordo a desistência oficial dos
holandeses do nordeste brasileiro, restituição das armas e fortalecimento
do comercio. Levando os portugueses a pagar 250 mil cruzados anuais, por quatro
anos com ameaças de calotes, tendo o Brasil contribuindo com quase tudo.
Os conflitos religiosos dos cristãos
europeus foram transplantados para os territórios americanos conquistados. Os
holandeses adotaram o Calvinismo, uma doutrina protestante pregada por João
Calvino, e reivindicavam os territórios explorados pelos espanhóis, seus
inimigos naquela época. Nesse mesmo período, o reino de Portugal estava sendo
governado pelo monarca espanhol, devido à morte do rei Dom Sebastião, que não
deixou herdeiro direto ao trono. Por causa do laço de parentesco com a realeza
portuguesa, Felipe, rei da Espanha conquistou Portugal e se proclamou soberano
das duas coroas. As relações da Holanda com os portugueses eram bastante
pacíficas, mas diante do domínio espanhol, estava aberta a possibilidade de
invasão da colônia mais rica da América.
Numa capitania isolada, poucos
holandeses se arriscavam a morar. Os conquistadores que ingressaram na vida
rural sem conhecimento especializado da lavoura e do fabrico do açúcar logo
devolveram a terra para os portugueses. Por esse motivo, em 1645, o Cunhaú era
administrado por Gonçalo de Oliveira, um português.
Na época de 1645 os flamengos e
ibéricos [2] castigaram
o engenho pelas rivalidades políticas, econômicas e religiosas deles o que
ocasionou os Mártires de Cunhaú, engenho Santiago Maior, Casa forte de João
Navarro, e Uruaçu. Passadas as turbulências que caracterizou o início da
ocupação, a vida do Engenho Cunhaú parecia ter voltado à normalidade. Ao redor
da capela, da casa grande e do engenho, viviam pacatamente 70 colonos com suas
famílias. Inteiramente dedicados aos seus trabalhos na lavoura e na moagem da
cana. Nada indicava qualquer alteração neste ritmo. Novas tempestades, porém,
já davam sinais no horizonte. Em 1645, abastecia a capitânia de Pernambuco, com
carne, farinha, e milho. Mas, bastou, porém a presença de Jacob Rabe um alemão
do condado de Wander, chegado ao Nordeste no dia 23 de janeiro de 1637 junto
com Mauricio de Nassau, Rabe era casado com uma índia chamada Domingas, para
que o clima se tornasse tenso, pois era um personagem por demais conhecidos aos
moradores do Cunhaú. Frequente eram suas incursões por aquelas paragens, sempre
acompanhado de seus amigos e liberando os ferozes tapuias, semeando por toda
parte ódio e destruição.
No dia 15 de julho, chegou ao engenho e
só sua simples presença e dos soldados bem armados davam a impressão que uma
guerra havia começado. Nativos de grupos diferentes formavam um pelotão único
que era liderado momentaneamente por Jerereca. Ao fazer contato com a
população, pediu calma e pregou a paz. Pois estamos procurando por indígenas
fugitivos infiltrados na capitania. Por isso, todos devem comparecer à reunião
marcada para amanhã. Tenho algumas determinações que serão transmitidas a vocês
e mandou, ainda, dois soldados descuidados fixarem um documento na porta da
igreja e dizia trazer instruções de seus superiores, uma mensagem do Supremo
Conselho Holandês, do Recife aos moradores de Cunhaú.
