Seja por sempre e em todas partes conhecido, adorado, bendito, amado, servido e glorificado o diviníssimo Coração de Jesus e o Imaculado Coração de Maria.

Nota do blog Salve Regina: “Nós aderimos de todo o coração e com toda a nossa alma à Roma católica, guardiã da fé católica e das tradições necessárias para a manutenção dessa fé, à Roma eterna, mestra de sabedoria e de verdade. Pelo contrário, negamo-nos e sempre nos temos negado a seguir a Roma de tendência neomodernista e neoprotestante que se manifestou claramente no Concílio Vaticano II, e depois do Concílio em todas as reformas que dele surgiram.” Mons. Marcel Lefebvre

Pax Domini sit semper tecum

Item 4º do Juramento Anti-modernista São PIO X: "Eu sinceramente mantenho que a Doutrina da Fé nos foi trazida desde os Apóstolos pelos Padres ortodoxos com exatamente o mesmo significado e sempre com o mesmo propósito. Assim sendo, eu rejeito inteiramente a falsa representação herética de que os dogmas evoluem e se modificam de um significado para outro diferente do que a Igreja antes manteve. Condeno também todo erro segundo o qual, no lugar do divino Depósito que foi confiado à esposa de Cristo para que ela o guardasse, há apenas uma invenção filosófica ou produto de consciência humana que foi gradualmente desenvolvida pelo esforço humano e continuará a se desenvolver indefinidamente" - JURAMENTO ANTI-MODERNISTA

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Eu conservo a MISSA TRADICIONAL, aquela que foi codificada, não fabricada, por São Pio V no século XVI, conforme um costume multissecular. Eu recuso, portanto, o ORDO MISSAE de Paulo VI”. - Declaração do Pe. Camel.

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Ao negar a celebração da Missa Tradicional ou ao obstruir e a discriminar, comportam-se como um administrador infiel e caprichoso que, contrariamente às instruções do pai da casa - tem a despensa trancada ou como uma madrasta má que dá às crianças uma dose deficiente. É possível que esses clérigos tenham medo do grande poder da verdade que irradia da celebração da Missa Tradicional. Pode comparar-se a Missa Tradicional a um leão: soltem-no e ele defender-se-á sozinho”. - D. Athanasius Schneider

"Os inimigos declarados de Deus e da Igreja devem ser difamados tanto quanto se possa (desde que não se falte à verdade), sendo obra de caridade gritar: Eis o lobo!, quando está entre o rebanho, ou em qualquer lugar onde seja encontrado".- São Francisco de Sales

“E eu lhes digo que o protestantismo não é cristianismo puro, nem cristianismo de espécie alguma; é pseudocristianismo, um cristianismo falso. Nem sequer tem os protestantes direito de se chamarem cristãos”. - Padre Amando Adriano Lochu

"MALDITOS os cristãos que suportam sem indignação que seu adorável SALVADOR seja posto lado a lado com Buda e Maomé em não sei que panteão de falsos deuses". - Padre Emmanuel

“O conteúdo das publicações são de inteira responsabilidade de seus autores indicados nas matérias ou nas citações das referidas fontes de origem, não significando, pelos administradores do blog, a inteira adesão das ideias expressas.”

27/12/2017

Introdução ao Evangelho de S. João

“Muitas outras coisas porém há ainda, que fez Jesus: As quais se se escrevessem uma por uma, creio que nem no mundo todo poderiam caber os livros, que delas se houvessem de escrever.”