Na manhã seguinte, domingo dia 16 de
julho de 1645, o padre André de Soveral, foi o primeiro a chegar e tocar as
badaladas para a missa de Nossa Senhora do Carmo, pois Jacob Rabe demorou a
chegar e a missa foi iniciada dentro de uma expectativa enorme. A presença do
padre encorajou o povoado a comparecer. Chovia muito, por isso nem todo mundo
apareceu, em sua maioria homens adultos, algumas mulheres, com crianças, pois
os caminhos encharcados dificultavam e os que chegavam limpavam os pés e
entravam se benzendo, nem um trazia arma. Receosos, muitos deles esperavam na
casa grande. Um sinistro silêncio antecedia o ataque. A missa foi iniciada bem,
mas quando o padre levantou a hóstia e o cálice, profetizado:
–– Credo in unum Deum, Patrem omnipoténtem,
factórem caeli et terrae, visibílium óminum et invisíbilium. Et in num Dóminum Iesum
Christum Filium Dei unigénitum. EtexPatre natum ante ómnia saécula... .
A missa continuou até o instante maior
em que o padre elevou em suas mãos a hóstia e o cálice em preparação à ceia da
comunhão erguendo o Corpo do Senhor, para a adoração dos presentes,
–– Misterium fidei.
Quando chegou Jacob Rabe, ele
parecia muito nervoso e irritado, porque a intenção dele não era conversar com
ninguém, estava ali para saquear o engenho e amedrontar os católicos que se
uniam. Por acaso não sabem que esse tipo celebração é proibido? O que querem? Teremos
que aceitar isso e vê-los crescer? Morte a todos eles!
Os fiéis aflitos se afastaram quando o
primeiro indígena avançou contra o altar e ameaçou o padre com gritos e gestos.
Mostrando a cruz e falando na língua dos nativos, o padre André de Soveral
advertiu vigorosamente:
–– Aquele que tocar em mim ou
nas imagens do altar terá os braços e as pernas paralisados!
Jerereca hesitou diante da cruz; baixou
a arma e recuou lentamente, mesmo sob as ordens de Jacob Rabe:
––Mate o padre!
O padre André de Soveral, de 73 anos de
idade, então cheio de coragem, dirigiu a palavra a Jacob Rabe:
–– Por que não fazes tu mesmo,
calvinista infiel, por acaso tens medo do castigo de Deus?
Jacob Rabe não deu ouvido e ordenou:
–– Matem todos. Não quero
nenhum vivo!
Excitado, Jerereca mostrou seus dotes
guerreiros e saltou arredio sobre o velho padre, desferindo os golpes mortais.
André de Soveral ainda tentou se erguer apoiando-se pelas paredes sua sofrível
tentativa deixou as marcas indeléveis de sua mão ensanguentada, que há séculos
estão impregnadas nas paredes do templo e depois de morto, feito em pedaços.
Após o massacre, as casas foram invadidas e saqueadas, ocorreram ataques com
punhaladas, flechadas, tacapes, bordoadas e facões, morrendo a maioria. Na casa
grande poucos se salvaram, alguns escaparam pelo telhado a caminho de matas
desconhecidas. As crianças que escaparam foram levadas pelos indígenas, que
despedaçaram os corpos. Sobre o corpo de Domingos Carvalho dividiram moedas de
ouro entre si.
Dos 69 que restavam apenas Gonçalo de
Oliveira foi poupado, pois administrava o engenho. A notícia se espalhou,
provocando revolta. Iniciando, pouco depois, a fase das represálias. Depois
desse massacre, nunca mais os holandeses tiveram paz em Cunhaú. Sucessivos atos
de vingança foram realizados àquele engenho pelos portugueses.
Poucos tempo depois do acontecido em
Cunhaú, o índio Jerereca caiu misteriosamente doente e não levantou mais. Não
tinha mais forças nas pernas para caminhar e para se alimentar era preciso que
alguém levasse a comida à sua boca, pois suas mãos não conseguia mais segurar o
alimento. Na cabeça de todos ainda estava à ameaça do padre André de Soveral.
No dia 25 de julho, o governo holandês
no Recife soube do terrível acontecimento e tentou contornar a situação.
Percebendo os exageros de Jacob Rabe, enviaram o capitão Willem Lamberts com 20
fuzileiros para se encontrar com o pastor Jodocus a Stetten. Ao transpor o rio
Guaju, Lamberts rumou pelo tabuleiro em direção à aldeia do Pirary, onde se
encontrou com o pastor e lhe passou ordens para levar Jacob Rabe para Recife, o
pastor ficou muito satisfeito, pois queria pacificar logo a região e voltar ao
seu promissor trabalho de minerador da Mina de ferro do Cunhaú.
Com os 50 homens que acompanhavam o
pastor faria uma tropa para controlar os ânimos no Rio Grande. Em seu caminho,
o capitão se deparou diversas vezes com nuvens de urubus que sujavam o
horizonte. Era o triste sinal da guerra. A imensa mata parecia se jogar sobre
os soldados. Não havia flores nem frutos e o verde enjoava os olhos. Antes de
chegar a Cunhaú, a tropa encontrou Gonçalo de Oliveira. O pastor Stetten
se juntou ao pequeno grupo de Gonçalo de Oliveira e tomou o caminho de
engenho, onde encontrou o povoado desocupado e um forte odor de carne
apodrecida.
Jacob Rabe acreditava controlar a
capitania e não se intimidou quando viu a tropa chegando. Se posicionando ao
lado da capela, guardou uma distância segura das armas de fogo e pediu
satisfação aos gritos:
–– O que faz aqui, pastor?
O ouro que encontrou foi pouco?
Por que não procura mais?
–– Um crime grave ocorreu nessa
capitania: vários colonos foram assassinados. Sabe que não pode agir assim,
Rabe. A Companhia quer que se apure o fato...
–– Colonos que conspiravam contra nós,
o feiticeiro de Jandui me avisou. Ele não erra.
–– Não importa quem você matou. Terá
que ser julgado por isso. Ninguém tem o direito de tirar a vida de outros. A
capitania precisa de mais gente trabalhando.
A guerra é de vital importância, eu
sei; foi por ela tomamos esse território. Entretanto, é preciso manejá-la bem.
–– Não vim aqui para discutir política.
As ordens da Companhia são claras: deverá me acompanhar até Recife. Dispense
seus índios e entregue as armas de seus soldados.
–– Por que não tentar pegá-las?
O batalhão trocou alguns tiros com os
soldados de Rabe, mas preferiu recuar. Esse incidente causou uma reviravolta
geral. Gonçalo de Oliveira, que mantinha boas relações com os holandeses,
diante da ineficiência da justiça holandesa, passou a juntar gente e armas para
atacar os antigos aliados nas semanas seguintes. A chama da vingança estava
acesa mais uma vez. A paz na capitania tinha definitivamente acabado.
Observados pela tropa holandesa,
comandada por Willem Lamberts e o pastor Jodocus a Stetten, os duzentos
indígenas do povo de Janduí, saídos do Rio Grande, invadiram de surpresa o
engenho Angico Torto, em terras do Pilar, propriedade do Padre Antônio
Pereira de Albuquerque Melo e completaram uma monstruosa carnificina a
oitenta colonos que ouviam a missa.
Naquela manhã de domingo mataram os
padres, homens, crianças e todos que encontraram para saquear suas casas. Só a filha
do senhor de engenho foi poupada, pois sua beleza causou profunda admiração nos
indígenas. A guerra estava instalada, não havia retrocesso. O sentimento de
vingança aparecia em cada olhar, corroia os corações. O medo e a morte
controlam os homens e os faziam lutar com mais crueldade.
Com isso tudo os colonos refugiarem na
casa do francês João Lastal Navarro, que ficava perto da praia de tabatinga.
Navarro era um sesmeiro francês casado com Luzia da Mota. Sua filha Beatriz Lostal
se casou com Jores Garstman, militar holandês de prestígio. Em suas terras
ergueu uma casa forte que logo se transformou em um pequeno arraial
fortificado, abrigando as famílias da insegurança na capitania, inclusive com
seus escravos. Por ser o sogro de um holandês importante, Navarro transmitia
confiança e atraia os colonos. A concentração alertou o conselho político
holandês que já estava com problemas com a “Insurreição Pernambucana”.