Autor ­– A tradição é unânime em atribuir o quarto Evangelho a S. João. Todos os Padres que falam deste Evangelho proclamam seu autor o apóstolo S. João, o discípulo a quem Jesus amava; apenas a seita dos Aloges, que negava a Divindade do Verbo, discordou desta opinião geral. Análogas razões têm compelido a moderna incredulidade a duvidar da autenticidade deste importante documento Apostólico. João era filho de Zebedeu, que exercia a profissão de pescador no lago Genesaré na Galileia, e residia, segundo as melhores probabilidades, em Betsaida. Sua mãe Salomé fazia parte das piedosas mulheres galileias que seguiam Jesus (Mc 15, 40) e que o acompanhavam nas suas viagens a Jerusalém. João e seu irmão Tiago, cognominado Maior, juntos com Simão e André (Lc 5, 7-10; Jo 21, 2) ajudavam seu pai no exercício da sua profissão. Quando S. João Batista iniciava sua pregação na Peréia, o evangelista alistou-se entre seus discípulos e ficou com ele até ao dia em que o Batista lhes ensinou que Jesus era o Filho de Deus, o Cordeiro Redentor do Mundo. João e André, confiados na palavra do mestre, foram com Pedro e Filipe e Natanael procurar Jesus, sendo os primeiros que ao Divino Mestre se juntaram (Jo 1, 35).
Um ano mais tarde Jesus escolhe os doze Apóstolos e a lista insere S. João ao lado de Pedro (At 1, 13). S. João ocupou desde o princípio um lugar proeminente no Colégio Apostólico. Ele, Tiago e Simão formavam por assim dizer a companhia dileta do salvador. Jesus Cristo mudou o nome a Simão chamando-lhe Pedro, e a João e Tiago Boanerges, que quer dizer filho de trovão (Mc 3 ,17). S. João era o discípulo amado, que mereceu acompanhar o Mestre até ao suplicio da Cruz, recebendo ali o legado que Jesus Cristo deixou à humanidade, por ele representada no Calvário, a Sua própria mãe, - Maria, - quando lhe dirigiu aquelas palavras: Ecce mater tua, que a grei cristã ainda agora escuta reverente.
Depois da descida do Espírito Santo, ele é o primeiro com S. Pedro a meter ombros à empresa de salvar o mundo, fundando a Igreja de Jerusalém. Prega com o Príncipe dos Apóstolos, partilha das suas alegrias e participa das suas angústias. Partem ambos para Samaria (At 8, 14) exercendo o seu ministério junto dos neoconversos.
A primitiva Igreja hierosolimitana considerava-o como uma das colunas cobre as quais se erguia a casa de Deus.
Não sabemos ao certo quanto tempo durou o seu apostoladona Palestina; Barônio, Anais ecl. 48, seguindo Nicéforo, crê que chegou ao ano 48, época da morte da SS. Virgem; porém é certo que no ano 50 ainda estava em Jerusalém, pois o encontrou S. Pedro (Gal. 2, 9). Está porém bem averiguado que mais tarde partiu para Éfeso, onde continuou os seus trabalhos apostólicos, e onde esteve até ao fim do primeiro século. Do Oriente veio para Roma, quando S. Pedro e S. Paulo tinham acabado der sofrer o martírio.
Reservou o Céu para o discípulo dileto a mesma coroa. Perseguido, preso, foi lançado numa caldeira de azeite fervendo, porém Deus destinava-o para outros trabalhos. Escapada morte iminente, e é recolhido na ilha de Patmos, onde escreve o Apocalipse 14 igitur anno secundam post Neronem persecutionem movente Domitiano, in Patmos insulam relegatus scripsit Apocalypsim, S. Jeronymo, de Virgille fundado numa passagem de S. Irineu. Segundo S. Epifânio ali morreu com 94 anos.
Caráter do Evangelho de S. João – Este quarto Evangelho é inteiramente diferente dos três primeiros. É uma obrar à parte, escrita com intuitos diversos daqueles que tiveram os outros Evangelistas, tem um caráter acentuadamente polêmico, ao qual tudo está subordinado na escolha dos fatos da vida de Jesus, cuidadosamente referidos pelo autor. Certamente, porque isso ressalta da leitura do seu Evangelho, S. João quis estabelecer a divindade de Jesus, combatendo as seitas nascentes e os adversários que negavam este dogma capital, suprindo também uma lacuna dos Evangelhos sinópticos, que omitem quase completamente os fatos relativos aos dois primeiros anos da vida pública de Jesus, o que S. João narra desenvolvidamente, mas narra-os com a mesma e constante preocupação, de fazer crer em Jesus Cristo como filho de Deus, para que os homens acreditassem na sua natureza Divina, na sua Onipotência, na sua caridade e na sua ressurreição.