A ordem era abafar qualquer rebelião.
Convocado Jacob Rabe, voltou ao Rio Grande nos últimos dias de agosto. Durante
todo o mês havia se ocupado na sua viagem ao Recife. Refugiados alegavam medo
aos índios hostis e também sabiam causa do massacre do Cunhaú, consequentemente
já sabiam quais eram as intenções de Jacob Rabe. Sem armas e dispersos ficariam
vulneráveis demais. Assim, aceitaram se defender a se entregar a uma execução
planejada. No mês de setembro depois de tentar várias aproximações Jacob Rabe
ordenou o ataque sua tropa de 160 holandeses e 300 tarairiu, depois de muita
luta a casa foi invadida e incendiada. Os 16 colonos presentes foram
assassinados e Lastal, foi levado preso para a fortaleza. Onde se
encontrou com outro prisioneiro português, Antônio Vilela Cid,
acusado de cumplicidade na morte de um holandês no Ceará e de fazer parte de
uma conspiração que visava à expulsão dos holandeses.
E em outubro do ano de 1645 o capitão
português José Barbosa Pinto queimou o engenho matando muitos holandeses como
se fossem formigas. Em 1647, por ocasião da safra, Antônio Dias Cardoso, a
frente das tropas pernambucanas, incendiou a propriedade, evitando o início da
produção de açúcar pelo engenho, causando enorme prejuízo aos holandeses e
danos de grande proporção à propriedade. Outro que abalou o engenho foi Felipe
Camarão, que fez correr os batavos e colonos ali residentes.
Contudo ainda mesmo suspeitando
conivência das autoridades flamengas nesses ataques, alguns moradores
influentes do Rio Grande, entre os quais o vigário Pa. Ambrósio Francisco
Ferro, Antônio Vilela, o Moço, Francisco de Bastos, Diogo Pereira e José do
Porto, não tiveram nenhuma alternativa senão recorrer ao comandante da
Fortaleza.
Foram recebidos como hóspedes, não
sabendo estes que a hospitalidade terminaria em tragédia. A ameaça pairava,
porém, sobre todos os outros moradores, em número bem maior. O Forte não
comportava tanta gente. Seria necessário que os moradores assumissem a sua
defesa por conta própria.
Assim pensando, resolveram providenciar
a construção de uma fortificação rude, na pequena cidade de Potengi, a 25
quilômetros da Fortaleza. O local ficou conhecido como a “cerca de
Potengi”.
Essa seria a etapa seguinte da fatídica
viagem de Jacob Rabe, onde os 70 moradores estavam refugiados na
cerca de pau-a-pique. Acreditava ele tratar-se de uma tarefa fácil, pois os
moradores não tinham como resistir por longo tempo e logo se entregariam. Eles,
porém, resistiram heroicamente com as poucas armas à sua disposição: 17 armas
de fogo, algumas espingardas, dardos, mosquetes, espadas, zagunchos e paus
tostados. Foi quando o irritado Rabe mandou vir do Forte Keulen o reforço de
duas peças de artilharia. Não havia mais como resistir; os bravos moradores se
renderam e fizeram um acordo e entregaram cinco de seus lideres. Estevão
Machado de Miranda, Vinte de Souza Pereira, Francisco Mendes Pereira, João de
Silveira e Simão Correia.
Entregaram também uma filha de Estevão
Machado de Miranda e as armas foram entregues. E em troca, se lhes davam
garantias de vida e passaportes em nome do príncipe de Orange. Os moradores,
porém, não acreditavam nessas promessas: resignados, aguardavam a sorte,
entregues nas mãos de Deus. Com a rendição da cerca e o envio dos prisioneiros
à Fortaleza. Os moradores do Forte eram 12 sendo eles 5 hóspedes, 5 reféns e 2
prisioneiros, e o restante dos moradores na cerca, sob custódia.
Teria chegado no dia 2 de
outubro, as ordens do Alto e Secreto Conselho do Recife para executar os
rebeldes, com a visita do Conselheiro Adriaen van Bullestrate, um dos três que
dirigiam os destinos do Brasil Holandês. Os holandeses planejaram logo a
eliminação do primeiro grupo, certamente por se tratar de pessoas de influência
e de prestígio na cidade: o vigário, um escabino e um rico proprietário.
O fato serviria de exemplo para os
outros moradores. Esses portugueses foram embarcados em batéis e levados “rio
acima” para o porto de Uruaçu, lugar escolhido para a execução. Segundo as
tradições locais, o lugar do martírio, conhecido hoje como porto do Flamengo,
fica às margens do Jundiaí, vizinho à gamboa do Catolé. Os índios já tinham
sido avisados e lá estava o chefe potiguar Antônio Paraopaba com os
seus comandados. Este chefe indígena, educado na Holanda e, mais tarde,
constituído pelos holandeses regedor dos índios da capitania do Rio Grande,
tinha-se convertido à religião reformada e era um seu fanático defensor.
Numa atitude ameaçadora e arrogante,
Paraopaba escaramuçando num cavalo, estava à frente de um pelotão de mais de
duzentos índios, bem armados. Logo que desceram dos batéis, os flamengos
ordenaram aos doze moradores vindos da Fortaleza que se despissem e se
ajoelhassem. A um sinal dado por eles, os índios, que estavam emboscados,
saíram dos matos e cercaram os indefesos colonos. Teve início, então,
a terrível carnificina.
Enquanto o Pa. Ambrósio Francisco
Ferro era feito em pedaços ainda vivo e outras tais anatomias, sendo um
sacerdote tão honrado e virtuoso da religião católica romana. Estevão
Machado de Miranda foi executado diante de uma filha de sete anos que
suplicava, abraçada ao pai com grandes lamentações, implorando que a vida de
seu genitor poupada. Depois do pai morto, cobriu-lhe o rosto com a saia,
chorando e pedindo aos algozes que também a matassem. Duas filhas de Estevão
Machado foram mortas junto com o pai. A uma terceira “que era uma galharda
donzela” venderam-na aos índios por um cão de caça. Uma filha de Antônio
Vilela, o Moço, ainda criança pequena, teve morte desapiedada, dando-lhe
com a cabeça em um pau, os fizeram em dois pedaços.
Uma filha de Francisco Dias, o
Moço, foi morta e aberta em duas partes com uma alfanje. Manuel Rodrigues Moura
depois de ser morto, cotaram-lhe as mãos e os pés; e sua mulher conseguiu
sobreviver ainda três dias e acabou dando alma ao Criador. Os
próprios índios, lamentando executar oito jovens tão cheios de vida, mostraram
sentimentos de compaixão e intercederam por eles junto aos holandeses. Contudo
João Martins respondeu com alegre rosto: “Não me desamparei de Deus
desta maneira, e irei sempre contra o tirano, e não contra minha Fé, Pátria e
Rei. E suplico que me mate logo porque estou invejando as mortes de meus
companheiros, pois desejo a glória que eles receberam, e se não quisessem me
matar, vou lós persuadiria a que o fizessem". Tais palavras
provocaram ainda mais a ira dos fanáticos que lhe fizeram em pedaços
partes do corpo.
Mateus ou Matias Moreira tem na sua
morte o mais expressivo testemunho de fé na Eucaristia, confessada na hora do
martírio. Os algozes arrancaram-lhe o coração pelas costas, e ele morreu
exclamando: “Louvado seja o Santíssimo Sacramento”.
Fonte: arquivos pessoais
[1] Oriundos da parte sul do reinado
borgonhês, Países Baixos.
[2] Naturais da Península
Ibérica de Portugal e Espanha
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