No prólogo, tão breve como sublime, o Evangelista diz desde logo que o Verbo existia desde toda a Eternidade, que é a luz e a vida por essência, conhecimento e atividade infinitos, tornado pela Encarnação princípio de fé e origem da vida sobrenatural das almas. É a grande verdade que o Evangelista estabelece, e cuja prova vai fazendo em todos os capítulos subsequentes. Fonte da vida em Caná, no poço de Jacó, na multiplicação dos pães, na cura dos enfermos, na ressurreição dos mortos. Ressurrectio et vita, ressurreição e vida. Luz verdadeira curando o cego de nascimento, mas sobretudo luz nos seus ensinos, nas suas revelações, na exposição da doutrina em seu Pai celestial. E com este norte todos os fatos que S. João relata tem por fim conduzir a um discurso onde simboliza a mesma ideia – Jesus Cristo Deus – combatendo o gnosticismo, os corintianos, docetas, etc.
Data e lugar da composição do Evangelho de S. João – Segundo os melhores e mais abalizados autores foi composto depois do Martírio de S. Pedro e S. Paulo, isto é depois do ano 67. Jo 21, 19. De fato a maneira como S. João fala de Jerusalém e os seus arredores, faz supor que a cidade santa já não existia, contudo também não passa muito do ano 70, pois que viviam ainda muitos dos discípulos e entre eles S. André.
As palavras Verbo, vida, luz, trevas não familiares aos gnósticos, mostram que ele escrevia quando eram conhecidos os erros do gnosticismo, que ele se propunha refutar, o que comprova datar dos fins do primeiro século.
Quanto ao lugar, os autores, com S. Irineu, indicam a cidade de Éfeso, embora alguns outros opinem por Patmos.
Este Evangelho, destinado à Igreja Universal, foi dirigido duma maneira especial às Igrejas da Ásia menor e à sua metrópole, Éfeso, onde S. João tinha trabalhado, e cujas necessidades o determinaram a escrever.
Plano deste Evangelho – O Evangelista, supondo nos leitores uma noção geral do Evangelho, dirige a sua obra para a demonstração da verdade que se propunha defender.
Como já dissemos, começa por estabelecer a Divindade e Eternidade do Verbo, as suas relações com a humanidade, depois a exposição histórica de fatos e discursos que confirma a s premissas expostas.
Esta narração começa (1, 15) pelo testemunho que S. João Batista dá da divindade de Jesus. Os discípulos seguem o Salvador que abandona com eles a Peréia, sai para a Galiléia, onde realiza o milagre de Caná. A seguir, a primeira festa da Páscoa e novos milagres de Jesus, narra a conversação do mestre com Nicodemos e assenta que a missão do Filho de Deus é salvar o mundo pela fé, 3, 1-21. Contra os batismos de S. João, o acolhimento que Jesus teve na Judéia, e na volta para a Galiléia, passando pela Samaria; o encontro de Jesus com a Samaritana, perto de Siquém, e a cura milagrosa do filho do Centurião, em Cafarnaum.
Vai Jesus a Jerusalém pela festa dos Purim, cura um doente no sábado, mostra Jesus apresentando-se como Filho de Deus, essencialmente igual ao Pai, confirmando com textos da Escritura.
Passa a descrever os sucessos da segunda Páscoa, o milagre da multiplicação dos pães e dos peixes, a promessa da Eucaristia, a festa dos Tabernáculos, com a entrada Triunfal de Jesus; a passagem da mulher adúltera, a cura do cego de nascimento, as diversas fases por que passa a opinião pública a respeito de Jesus, que abertamente se declarou de nome Filho de Deus; a viagem a Betânia, a ressurreição de Lázaro, o recolhimento na montanha, e a volta de Jerusalém, no meio das mais estrepitosas aclamações. E por este fato termina S. João a história da vida ativa e pública de Jesus (12).
Descreve depois a ceia, a traição de Judas, a despedida de Jesus Cristo, a promessa da descida do Espírito Santo, e de se encontrarem juntos depois duma corta separação, e a oração que Jesus dizia a seu Eterno Pai, cc. 13 e 14.
Lê-se imediatamente a história da Paixão desde o horto das Oliveiras ao Calvário e a história da ressurreição, que apresenta circunstâncias que se não leem nos Evangelhos sinópticos.
Autenticidade – Argumentos extrínsecos:
1º Testemunhas formais da antiguidade – Nenhum destes testemunhos sobrepuja o de S. Irineu bispo de Lião, nascido e educado na Ásia, onde foi discípulo de S. Policarpo, que foi discípulo de S. João. Eis o que nos diz este ilustre doutor: “Em seguida também João, discípulo do Senhor, sobre cujo peito repousou, publicou um Evangelho, enquanto residia em Éfeso na Ásia (Haer., 31 1)”. Estas palavras são tão claras, a informação é completa, o testemunho é duma competência e duma autoridade tão grande, que, ainda que não possuíssemos outro, devíamos ter por indubitável a autenticidade do Evangelho de S. João. Porém não ficamos reduzidos a este só testemunho; o Ocidente e o Oriente unem-se para o corroborar. A Igreja de Roma dá-nos a conhecer o seu pensar no fragmento de Muratori, onde se leem estas palavras: “O autor do quarto Evangelho é João, um dos discípulos. Como os seus condiscípulos e os bispos o exortassem (a escrever), ele disse-lhes: Jejuai comigo durante três dias a partir de hoje e nos comunicaremos mutuamente o que tiver sido revelado a cada um.
Na mesma noite foi revelado a André que João devia escrever tudo em seu próprio nome, e mandar a todos os outros que revissem o seu trabalho. Qualquer que seja o valor histórico desta narração, resulta certamente das palavras citadas, que cerca do ano 170, a Igreja romana não tinha a menor dúvida de que o quarto Evangelho foi composto pelo apóstolo S. João. A Igreja africana fala, por seu lado, pela boca de Tertuliano. Este Padre do segundo século, distingue claramente entre os outros evangelistas, dois apóstolos, João e Mateus. Afirma que antes da aparição do evangelho de Marcião, outro evangelho nos dá a conhecer a incredulidade dos irmãos do Senhor, circunstância esta que não é dada senão por S. João. (7, 5).
No Egito ouvimos, pelo mesmo tempo, S. Clemente de Alexandria, que diz “segundo a tradição dos antigos, João, o último evangelista, vendo que nos Evangelhos dos outros se encontrava relatados os fatos respeitantes ao corpo de Cristo, escreveu ele próprio, sob inspiração do Espírito Santo e a pedido dos seus companheiros, um Evangelho espiritual (Ap. Euseb., Hist. Ecl., 6, 14)”. A Síria dá-nos o testemunho de S. Teófilo de Antioquia, que coloca S. João no número dos escritores inspirados e cita palavra por palavra o começo de seu Evangelho. Os testemunhos formais não remontam para além do segundo século: o que não é de admirar, porque S. João escreveu pelo fim do primeiro; mas, em épocas mais afastadas, podemos obter ainda preciosos testemunhos indiretos.
2º Testemunhos indiretos: - Encontramo-los nas antigas versões, a itálica e a siríaca, que contém o quarto Evangelho, segundo João, e nas citações dos Padres.
S. Inácio de Antioquia diz do espírito de Deus “que ele sabe donde vem a para onde vai”; S. João diz o mesmo do Espírito Santo (ad Filad., 7; Jo 3, 8); o autor da carta a Diognetes, escritor do segundo século fala do Verbo nos mesmos termos que S. João no seu prólogo e no diálogo de Jesus com Nicodemos (Ep. Ad Diogn., 7, 10); S. policarpo conhecia certamente o quarto Evangelho, pois que, na sua carta aos Filipenses (7), citou um texto da primeira epístola de S. João (4, 2. 3). Sabe-se que, segundo confessam todos os críticos, esta epístola é do mesmo autor que o quarto Evangelho, e supõe a existência deste. S. Papias serve-se também da primeira epístola de S. João (Ap. Euseb., Hist. Ecl. 3, 39); e por isso conhecia também o quarto Evangelho. S. Justino cita as palavras de Jesus Cristo a Nicodemos para mostrar a necessidade do batismo (Jo 3, 5), e faz uma alusão evidente à objeção que este doutor fez ao Salvador (Trif., 105); refere-se exatamente como S. João e de modo diferente dos Setenta, a profecia de Zacarias: e eles porão os olhos naquele que feriram. (Apc. 1, 52). Taciano começa o sua Diatessaron pelo prólogo de S. João. Apolinaro, bispo de Hierápolis, não pode saber senão pelo quarto evangelista que Jesus celebrou a Páscoa no dia catorze da lua, que seu lado foi aberto sobre a cruz e que a chaga saiu sangue e água (Fragm. Pat. gr., 5, 1297).
As citações dos antigos gnósticos não são menos evidentes. Basilides diz que ele escreveu nos Evangelhos: Ele era a verdadeira luz que ilumina todo o homem que vem a este mundo (Filosof., 7, 22). Ptolomeu cita, como do apóstolo. (Jo 1, 3 – Ap. Epiph. Sacr. 33). Teódoto cita Jo 18, 11; Pai Santo, santificai-os em meu nome. Heracleão escreveu um comentário sobre o Evangelho de S. João, de que Origenes nos conservou fragmentos.
Conclusão – S. João morreu no fim do primeiro século. Muitos dos seus discípulos viveram sem dúvida ao meio do segundo século. Ora, desde o segundo século, toda a Igreja possuía o quarto Evangelho e atribuía-o sem hesitação nem contestação àquele apóstolo; servia-se dele como duma obra inspirada. Como explicar este fenômeno, se este Evangelho, como pretende o racionalismo, saiu em pleno segundo século, da pena de um falsário? Os nossos adversários não têm sequer tentado esta explicação; pois ela é absolutamente impossível.
Argumentos intrínsecos ­– O autor do quarto Evangelho designa-se a si mesmo, sem todavia indicar o nome. É “o discípulo que Jesus amava”; e este discípulo, segundo a tradição, não é senão S. João. Aliás isto mesmo se colhe do próprio livro. Havia no colégio dos doze apóstolos três homens preferidos pelo divino Mestre, que eram Pedro, Tiago e João. Pedro e João aparecem, no Evangelhos sinópticos, frequentemente associados um ao outro, em diversos passos da vida de Jesus. O autor do quarto Evangelho nomeia quase todos os apóstolos menos importantes: Pedro desempenha, nas suas narrações, um papel notável, e mais do que uma vez lá aparece associado ao discípulo querido de Jesus; mas em nenhum momento parte se encontram designados por seus nomes, Tiago e João, seu irmão.
Uma vez se faz menção dos filhos de Zebedeu, na história do aparecimento do Salvador nas margens do lago Tiberíades. O autor fala muitas vezes do Precursor, e em parte nenhuma acrescenta o sobrenome de Batista; chama-lhe João, sem nenhum determinativo: nos Sinópticos só o apóstolo é que é designado por este nome. A anomalia explica-se facilmente, admitindo-se que seja o mesmo João o narrador. Este narrador é, aliás, sem dúvida nenhuma, um judeu da Palestina.
Qualquer outro seria menos conhecedor dos costumes judaicos e das particularidades históricas e geográficas daquele país. Ele fala de Caná na Galiléia, porque sabe que há outra Caná na tribo de Aser; conhece o sítio exato de Cafarnaum; sabe que do outro lado do mar de Tiberíades se elevam montanhas; não ignora que neste lugar o lago é tão estreito, que quem quer lhe pode dar uma volta a pé numa noite, e chegar de manhã a Cafarnaum; descreve minuciosamente a piscina de Betsaida; conhece a fonte de Siloé e avalia exatamente a distância de Jerusalém a Betânia; enumera as grandes festas dos judeus, assinala a época em que elas se celebravam, e faz notar que o oitavo dia da Cenopegia era especialmente solene. Enfim esteve presente à crucificação de Jesus, e viu com seus olhos a água e o sangue, que saíram do seu lado traspassado. Será necessária mais alguma coisa para caracterizar o autor e excluir qualquer outro que não seja o apóstolo S. João?
Objeções dos racionalistas contra a autenticidade do Evangelho de S. João – Pretendem: 1º que o autor do quarto Evangelho não é um judeu; 2º que este Evangelho contém erros de fato que não são de esperar de uma testemunha ocular; 3º que ele está em contradição com os Sinópticos e professa doutrinas religiosas diferentes das destes; 4º que põe na boca de Jesus discursos que Jesus nunca pronunciou; 5º que o dia assinado por ele para a celebração da última páscoa não concorda com a tradição de São João. Examinemos sucessivamente estas dificuldades.
1º O autor do primeiro Evangelho fala sempre dos judeus na terceira pessoa e põe-se em oposição com eles. Portanto, dizem, não é judeu. Esquecem que João escreveu em Éfeso para cristãos saídos da gentilidade, numa época em que os judeus tinham perdido a sua nacionalidade. Além disso, Jesus, falando aos judeus lhes disse: Abraão, vosso pai (Jo, 7, 56), o que não obstava a que ele mesmo fosse da raça de Abraão?
2º Pretendem que o autor tenha enganado, falando duma cidade de Sicar, desconhecida na história de Israel (4, 5); chamando a Caifás sumo-pontífice daquele ano, como se o sumo-pontífice fosse um cargo anual, erro tanto mais grosseiro quanto é certo que Caifás ocupou esta dignidade durante dez anos consecutivos.
Reposta. Em lugar de Betânia, é mister ler provavelmente Betabara. Demais, S. João fala outra parte expressamente de Betânia na Judéia, burgo vizinho de Jerusalém. Sicar era provavelmente uma corrupção de Siquém, cidade principal da Samaria, situada no sopé da montanha sagrada dos samaritanos. São João diz que Caifás era sumo pontífice naquele ano, sem dizer com isso que ele não o foi antes nem depois.
3º Os adversários do Evangelho de S. João taxam de contraditórias, narrações que se completam mutuamente. S. João conhecia os três primeiros Evangelhos e supunha-os conhecidos dos seus leitores. Sabia que os seus predecessores não tinham querido fazer uma biografia completa de Jesus e que, pelo contrário, todos eles tinham escolhido e disposto as suas narrações segundo um plano determinado. Os Sinópticos não tinham narrado mais que uma viagem de Jesus a Jerusalém; João não os contradiz quando faz menção de cinco. Ele pode do mesmo modo contar como Jesus, no princípio da sua vida pública, expulsou os vendilhões do templo, ainda que sabia muito bem que o Mestre tinha praticado um ato semelhante três anos mais tarde, segundo os Sinópticos. Além disso não é impossível que os Sinópticos, quando narraram os fatos e ações de Cristo no templo, por ocasião da última páscoa da sua vida, tenham mencionado, neste mesmo lugar, a autoridade que o Mestre tinha exercido no templo três anos mais cedo. S. Mateus e S. Marcos são pouco cuidadosos da ordem cronológica; preferem seguir a ordem dos fatos. Notemos, além disso, que a duração precisa da vida pública de Jesus não é fixada por nenhum dos quatros evangelhos. Os Sinópticos não dizem em parte alguma que tudo o que narram se passasse num só ano; e o quarto evangelista, posto que fale de três ou quatro páscoas celebradas por Jesus Cristo, não diz que ele celebrasse mais depois do seu batismo.
O racionalismo afirma que o Jesus dos Sinópticos é uma personagem muito diferente daquele de que nos faz menção o quarto evangelista. O Mestre para os Sinópticos é um doutor simples e popular; o seu ensino é quase exclusivamente moral; ele propõe-no por meio de parábolas acessíveis às inteligências vulgares; quando lhe chamam Filho de Deus ele impõe silêncio às línguas indiscretas. Pelo contrário o Cristo de João é um filósofo que fala por sentenças enigmáticas, uma dialética sutil e obscura; o seu ensino é dogmático; sempre preocupado com a sua própria personalidade, não cessa de inculcar a fé na sua natureza. Eis o que “a crítica” tem descoberto e o que passou despercebido durante dezoito séculos. Falará um professor de teologia da mesma maneira, quando se dirige aos discípulos, e quando, descendo da cadeira, se põe a catequizar crianças ou gente do campo? O exemplo aplica-se muito bem ao caso sujeito.
Os Sinópticos mostram-nos Jesus pregando às populações rurais ou comerciantes da Galiléia. João conta as disputas do Salvador com os escribas, fariseus e sacerdotes de Jerusalém, homens instruídos na lei e versados em todas as sutilidades do rabinismo. Notemos, além disso, a diferença de fim que se propunham os evangelistas.
Os Sinópticos visavam a fazer conhecer Jesus como o Messias, o grande libertador de Israel e de todas as nações. João encontra-se em presença dos dogmatizadores gnósticos que atacavam o caráter divino de Cristo. Pretendia opor-lhes a afirmação e a demonstração de que o próprio Jesus fez a sua divindade.
4º Digamos, finalmente, que estes discursos de Jesus deviam causar profunda impressão no discípulo amado, que repousara a cabeça no peito do Salvador. Não admira, pois, que tais discursos ficassem mais presentes à sua lembrança, mais caros ao seu coração, e que em tempo oportuno ele os comunicasse por escrito à Igreja. Se nos replicarem que semelhantes discursos são demasiadamente longos, para que um apóstolo os pudesse reter e reproduzir passados tantos anos, podemos responder que o evangelista nos dá o sentido das palavras do Salvador e a substancia dos seus discursos, que não o desenvolvimento que lhes deu o Mestre. Não era preciso grande esforço de memória, para que o discípulo amado de Jesus pudesse reproduzir assim discursos, a que o diálogo dava bastante relevo e vivacidade.
Deve aliás supor-se que, em suas pregações e catequeses, o apóstolo comentasse frequentemente aquelas divinas palavras, que assim se lhe tornassem perfeitamente familiares. Finalmente, se algumas vezes a memória do escritor fosse menos exata, lá estava o Espírito Santo, para lhe recordar tudo o que o Mestre tinha dito (Jo 14, 26).
5º A quinta objeção é tirada da célebre disputa que se travou no século 2, entre o papa S. Vitor e alguns bispos da Ásia, a respeito do dia em que se devia celebrar a festa da Páscoa. Polícrates e os seus aderentes apelavam para a tradição de João, para manter o seu costume de celebrar a festa no dia décimo-quarto do mês de Nizam. Ora, dizem, o quarto evangelista coloca a última Ceia de Jesus no décimo-terceiro dia daquele mês.
Podem dar-se a esta objeção duas respostas. Primeiramente, S. João podia muito bem ter adotado para a celebração da festa da Páscoa o dia décimo-quarto do mês de Nizam, ainda quando, no seu Evangelho, pusesse a última Ceia do Salvador no décimo-terceiro. Em segundo lugar, pode negar-se a suposição dos adversários. Porque é muito mais provável que S. João coloque na sua narração aquela Ceia na tarde do dia décimo-quarto de Nizam, segundo o sentido apresentado naturalmente as narrações dos Sinópticos.
Mas não é este o lugar próprio para entrarmos nos particulares desta questão, que é uma das mais complicadas para os intérpretes dos Evangelhos.
Todas estas objeções são tiradas de elementos intrínsecos do próprio livro. É este o processo habitual da crítica incrédula: mas nem por isso ela tem deixado de experimentar suas forças no campo dos testemunhos extrínsecos. Incapaz de produzir contra a autenticidade do quarto evangelho uma só palavra de testemunhos da antiguidade, tem invocado o seu silêncio para afirmar que o apóstolo João nunca residiu na Ásia. A não ser assim, dizem, Inácio de Antioquia, nas suas cartas às igrejas da Ásia, não deixaria de invocar para os morigerar, a autoridade do apóstolo. Ora, João em nenhuma parte é mencionado. Paulo, pelo contrário, é nomeado no princípio da carta de Inácio aos Efésios.
Respondemos: É verdade que se podia esperar tal menção nas cartas de Inácio; mas ninguém pode demonstrar que era necessário que ela lá se encontrasse. S. Paulo tinha, como Inácio, passado por Éfeso, para ir ao martírio; e por isso é que a sua recordação é invocada. S. João não havia passado por aquela cidade; logo não havia motivo para, neste lugar da carta, ser associado a S. Paulo. S. Policarpo, na carta que dele temos, fala também de S. Paulo, sem mencionar S. João; mas escreve à igreja de Filipos, que havia sido fundada por S. Paulo, e que S. João nunca visitou.

Bíblia Sagrada reedição da versão do Padre Antônio Pereira de Figueiredo – Volume XI – Editora das Américas 1950

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